“Se quisermos repensar a cultura e encontrar
forças vivas no passado, temos que recuar até antes do século XV em
Portugal”, diz António Cândido Franco, 54 anos. O seu mais recente
romance histórico debruça-se sobre uma dessas figuras marcantes.
Editado pela Ésquilo, Os Pecados da Rainha Santa Isabel parte da temática da santidade para reflectir sobre a complexa relação entre Isabel de Aragão e a Igreja católica da época.
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa e doutorado em Literatura Portuguesa pela
Universidade de Évora, onde actualmente lecciona, António Cândido Franco
é autor de uma vasta obra, da poesia ao romance histórico.
JL: Como surgiu o interesse pela Rainha Santa Isabel?
Depois de ter escrito, em 2003, sobre Inês de Castro e, no ano
passado, sobre Leonor Teles, apercebi-me de que tinha criado um díptico
formado por duas figuras femininas marcantes da Idade Média portuguesa,
e muito próximas cronologicamente. Mas faltava uma terceira, tão ou
mais importante do que aquelas: Isabel de Aragão, mulher de D. Dinis,
que era, por sua vez, avô de D. Pedro e bisavô de D. Fernando. Comecei,
então, a pesquisar, e foi de tal forma absorvente que, em 2009,
publiquei Vida Ignorada de Leonor Teles e, logo este ano, Os Pecados da Rainha Santa Isabel.
O que têm em comum essas três mulheres?
Em Inês de Castro e Leonor Teles abordei, sobretudo, o tema do amor
e da paixão, que em Isabel de Aragão não tem tanta importância, apesar
da relação com D. Dinis não ser tão fria como se pensa. Não obstante,
as três estão ligadas por uma cultura que não é masculina, que não tem
a ver com afirmação, domínio, imposição. É uma cultura do silêncio,
quase sagrada. Além disso, são, curiosamente, identificadas pelo mesmo
espaço: Coimbra. Isabel de Aragão funda aí a casa de Santa Clara, onde
Inês morre, e Leonor e Fernando vivem grande parte da sua história de
amor naquela cidade.
Em relação a Isabel de Aragão, o que pretendeu explorar?
Parti da temática da santidade, incontornável nesta figura. Com a
investigação histórica, apercebi-me, surpreendentemente, de que a
Rainha Santa Isabel era marcada por uma heterodoxia face à Igreja
institucional da época, que já vinha dos seus antecedentes. O pai, D.
Pedro III de Aragão, foi excomungado pelo papa Martinho IV, o avô,
Manfredo, morreu numa batalha campal contra a hoste do papa da época, e
o bisavô, Frederico II, foi considerado como uma espécie de ‘besta do
apocalipse’ pela Igreja de Roma. Tudo isto concede a Isabel de Aragão
uma tonalidade totalmente inesperada, porque pouco conhecida, e que é
um dos seus ingredientes mais atrativos.
Neste romance, o pecado é a heresia…
Sim. Mais concretamente, os aspetos heréticos da espiritualidade de
Isabel. O historiador Jaime Cortesão deu um contributo importante para
esta questão, nomeadamente com Os Descobrimentos Portugueses
(1960), onde afirma que Isabel de Aragão era uma figura mais complexa
do que, até então, se pensava, e que a sua ‘riqueza’ passa por essa
heresia espiritual. Afinal, a Rainha Santa não só esteve envolvida em
lutas acesas com o clero rico e instalado, como também fundou em
Alenquer as festas do Espírito Santo, em que o povo, a nobreza e a
corte se sentavam à mesma mesa, e os presos eram libertados.
Defende uma perspetiva da História próxima da Lenda. Porquê?
Não é possível fazer História como uma ciência, na medida em que a
reconstituição dos acontecimentos é sempre um entendimento posterior
relativo, conforme o ponto de vista daquele que observa ou estuda.
Neste sentido, a imaginação, a parábola, a alegoria, a poesia e o
romance histórico têm um papel muito importante na reconstituição
possível da História, nomeadamente de aspetos que os documentos ou a
re-elaboração histórica deixaram esquecidos.
Publicado por Rui Monteiro no blogue "Causa Monárquica"
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