Vai fazer no próximo dia 5 de Outubro 99 anos que foi implantada a 1ª
República Portuguesa. Cerca de cinco anos depois deste acontecimento,
Portugal entrava na 1ª Grande Guerra Mundial e, durante o ano de 1917,
chegavam a França os primeiros contingentes portugueses, na sua maioria
pessoas pobres, na flor da vida, arrancados da vida rural das suas
terras natais.
Como testemunha esta carta:
“Mãe. Afinal fez bem vendendo a nossa cabrinha, se precisava de
comer. Eu bem sei o que lhe devo como filho e não me zango. Mas tenho
muita pena, isso tenho. E às vezes ponho-me a lembrar que quando aí for
já ela não vem da horta, entrando em casa, para me comer à mão. A gente
também ganha amizade aos animais. Mas não me zango, pois se era
precisão…” [1]
Foi com muitos destes homens como soldados que foi organizado um
exército ad hoc, feito num espaço de tempo de cerca de dez meses, para
defrontar a maior potência militar europeia destes tempos, a Alemanha.
O texto a seguir informa-nos sobre a Batalha de La Lys de 9 de Abril de 1918, onde os portugueses enfrentaram os alemães:
“À l’Ouest, en mars de 1918, c’est-à-dire au moment où les conditions
atmosphériques permettent d’engager de grandes opérations, le
commandement allemand, grâce à l’armistice russe, dispose de cent
quatre-ving-douze divisions d’infanterie – vingt de plus que les
Franco-Anglais. Ludendorff (…) sait que «la lutte sera formidable» (…). À
trois reprises, le 21 mars sur le front de Saint-Quentin, le 9 avril
sur le front de la Lys, le 27 mai sur le front du chemin des Dames, les
troupes allemandes, bien qu’elles ne possèdent pas de chars d’assaut,
réussissent ces opérations de rupture du front que, depuis la fin de
1914, les belligérants, en France, avaient vainement cherché à réaliser.
Elles obtiennent de grands succès …”.[2]
Tinha razão o general Erich Ludendorff, chefe do Estado Maior do
exército alemão, quando dizia que a luta ia ser formidável: os soldados
portugueses sentiram-na bem na Batalha de La Lys.
De toda a parte chegam sinais de que a luta se intensifica:
“… Ao atravessar os campos as granadas caíam aos milhares!
Alevantavam o chão todo! A terra fervia em cachão! (…) As aldeias ardiam
como archotes alumiando a noite! (…) Lembrava o Inferno, a terra toda a
arder!”[3]
O texto do historiador francês acima referido dá-nos conta da
fortaleza do exército alemão. Ainda por cima, no momento da batalha do 9
de Abril de 1918, as tropas portuguesas estavam enfraquecidas,
resultante dos acontecimentos políticos ocorridos em Portugal em
Dezembro de 1917:
“Mas, – coisa inevitável, – os nossos soldados, começam a
revoltar-se. Sim, inevitável. Pois se de Portugal não mandam reforços e
nos esquecem, e os altos comandos, sem a coragem de protestar por todas
as formas contra esse desprezo, fazem todos os dias aos soldados
promessas de descansos e licenças que nunca chegam, e exigem dalguns
milhares de homens o doloroso esforço, que nos outros exércitos se
distribui por centenas de milhares, que menos se poderá esperar? O
desfalecimento, a exaustão, o desespero atingiram o auge nas nossas
fileiras.” (…) “Às dez da manhã sabe-se já que os alemães, numa ofensiva
de grande estilo, (…) romperam as nossas linhas e avançam. (…) Lançados
ao acaso sobre as macas, os feridos de mais gravidade esperam a sua
vez. Um cheiro pesado e morno a éter, sangue e entranhas violadas
entontece e engulha. À beira deste ou daquele pingam nascentes de
sangue. O chão é todo manchado pelo rio vermelho da vida que
extravasa.” [4]
Em poucas horas cerca de 7500 homens perderam a vida nesta batalha.
No próximo dia 5 de Outubro colocar-se-ão flores nas estátuas
nacionais “aos mortos da Grande Guerra”, são as flores oficiais de
homenagem do regime republicano a esses homens. Porém, em muitos países
da Europa, o reconhecimento aos soldados mortos na grande guerra também
vem das pequenas comunidades (embora o nosso caso não tenha comparação
com o ocorrido nesses países). Por exemplo, em França, encontramos por
toda a parte obeliscos, padrões e monumentos, [5] como, por exemplo,
este pequeno padrão, algures numa minúscula aldeia francesa, à memória
deste soldado:
“Souvenez-vous dans vos prières de // Bussat Eugène // mort pour la France // à vingt ans // 1916”.
Valeu a pena a vida dos 10.000 soldados da República mortos na
Primeira Guerra Mundial? Já sabemos o que o poeta diz. O homem está vivo
enquanto perdura na memória de alguém. Por isso trazemos aqui estes
homens de volta, nem que seja por um dia, para que a nossa memória
colectiva não os esqueça.
António Mota de Aguiar
REFERÊNCIAS:
[1] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, p. 81, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[2] Pierre Renouvin, L’Armistice de Rethondes, pp. 18-19, Gallimard, Paris, 1968
[3] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, p. 225, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[4 ] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, pp. 218-221, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[5] Sobre este assunto, ver: Sílvia Correia, A Memória da Guerra, pp.349-370, in Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, História da Primeira República Portuguesa, Tinta da China, Lisboa, 2009.
[1] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, p. 81, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[2] Pierre Renouvin, L’Armistice de Rethondes, pp. 18-19, Gallimard, Paris, 1968
[3] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, p. 225, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[4 ] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, pp. 218-221, Portugália Editora, Lisboa, 1969
[5] Sobre este assunto, ver: Sílvia Correia, A Memória da Guerra, pp.349-370, in Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, História da Primeira República Portuguesa, Tinta da China, Lisboa, 2009.
POSTED BY DE RERUM NATURA
Publicado no blogue "Causa Monárquica"
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