A situação política nos países
árabes da margem sul do mediterrâneo é explosiva: para os seus governos,
quase todos ditaduras, para os seus povos, que sofrem uma nova onda de
violência da repressão, para o equilíbrio geo-estratégico da região, já
anteriormente periclitante, para Israel que se vê cada vez mais isolado e
ameaçado, para a Europa e os EUA, uns vizinhos, outros aliados de
regimes que agora se desmoronam como baralho de cartas, desde sempre
viciadas.
Na Europa, e também nisso somos
muito europeus, alguns políticos e a comunicação social praticamente
toda, embandeiraram em arco com a revolta dos povos contra os seus
governos, dizendo que clamam pela democracia e pela liberdade e que se
revêem no modelo ocidental, que lhes vai chegando pela internet, pelas
redes sociais e pelos mais modernos meios de comunicação, como os
telefones portáteis, que usaram para convocar as manifestações pacíficas
que, depois, degeneraram em violentas, depois da violência dos poderes
ameaçados no seu combate. Apressada asserção, julgo eu. Esquecem-se ou
ignoram ou querem fazer valer os seus ideais e valores sobre a
realidade, que o fundamentalismo islâmico está em muitos casos visível
por detrás da justa revolta dos povos oprimidos e que sem essa opressão –
quer seja de chiitas sobre sunitas, quer seja laica - têm o campo
aberto para impor regimes teocráticos. Não aprenderam nada com o derrube
da monarquia persa, que não sendo um regime democrático de modelo
ocidental era bem mais democrático e ocidental do que o dos ayatollhas
que se lhe seguiu, com o aplauso geral e o apoio, mais ou menos
disfarçado, de França e EUA.
É evidente que as ditaduras nesses
países é, aos meus olhos de democrata ocidental, intolerável. É
evidente, também, que o apoio dos países europeus e dos EUA a esses
regimes por razões estratégicas e a sua condenação, agora, pelas
mesmíssimas razões e na esperança de que o que se lhe seguir não se
volte contra eles, é igualmente intolerável. Como também é intolerável
que se não procure ver e compreender que, neste caso concreto, como
noutros de outras latitudes, o modelo de democracia ocidental não é
exportável para aplicação imediata, que há que contar com a cultura dos
seus povos, com o percurso histórico que, devido a vários factores,
entre os quais os religiosos, têm vindo a percorrer e que querer impor
um modelo político – por mais desejável que aos nossos olhos seja – é um
erro crasso que custará ao Ocidente mais do que muitos, porque
irrealistas, poderão supor.
É curioso, nesta revolta que grassa
nos países árabes, constatar que todas essas abomináveis ditaduras
substituíram monarquias com o beneplácito ocidental, em nome da
liberdade que nunca veio a existir depois e que, nas monarquias árabes,
com excepção do Barhein e da Arábia Saudita (onde ainda não se
registaram movimentos de revolta) e que são monarquias absolutas, as
reivindicações não tiveram como objecto os regimes, mas os governos e as
suas políticas, salvaguardando a figura dos seus reis. Se o Ocidente
não quiser meter a cabeça na areia, especialmente os EUA que sempre
apoiaram o derrube das monarquias com a única excepção do Japão e que é
na Ásia a única democracia moderna, e não conseguir perceber o seu
significado, esperemos que em nome da utopia não assistamos ao fim das
monarquias jordana e marroquina e ao início de regimes teocráticos
islâmicos, sem liberdade e uma terrível ameaça para o Ocidente e
sobretudo para a Europa aqui tão perto.
Confundir os desejos e as
ideologias – por mais belos e justos que possam parecer – com as
realidades, é um erro que se paga caro.
João Mattos e Silva in Diário Digital (23-Fev-2011)
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