Depois da minha última crónica, li uma entrevista de Dom Duarte Pio de Bragança em que este dizia que "daqui
a pouco vamos ter a lei da liberdade da eutanásia com a interrupção da
velhice. Quando uma velhice é incómoda, quando fica cara, quando é
traumatizante para a família, ter aquele avô que custa caro, que
incomoda toda a gente, que já está completamente tonto, não se pode
interromper a sua velhice sem pedir a opinião do próprio".
O
Herdeiro da Casa Real colocou o dedo numa ferida que se tende a
manifestar num futuro próximo, uma vez que à discussão e aprovação do
testamento vital se seguirá com a maior das probabilidades a discussão
sobre a eutanásia, sem que as pessoas sejam devidamente esclarecidas do
que está em causa, ou que lhes seja dito que os contornos desta figura
transcendem na maior parte dos casos a situação daqueles que estão
gravemente enfermos. Corremos assim o risco de se vir a sujeitar muitas
pessoas de idade avançada a pressões inqualificáveis, já que tendo elas
plena consciência do abandono em que se encontram, se sentem, ao mesmo
tempo, um peso para a família, podendo vir a sentir-se coagidas pela
sociedade a deixarem de viver.
Ora,
não se pode construir uma sociedade justa sem cuidar dos direitos e
interesses dos mais velhos cada vez mais numerosos. É certo que, por
norma, os mais velhos não falam das suas fraquezas. Não o fazem porque
não querem incomodar as suas famílias, atarefadas com as aflições do
dia-a-dia, concentradas nas exigências crescentes dos mais novos. Evitam
dizer-lhes que lhes falta o aquecimento no Inverno, o dinheiro para os
remédios, as pernas para subir as escadas de casa, os braços para se
lavarem. Receiam dar parte fraca, porque não querem constituir
sobrecarga, e porque não querem ser engaiolados nas antecâmaras onde
todos os dias contarão os sobreviventes pela manhã, até que a sua hora
chegue.
São
razões de justiça e caridade que impedem uma sociedade de ignorar os
mais velhos, mas também o interesse de todos nós que chegaremos um dia a
esse estágio de vida. Por outro lado, uma sociedade que não trata bem
os mais velhos comete um terrível desperdício. Eles fazem falta à
formação dos mais novos, não só pela elementar razão que não têm de
lidar só com o que é bom, bonito e agradável na vida, mas também porque,
normalmente, são repositório de saber, de conselhos e de experiência de
vida. E, numa altura em que houve a alteração do padrão familiar que
descrevi na minha última crónica, em que as crianças vão perdendo as
referências e em que os pais não têm disponibilidade para lhes conceder
uma parte razoável do seu tempo e para lhes proporcionar a educação que
só se pode receber em casa, um avô, uma avó ou uma tia, poderiam
compensar muitas dessas ausências e faltas. Afinal, era assim no
passado, quando éramos crianças, quando os velhos se integravam sem
custos no agregado familiar e nos faziam companhia e nós também lhes
fazíamos companhia. E, a meu ver, não há razões para que não volte a ser
assim.
Não
se pode exigir que seja o Estado a mudar todos os nossos comportamentos
mas convém que as suas políticas e as suas leis promovam valores e
práticas justas. E, nesta matéria, é incompreensível que um agregado
familiar possa deduzir, no IRS, as despesas que um dos seus membros
seniores paga a um lar, mas não tenha qualquer benefício, nem sequer a
possibilidade de fazer uma dedução equivalente, no caso de optar por
cuidar dessa pessoa em sua casa, onde é suposta encontrar melhores
cuidados e carinho, e onde pode ser, também, da maior utilidade.
Rui Moreira, 18-12-2010 - Jornal de Notícias
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