A
temática política do século XIX, muito nefasta em vários aspectos, inventou o
antagonismo, Monarquia-República, tão infundamentado como pernicioso, e que a
incompreensão contemporânea ainda vem a sustentar. Ilusório antagonismo que
talvez só por si tenha sido o causador de dramáticos acontecimentos na vida
nacional.
Em
rigor, Monarquia e República não têm significados opostos e nem sequer são
inconciliáveis. De acordo com os conceitos tradicionais, precisamente a
República existia dentro da Monarquia; fazia parte dela.
República
(Res publica - a Coisa pública - a Coisa do Povo) tem um sentido definido
que a etimologia própria e o seu uso histórico não permitem confundir. Apenas
que a República tinha então por regedor e defensor um Monarca. Lembremo-lo no
caso de algumas demonstrativas citações.
Na
Crónica del-Rei D. Fernando diz Duarte Nunes de Leão: «... em cortes q
para isso ajuntou fez algüas leis mui utiles aa republica, & naquelles
tempos mui necessárias.»
Damião
de Góis põe na voz de D. Afonso V, ao armar cavaleiro seu filho D. João após a
conquista de Arzila, as seguintes palavras: «... he bem q saibais q cavallaria
há virtude misturada cõ poder hõrroso, segundo natureza mui necessário pera cõ
elle poer paz na terra, quãdo cobiça ou tyrania, com desejo de regnar, inquietã
hos Regnos, respublicas & pessoas particulares.»
O
próprio D. João II, numa notável carta ao rei de França, abria-a com estas
judiciosas considerações: «obrigação é do bom Príncipe e prudente, não somente
galardoar seus vassalos com honras, cargos e dignidades merecidas, mas castigar
com rigor, severidade e justiça aos que são prejudiciais em sua república, para
que os bons com o exemplo do prémio sejam melhores e os maus ou com castigo se
emendem, ou com as maldades pereçam.»
Nos
Apontamentos dos Prelados tomados um ano depois das Cortes de 1582,
expunha-se: «Porque he em tão grande damno deste Reyno, e prejuizo da Republica
fazerem-se tantas uniões, annexações, desmembrações perpetuas como se fazem,.
..»
D.
Sebastião escreveu numa das Máximas que traçou para orientação do seu
reinado: «Gavar os homens, e cavalleiros que tiveram bons procedimentos, diante
de gente, e os que tiverem préstimo para a República e mostrar aborrecimento às
cousas a ella prejudicaes.»
Em
Junho de 1580 a Faculdade de Teologia de Alcalá, consultada por Filipe II sobre
a sucessão ao trono de Portugal, pronunciava-se nos seguintes termos: «si alguno
opusiesse que la republica de Portugal és perfecta. ..»
Na
Justa Aclamação exarou o Doutor Vaz de Gouveia: «O poder dos reis está
originariamente nos povos e nas repúblicas, que delas o recebem por forma
imediata.»
Depois
da Restauração é, por exemplo, D. Luísa de Gusmão, regente, a usar a costumada
forma: «Hei por serviço ,de Deus e meu, e beneficio da Republica.»
Julgamos
desnecessário alongar, através dos tempos, as citações comprovativas.
A
quem tenha lido alguns textos da história a palavra República não choca os
sentimentos realistas que possua, antes surpreende que esta se tenha arvorado em
contraposição ao de Monarquia, e que não houvesse protesto contra tal equívoco
antes de ele começar a fazer carreira.
Aí
pelos anos vinte António Sardinha ainda
achou oportunidade de afirmar: «o adjectivo republicano pode caber-nos, na
verdade, desde que lhe precisemos o sentido.» Igual ,pensamento exprimira
Maurras: «a palavra República tem um sentido razoável, mesmo depois do
restabelecimento da Monarquia ela poderá continuar a usar-se na interpretação
que indicava o âmbito dos negócios públicos.»
Mais
nos nossos dias depõe o mestre integralista há pouco falecido - Pequito Rebello: «Chame a República o Rei e com
isso não se suicide! Porque - e por Deus atentai que isto é uma verdade profunda
- a Monarquia é também uma República. Quero eu dizer que na Monarquia, além do
seu automatismo que naturalmente assegura o interesse nacional pelo órgão
dinástico - e no que é propriamente Monarquia - pode nela também haver o livre
esforço cívico de cada um dos portugueses para aperfeiçoar ao máximo a vida
social no sentido do bem comum.»
Pequito
Rebello termina assim o seu apelo: «Essa Monarquia nova seria o verdadeiro
Portugal. E continuaria sempre a presidir-lhe o lema antigo: Glória de Deus!
Serviço do Rei! Bem da República!»
Concluindo
podemos assentar em que a diferença entre um soi-disant republicano e um
de nós é fundamentalmente esta: ele quer para a República um Presidente
periodicamente eleito; nós queremos que a República remate pela chefatura
dinástica de um Rei.
Não
cabem aqui os argumentos de uma e de outra opção, e talvez até sejam
dispensáveis ante a desastrosa experiência de mais esta desordenada e conturbada
República de Presidentes, que arruina o país, depois de ter desfeito a
Nação.
Do
Governo da República pelo Rei é o título feliz e sugestivo de um livro
escrito em 1496, dedicado ao futuro D. Manuel I. Pensemos no que este título diz
e fiquemos nisto: à República Portuguesa todos pertencemos hoje, como
pertenceram os nossos antepassados no antigo reino de Portugal. Simplesmente uns
são presidentistas, enquanto que nós outros somos realistas.
Mas
precisemos um pouco as ideias.
Se
o ofício real é, sobretudo, o de reger e coordenar a administração da República
em vista ao bem comum em harmonia social, tal função pressupõe uma república
ordenada e orientada nesse mesmo sentido do interesse da comunidade nacional.
República não corresponde obrigatoriamente a democratismo.
É
de excluir, portanto, a hipótese de um género de regime republicano desordenado,
conflituoso e desastroso como o de 1910-26, ou como o actual, legítimo sucessor
e cópia fiel daquele.
Tendo
estas duas Repúblicas como fundamento o exclusivismo partidocrático originário
de uma luta constante, inspirada pode dizer-se que apenas pela ambição do Poder,
e resultante numa instabilidade governativa impeditiva de um bom governo, não se
coadunariam com a função da Realeza.
Há-de
ver-se também que o exercício da Realeza se não conforma com um regime
autocrático como o foi o da 2ª República.
O
Rei é por dever e por conveniência própria - isto é muito importante - o garante
das liberdades do seu Povo. Daí que não possa tolerar autocracias sempre
negadoras dessas liberdades populares. E dizemos liberdades populares, mas não
arruaceiras, criminosas, ilegais. Mas sim liberdades do Povo organizado através
das suas associações representativas, que são os organismos vitais da sociedade,
isto é numa representação autêntica do país que trabalha, que pensa, que quer a
tranquilidade justa e necessária ao progresso e ao bem-estar de todos. É aí que
se encontra o lugar dos «Corpos
Intermédios» que são o meio de defesa das pessoas perante os órgãos
superiores do Estado.
Como
a República, para merecer o adjectivo de nacional, não pode limitar-se a olhar
só ao presente, mas tem de prover ao futuro, só pode encontrar no Rei dinástico,
dada a vitaliciedade de funções e a sucessão hereditária, a chefatura
coerente.
Diremos
que para uma má República, qualquer Presidente de facção está conforme; que para
uma boa República é o Rei o magistrado indicado, porque alia à chefia do Estado
a representação da Nação na sucessão do tempo.
(In Mário Saraiva, Sob o Nevoeiro, Lisboa, 1987)
(*) Mário
António Caldas de Mello Saraiva (Guimarães, 12.5.1910- Vilar,
Cadaval,
28.5.1998) foi uma personalidade plurifacetada - médico, desportista
(tiro), pintor, etc. - vindo a notabilizar-se através de estudos nos domínios
sebástico e pessoano, e de uma obra política e doutrinária onde verdadeiramente
se iniciou o Neo-Integralismo.
Mário Saraiva
- filho
do Major José Augusto Saraiva, um dos oficiais do Exército compulsivamente
afastado de serviço por ter proclamado a «Monarquia do Norte» (1919) - foi destacado
membro da terceira geração do Integralismo
Lusitano.
Estudante
em Coimbra, fundou o jornal académico Paracelso, filiando-se, em 1932, no
Movimento Nacional-Sindicalista liderado pelos integralistas Alberto
de Monsaraz e Francisco Rolão Preto. Depois daquele movimento ter sido
infiltrado, desmantelado e, por fim, proibido por Salazar, Mário Saraiva
continuou a sua intervenção pública nos inícios dos anos 40, ao lado de Mário
Cardia que, no Jornal do Médico, fez, pela primeira vez em Portugal, a defesa de
um Serviço Nacional de Saúde.
A
estreia de Mário Saraiva como doutrinador monárquico deu-se em 1944 ao
publicar Claro Dilema – Monarquia ou República?
. De pronto saudado pelos Mestres integralistas Hipólito Raposo e Alberto de Monsaraz, será no final da década de 50 que se revelará como um dos máximos
expoentes entre as novas gerações daquela escola de pensamento, ao lado de,
entre outros, Afonso Botelho, Rivera Martins de Carvalho, António Jacinto
Ferreira, Henrique Barrilaro Ruas.
Sem nunca deixar de exercer a profissão médica
– pertenceu ao quadro de médicos civis da Força Aérea Portuguesa – Mário Saraiva
participou activamente na campanha restauracionista de 1951, em torno do jornal O Debate
(Lisboa, 1951-1974), vindo a ter
destacado desempenho na defesa do ideário integralista lusitano em polémica
com alguns monárquicos apoiantes do salazarismo (A Voz, 1954-55).
Foi no início dos anos 60 que Mário Saraiva
começou a desbravar os caminhos do Neo-Integralismo.
Retirando do mestrado integralista a lição
de que a Monarquia da Carta fora deposta em 1910 porque se tinha transformado
num corpo estranho à Nação, dominada pelos políticos das oligarquias partidárias,
Mário Saraiva pugnava por uma
reinstauração do Trono a ser realizada no quadro de uma República restaurada,
isto é, devolvida às matrizes municipalistas e orgânicas da tradição democrática
portuguesa. Entendendo a República (Res publica) como vivência de
direitos cívicos, de liberdade da Grei nos negócios da sua
governação, de autonomia político-administrativa do País, Mário Saraiva
considerou que para esta ter um carácter verdadeiramente nacional, se
exige uma suprema magistratura também
nacional - independente na origem, como requisito da imparcialidade e da
justiça, e representativa da totalidade da Grei e da sua continuidade
histórica. Apenas no Rei, personificação da Pátria, via Mário Saraiva o
Chefe em condições
de exercer com independência e isenção a Suprema Magistratura da
República,
nos domínios Judicial, Diplomático e Militar. Adversário de todas as
formas cesaristas de poder, fossem presidencialistas,
parlamentares, referendárias ou mistas, para Mário Saraiva a Restauração
de Portugal ter-se-ia de fazer
através de uma Nova Democracia.
A
Comissão Doutrinária da Causa Monárquica acolheu as suas teses, em 1970, ao
adoptar oficialmente a obra Razões Reais. Naquela época, Mário Saraiva ocupava já um lugar
de destaque como organizador das actividades em que velhos e novos
integralistas se achavam envolvidos. Fora um dos fundadores da Renovação
Portuguesa, e um dos mais destacados impulsionadores da Convergência
Monárquica, encontrando-se então na primeira linha da reactivação do
movimento editorial monárquico integralista através da “Biblioteca do
Pensamento Político”, onde Luís de Almeida Braga publicou aquela que
ficaria como a sua última obra – Espada
ao Sol (1969).
Em 1978,
recebeu de D. Duarte Pio João de Bragança a missão de
constituir e secretariar o seu Conselho Privado, cargo que manteve até à
sua morte.
Nos
seus últimos anos de intervenção pública, Mário Saraiva veio a revelar-se um prolixo escritor
na defesa do ideário monárquico. Apresentando à consideração pública as vantagens da suprema
magistratura régia, denunciou o actual preceito constitucional que
impõe o modelo presidentista à Suprema Magistratura da República, e
reivindicou o fim do monopólio da representação política por intermédio dos
partidos político-ideológicos, tanto nos municípios, como na câmara
legislativa. A par dos seus estudos histórico-literários,
fosse nas páginas da Consciência Nacional (que dirigiu), ou em jornais como
O Dia, Correio da Manhã, etc., ou
ainda em livros, veio a produzir vasta bibliografia monárquica, parte dela
traduzida em francês, espanhol e mesmo em cirílico. A
Sociedade Histórica da Independência atribuiu o
prémio “Livro 1997” à sua obra Apontamentos
– História, Literatura, Política.
Obras
mais importantes: Claro Dilema,
1944; Os Pilares da Democracia, 1949; Coordenadas
do Poder Real, 1961; Razões Reais, 1970;
A
Verdade e a Mentira,
1970; Às
Portas da Cidade - Crítica e Doutrina,
1976; Outra Democracia, 1983; O
Caso Clínico de Fernando Pessoa,
1990; Em Tempo de Mudança, 1992; Pessoa,
Ele Próprio - Novos Estudos Nosológicos e Patográficos,
1992; Dom Sebastião na História e na
Lenda, 1994;Frontalidade
- Ideias, Figuras e Factos,
1995; Apontamentos
- História, Literatura, Política, 1997; Impressões
e Memória, 1998; Ideário, 2000.
José
Manuel Quintas in "Unica Semper Avis"
_Foi o Dr. Mário Saraiva, que na qualidade de Médico, assistiu ao meu nascimento e me ajudou a ver pela primeira vez, a luz do dia.
ResponderEliminar_Tive a grande honra de ser seu vizinho e amigo, de aprender ao longo da minha vida, com as suas doutas doutrinas, plenas de sentido humanístico, até à hora em que deixou o mundo físico.
_Ao ler este artigo, reavivaram-se-me muitas boas memórias.
_Obrigado ao autor do texto.
C. Caetano.
_Ao Senhor Dom Duarte Pio,
ResponderEliminarpermita-me que vos deixe aqui, os meus sinceros votos de um Feliz Aniversário.
_Que este dia se repita com prosperidade, por muitos e bons anos,
na companhia de todos os Vossos Queridos Familiares e amigos,
à vista de quantos Vos admiram, em prol da Causa Monárquica.
_Viva o Rei!
C. Caetano