«É certo que o PS ainda não é o partido da "formiga branca", as milícias
radicais que atemorizavam os adversários políticos nas ruas da Lisboa
da I República, mas nas suas tropas não faltam hooligans modernos, hoje
travestidos de bloguers anónimos que pontificam em sites como o Câmara
Corporativa e deixam o seu ódio e ameaças vertidas pelas caixas de
comentários da imprensa online. Sócrates também não teorizou, como
Afonso Costa fez em Santarém em Novembro de 1912, o assalto dos
militantes do partido aos lugares no Estado, mas os seus homens estão
por todo o lado, ocupando postos na administração e nas empresas
públicas, formando o grosso do exército fiel e dependente que foi
agarrar nas bandeirinhas de Portugal para a celebração de Matosinhos. Há
um século, os republicanos sabiam que nunca poderiam, em eleições
livres e abertas, ganhar uma maioria, pelo que trataram de fazer uma lei
eleitoral que fez diminuir o número de eleitores por comparação com os
tempos da Monarquia Constitucional. Hoje não é possível mudar as leis
eleitorais mas é possível afastar os eleitores das urnas. É por isso que
os socialistas, que sabem que não podem ganhar em circunstâncias
normais, tudo estão a fazer e tudo farão para que a 5 de Junho a
abstenção seja a mais elevada possível, única forma de alimentarem a
esperança que os votos do seu núcleo duro sejam suficientes. Já seguiram
a mesma táctica nas Presidenciais, e com sucesso, pois trata-se de um
recurso tão simples como rasteiro: fazer crer que são todos iguais
naquilo que os políticos têm de mau, isto é, na mentira, no compadrio e
no nepotismo. Criarão os casos que forem necessários não para provar que
Sócrates não é mentiroso, pois aí não teriam sucesso, mas para dar a
entender que todos os demais são igualmente mentirosos. Não podendo
fazer esquecer os casos da licenciatura, do Freeport, da Cova da Beira,
das casinhas na Guarda ou da casona na Rua Braamcamp, tentarão descobrir
uma qualquer Casa da Coelha ou um simples pionés desviado. Como os
republicanos de Afonso Costa, há muito que ao grupo de Sócrates lhe é
indiferente as regras democráticas ou o prestígio do regime. Pior: neste
momento interessa-lhes mesmo o desprestígio do regime e a descrença na
democracia. Frases de aliados, como as do bastonário da Ordem dos
Advogados, a pedir uma "greve à democracia", provam-no. Não temos hoje a
violência física dos carbonários ou da "formiga branca", mas
instalou-se um clima de violência moral alimentada por uma propaganda
insana e insulto fácil. Nas eleições de Junho de 1915, que consagraram a
ditadura dos "democráticos" de Afonso Costa, só votaram 280 mil dos
seis milhões de portugueses; nas eleições de 5 de Junho quantos menos
portugueses votarem (à semelhança do que se passou nas Presidenciais),
mais hipóteses tem o partido de Sócrates de sobreviver. E a verdade é
que o aumento irreal do número de indecisos nas sondagens que vão sendo
conhecidas - um aumento que contraria o que é habitual em semanas
pré-eleitorais - mostra que o estratagema pode estar a ser bem sucedido.
Sócrates não anda nos velhos carros eléctricos, e por isso não se verá
forçado a saltar por uma janela com medo do povo, como um dia sucedeu ao
também odiado Afonso Costa, mas tal como o seu remoto antecessor também
viu na instrumentalização de uma crise internacional a sua
oportunidade. O chefe republicano impôs a entrada, desnecessária, de
Portugal na I Guerra para assim conseguir a hegemonia definitiva dos
radicais entre os diferentes partidos republicanos, congeminando o
governo da União Sagrada; o caudilho socialista imaginou que de PEC em
PEC iria conseguir amarrar a oposição ao seu navio à deriva. Costa
reunia a "família republicana", Sócrates tratava de cumprir o sonho
mexicano do "partido indispensável" e irremovível do poder. Os custos
para o país dos delírios de Afonso Costa foram imensos - potenciados,
para mais, pelo clima de violência que marcou a I República. Os custos
para Portugal dos erros, da obstinação e do populismo de Sócrates já
estão a ser muito pesados - e verdadeiramente não se sabe se o país está
mesmo determinado a pôr-lhes fim. Até porque há em Portugal uma
preocupante menoridade democrática: em mais de 150 anos de eleições, só
uma vez um primeiro-ministro em funções foi derrotado. Aconteceu com
Santana Lopes, e por muito menos do que hoje deveria ser suficiente para
afastar Sócrates. Só que ele não liderava um partido com raízes
longínquas no republicanismo da propaganda. Mesmo assim, apesar de todas
as imensas diferenças entre as duas épocas, a simples permanência do
estado de bancarrota então e agora deve fazer-nos meditar sobre onde
desembocaram as manobras de Afonso Costa e seus seguidores.»
José Manuel Fernandes, Público
Fonte: Centenário da República
Sem comentários:
Enviar um comentário