08/11/10
Soube-se
há dias que o Dr. Santos Silva faz parte da Comissão Politica Nacional do
candidato a PR, cidadão Manuel Alegre (MA). Faz parte de uma grande plêiade de
portugueses que também o vão apoiar, quer seja por convicção, mal menor, quer
por ser essa a indicação partidária. Cerca de um milhão de eleitores nele
votaram há cinco anos atrás. Apesar de serem muitos não quer dizer que estejam
correctos, lúcidos ou disponham de informação adequada. E, para além disto,
baralhados de referências – como iremos perceber porquê.
Nada
de especial haveria a dizer do também cidadão Santos Silva, caso ele não
ocupasse transitoriamente o cargo de Ministro da Defesa Nacional (MDN) e, nessa
qualidade, exerça a tutela das Forças Armadas.
Onde
está, então, o busílis da questão? Nisto: o dito candidato a PR e
Comandante-chefe das Forças Armadas ter praticado no seu passado actos que
configuram o crime de traição à Pátria. Não temos a certeza que na actual
jurisprudência portuguesa esse tipo de crimes tenha prescrito. Mas, numa
sociedade com vergonha na cara, não deveriam prescrever.
Tecnicamente
MA não desertou do Exército como é “vox populi”. Depois de ser incorporado em
Mafra, foi colocado nos Açores e daí marchou para Angola em 1962, em rendição
individual. Acusado de actividades subversivas (que convinha conhecer e
explicitar) foi preso pelas autoridades militares, que acabaram por lhe dar a
comissão militar por finda e passá-lo à disponibilidade. Tal, certamente,
ocorreu para permitir à então PIDE (que por norma não se imiscuía no âmbito das
FAs nem prendia militares), instaurar-lhe um processo.
MA
acabou por regressar a Lisboa e quando estava na iminência de ser novamente
preso, fugiu para Paris, e daí para Argel. Estávamos em 1964.
Se
MA tivesse imitado uma das suas “referências” políticas, o ex-presidente da
República Teixeira Gomes, que farto de aturar a balbúrdia da I República
abdicou do cargo e foi exilar-se e morrer em Bougie, a história do vate Alegre
acabaria aqui. Ou mesmo se tivesse limitado a combater politicamente ou pelas
armas, os órgãos de soberania portugueses de então, isso ficaria apenas nos
anais das desavenças lusas assumindo cada parte as suas responsabilidades.
Acontece
que MA não se limitou a fazer isto, mas fundou, com alguns correligionários,
uma rádio e, da capital argelina, passou a emitir programas que apoiavam os
inimigos de Portugal e as forças que em Angola, Guiné e Moçambique nos
emboscavam as tropas.[1] Há
dezenas de milhares de ex-combatentes vivos que são testemunhas disto.
Ora
estes actos não configuram luta política contra um regime ou governo de que não
gostamos; Alegre actuou directamente contra os seus ex-camaradas de armas. Tal
não tem nada a ver com regimes políticos, nem com liberdade ou seja o que for.
Tem a ver com integridade de carácter, lealdade e patriotismo. Conceitos a que
o agora candidato a PR apela com voz grossa, quando há 40 anos pertencia ao PCP
que seguia religiosamente as “ordens” do Partido Comunista da União Soviética
(grandes patriotas!), que como se sabe era um exemplo de democracia e exercício
das liberdades.
Julgo
que não necessitamos de entrar em mais considerações que estão relatadas por
testemunhas insuspeitas e que vão do tratamento de exilados portugueses que
desembarcaram na grande “democracia” que era a Argélia de então, às relações
com o General Humberto Delgado e que, aparentemente, desembocaram na tragédia
de Vilanueva del Fresno.
Ora
o ministro Santos Silva não deve desconhecer tudo isto e tendo o PS apoiado,
mesmo a contra gosto, a candidatura do poeta – campo em que unicamente exerceu
algo parecido com uma profissão – deveria ter tido o bom senso em delegar a
função noutro e não se envolver ostensivamente na campanha. Poupava assim mais
uma humilhação à Instituição Militar e um embaraço à sua hierarquia.
É
certo que o MDN sempre pode alegar que foi uma junta militar encabeçada por um
general ambicioso, que se veio a revelar um péssimo político, e o então MFA,
que insensatamente deixaram entrar no país uma quantidade de gente pouco recomendável,
sem ter assegurado o mínimo de condições para o fazer. E entre eles estava o
actual quase deputado vitalício.
É
verdade. Mas isso são águas passadas cometidas em tempos de “loucura
anarquizante”, que a ingenuidade e impreparação dos meus camaradas de então,
permitiram, embora não os isentando da responsabilidade. O doutor S. Silva
agora é ministro, deve velar pela dignidade do cargo e das instituições que
tutela. Eu poderia até acrescentar que há ex-combatentes que não se importam de
apertar a mão ao dito candidato e ex-locutor, mas levo isso na conta das
fraquezas de carácter tão usuais na natureza humana. A responsabilidade de
ministro é, porém, diferente.
Os
países definham a desaparecem não é por terem crises económicas, financeiras ou
sociais. É por terem crises morais. E esse é o estado em que verdadeiramente
caiu o nosso Portugal, que está subvertido de valores, exangue de coragem e sem
norte. E está envelhecido, abúlico, sem liderança e com deficit de
portuguesismo.
Fica
aqui este registo para não se dizer, mais tarde, que ninguém viu e ninguém se
opôs.
João José Brandão Ferreira
TCor/Pilav (Ref.)
(Das
mui antigas, nobres, por vezes
gloriosas, mas quase extintas Forças
Armadas Portuguesas)
gloriosas, mas quase extintas Forças
Armadas Portuguesas)
[1] Crime punível pelo artigo
75 do Código de Justiça Militar, então em vigor, aplicável por força do artigo
77 do mesmo código, a que correspondia a pena de prisão maior, por oito anos,
seguida de degredo por 20 anos, com prisão no lugar de degredo até dois anos. O
actual CJM, aprovado pela Lei 100/2003, de 15 de Nov., prevê a punição do mesmo
crime.
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