Jornal “Diário do Minho” de 21 de Março de 2011, pág. 23
A mulher rural num modelo de agricultura familiar
Os
sinais de pobreza em Portugal estão muito associados ao mundo rural,
onde existe uma privação de indicadores mínimos de conforto, onde os
rendimentos são insuficientes em virtude da população rural possuir
muito baixos níveis de qualificação profissional e onde são visíveis
outros fenómenos de exclusão social associados aos movimentos
migratórios da população rural, ao envelhecimento da mesma, às difíceis
condições de concorrência do mercado cada vez mais competitivo e
subjugado à disciplina comunitária, aos efeitos nefastos da politica de
subsídios ao sector, à redução da produção num país, que vive à mercê
de alimentos alheios, ao consumo desenfreado de recursos naturais para
crescimento urbano e à concentração urbana e suburbana, onde tem
crescido novos grupos de risco de pobreza e exclusão social.
Quando
se fala em agricultura, facilmente afiguramos uma mulher com um
semblante enrijecido pelo tempo, uma enxada gasta e apurada na mão e
uma criança polvilhada de terra e queimada pelo sol.
A
actualidade mostra-nos que esta imagem não está longe do que era há 50
anos atrás, onde uma forte persistência de uma economia camponesa,
baseada na família, na pequena propriedade, nas técnicas rudimentares e
sujeita a flutuações agravadas pelos maus anos agrícolas e pela elevada
tendência de crescimento da taxa de natalidade, onde a emigração
constituía um fenómeno social de compensação a uma economia deficitária
e onde o principal destino dos movimentos migratórios era a Europa,
resultaram na partida dos homens e na permanência das mulheres.
Este
processo de “feminização” da agricultura iniciou-se na década de 80,
onde a actividade agrícola assumia um cariz secundário, marginal e até
desprestigiante. A mulher substituía a mão-de-obra masculina, desviada
para outros sectores de actividade, através de uma sobrecarga de
trabalho, dado que era a ela, que ficavam entregues o trabalho dos
campos e os animais, para além do trabalho doméstico, dos filhos e
muitas vezes dos familiares mais idosos.
São
estas mulheres que por questões de ordem social e económica, viram na
agricultura uma forma de enfrentar despesas, afastando-se por isso, da
escola e do ensino e colocando de lado sonhos e ambições. Tendo sido
esta fragilidade educativa e a ausência de infra-estruturas sociais e
económicas - saneamento básico, creches, escolas, transporte públicos,
centros de saúde, apoios sociais e técnicos -, na maioria dos casos, um
factor imediato para o débil desenvolvimento da actividade agrícola
enquanto negócio e para muitas das situações de pobreza e exclusão
social da “mulher rural”.
A
entrada de Portugal na Comunidade Europeia e a consequente abertura das
fronteiras à livre circulação de pessoas, mercadorias e bens, a
instituição da PAC (Política Agrícola Comum), a desertificação das
aldeias do interior do país, resultado da emigração para outros países
e o êxodo para as grandes cidades à procura de melhores condições de
vida, o envelhecimento da população agrícola, activou o esgotamento do
modelo de agricultura familiar tendo este deixado de ser, por si só, um
meio de subsistência para muitas famílias portuguesas.
Com
o início do novo milénio, e por isso mesmo, convictos de novos
desafios, damos conta, afinal, de que a vida em meio rural ainda está
viva e é maioritariamente feminina, e que o modelo de produção familiar
é a única agricultura que mata a fome, garante a soberania
alimentar, evita o êxodo rural para as cidades, que estão a tornar-se
inabitáveis, e protege a harmonia essencial com a natureza.
Chegamos
então ao momento de entendermos que estamos perante um novo paradigma
de ruralidade, assente numa agricultura de produção e conservação,
articulada com uma nova contextualização sócio-educativa, de “regresso
à terra” ou à agricultura familiar, como alternativa aos caos social e
económico da sociedade imperante e como meio de produção para a família
e para a própria localidade, contribuindo, também, para o
desenvolvimento nacional e a sustentabilidade humana.
Ser
“mulher rural” não é, nem nunca foi fácil, por isso merecem elogio,
admiração e muito respeito, por isso revigoro a ideia de que A MELHOR SUSTENTABILIDADE NO MUNDO É AQUELA QUE A MULHER OFERECE À HUMANIDADE ATRAVÉS DOS FILHOS QUE A IMORTALIZAM.
(fonte: Boaventura Sousa Santos)
Sílvia Oliveira
(Deputada Municipal do PPM)
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