Mantém-se preocupado com o presente e o futuro de Portugal?
—
A minha preocupação é sobretudo a médio e longo prazo, porque no curto
prazo as coisas vão-se resolvendo e remediando. Há muito tempo que não
definimos claramente quais são os objectivos nacionais e temos vindo a
ser governados por soluções de curto prazo. É da observação que faço
dessa realidade que digo: estou muito preocupado quanto ao futuro de
Portugal.
Quer dar exemplos de soluções governativas no imediato?
- Quando,
por exemplo, o Estado gasta grande parte dos nossos recursos em obras
de luxo de país rico enquanto continuamos a ter um nível de
desenvolvimento humano que é próximo de alguns países da América do Sul,
há qualquer coisa que está errada. Não podemos gastar como se fossemos
um país do «Primeiro Mundo» e ter uma formação, uma educação e um estilo
de vida próximo do «Terceiro Mundo». Ou seja, gastamos como ricos e
trabalhamos como os países pobres, de uma maneira desorganizada e com
falta de planificação.
Quais são os empreendimentos em que foram investidos dinheiros públicos que lhe merecem maiores críticas?
- A
Expo 98, o Centro Cultural de Belém, a Ponte Vasco da Gama, o número
exagerado de estádios de futebol do Euro 2004, isto já para não falar do
excesso de auto-estradas para um País tão pobre como o nosso. Estas
obras até podem ser boas em si, e úteis, mas não podiam ser consideradas
investimentos prioritários! Se são rentáveis, que sejam assumidos pela
iniciativa privada…Sou a favor das boas estradas que sirvam todas as
regiões do país e creio que o modelo das IP’s (Itinerários Principais) é
excelente para Portugal. Não vale a pena exagerar e despender dez vezes
mais a fazer auto-estradas em vez de IP’s. O mesmo se aplica ao modelo
de transporte ferroviário, que é muito mais adaptado a um país com
fracos recursos energéticos — como é o nosso — do que o modelo de
transporte rodoviário com camiões e automóveis, que tem sido encorajado.
Na altura propus que a Ponte Vasco da Gama ficasse em Alverca, onde
seria muito mais curta e faria com mais eficácia a ligação do Norte ao
Sul do país. O novo aeroporto intercontinental deveria ser uma adaptação
do que existe no Porto, pois a maior parte dos viajantes para as
Américas são originários do Norte e da Galiza. E o TGV só se justifica
se for de Lisboa para Madrid, as outras ligações durariam tempo demais
para serem concorrenciais com o avião. O tal aeroporto da Ota só teria
utilidade para os negócios imobiliários…
É critico da «política de betão» que tem sido seguida?
-
O modelo de desenvolvimento português é globalmente errado. E, em
consequência, temos seguido um rumo a favor do consumo e não a favor da
poupança e da produção. Há aqui uma questão educativa fundamental: os
nossos pais educavam-nos para a poupança e que ter dívidas a um banco ou
ao merceeiro era uma vergonha. Hoje assistimos à inversão desses
valores. Como disse alguém como muita graça: «se eu devo 100 contos ao
banco tenho um problema, se eu devo 100 mil contos, o banco é que tem um
problema.
«Ainda não aprendemos o que é a democracia»
Falta um projecto e um desígnio nacional?
- A
questão dos desígnios foi sempre central na motivação dos portugueses. A
dada altura, os nossos governantes acharam que o desígnio ultramarino
podia ser substituído pelo glorioso desígnio da construção europeia, só
que os portugueses viam o Ultramar como uma responsabilidade, uma missão
e vêm a União Europeia como uma fonte de subsídios.
Concorda com os que dizem que vivemos a maior crise em muitas décadas?
-
A crise é, sobretudo, dos valores morais que eram transmitidos pela
Família, pela Igreja, pela Escola e, inclusive, no Serviço Militar, que
estão a ser contestados e esquecidos. Os heróis da nossa época, não
apenas em Portugal, mas em toda a Europa, são os que conseguem atingir o
sucesso económico a qualquer preço.
Como é que se inverte esse modelo instalado?
- Só
se consegue combater se houver uma cultura familiar de
responsabilidade. Há uns anos a esta parte a cultura e os valores
espirituais deixaram de ser influenciados pela Escola, Família e Igreja,
e sofrem um forte condicionamento da televisão. O consumo televisivo em
certas famílias é excessivo e quanto mais horas de televisão vêem em
geral mais baixo é o nível cultural dessa família. Já para não falar dos
filhos que têm televisões nos quartos e os pais são impotentes para
controlar os programas a que eles assistem.
Defende regras mais severas para os operadores televisivos?
- Não
abre um canal de televisão quem quer, é preciso uma licença muito
difícil de obter. Considerando que os canais que emitem pela via
hertziana (públicos e privados) são licenciados pelo Estado, estes
deviam ser obrigados a cumprir o serviço público e a obedecer a regras
éticas.
Como é que se contorna o argumento dos privados que estão submetidos à lógica comercial ?
-
Os canais privados podem invocar que são comerciais e que tentam
maximizar os lucros do negócio, mas eles não podem estar a operar
somente para ganhar dinheiro à nossa custa, também têm que cumprir
regras e fornecer um serviço de qualidade e com regras. Qualidade ética ,
cívica e moral não precisa ser menos interessante e divertida…
É partidário da criação de uma entidade reguladora forte e independente?
- Claro,
como acontece em vários países, a começar pelos Estados Unidos, em que
existe uma entidade que pune severamente os que não cumprem a
regulamentação em vigor, nomeadamente no que diz respeito à emissão de
programas ofensivos moralmente. Pode levar, inclusive, à perda da
licença. Por exemplo é inadmissível anunciar filmes pornográficos à hora
em que as crianças estão diante do televisor, o que viola o disposto na
lei.
Os portugueses e o poder político ainda não despertaram para este debate?
-
O efeito pernicioso da televisão sobre a cultura e os valores das
crianças e dos jovens não é um debate de hoje e não é exclusivo do nosso
País. Não estou a dar nenhuma novidade. O problema é que em Portugal
muita gente ainda não percebeu a gravidade do assunto. Viver em
democracia tem vantagens e inconvenientes: numa ditadura há quem tome
conte de nós, enquanto na democracia temos de tomar conta de nós
próprios. Não podemos deixar que sejam os interesses comerciais das
televisões a ditar as regras. Os representantes políticos que elegemos é
que têm obrigação de responder em nosso nome. Os eleitores deviam votar
de acordo com os compromissos concretos que as listas concorrentes ao
Parlamento por cada distrito fazem.
Pensa que existe um défice de democracia representativa?
- Creio
que ainda não aprendemos o que é a democracia. A todos os níveis: desde
o povo, até aos próprios políticos. Achamos que a democracia é uma
técnica para a conquista e manutenção do poder e não percebemos que é a
representação dos eleitores. Por isso quando se vota não deve interessar
a etiqueta do partido. O que interessa é nas listas concorrentes saber
se as pessoas que concorrem no meu círculo eleitoral vão defender da
melhor forma os meus valores morais e o interesse da população.
Mas o que acontece é que os políticos de hoje não são propriamente um exemplo para a maioria da opinião pública...
Quando
os partidos políticos tomam decisões gravíssimas que estão relacionadas
com a questão da soberania nacional sem consultarem directamente o povo
português estão a exceder as suas competências. Não se podem assinar
acordos que põem termo à soberania portuguesa, sem que o povo claramente
perceba o que se está a passar e aprove. Isto foi defendido por um
numeroso grupo dos mais ilustres intelectuais portugueses recentemente.
Vamos
para as eleições, como para um campeonato de futebol. O clube do nosso
coração pode estar um desastre, o presidente pode estar sob suspeita,
mas nunca lhe voltamos as costas. É uma atitude que no desporto é
simpática e não vem mal ao mundo, mas em política é desastrosa. Se
continuo a votar no «clube» - neste caso o partido político - que joga
mal, o País é que perde.
Pensa que existe um equívoco na opinião pública que não consegue distinguir o partido do seu coração e o interesse nacional?
-
Exactamente. É preciso claramente identificar os partidos que de acordo
com os nossos ideais governam melhor e votar neles. Pensando bem o que
eu gostava de ver em Portugal era um Governo em que os melhores dos
vários partidos estivessem juntos a governar. Não seria utópico pegar no
que de melhor havia nos comunistas, nos socialistas, nos
social-democratas, nos democratas cristãos e formar um Executivo, mas é
evidente que isso ia estragar o chamado «jogo» partidário.
O «jogo» partidário inviabiliza o seu desejo?
- Creio
que temos de nos deixar de «jogos» partidários e pensar seriamente no
futuro de um País que efectivamente está em risco. Hoje em dia dá-se
mais importância às formas da democracia, do que propriamente ao seu
conteúdo. Na minha
opinião, o país mais democrático e mais bem governado da Europa é a
Suiça. Há mais de um século que não cai o Governo. A composição do
Executivo em termos de representantes das forças partidárias é que vai
mudando em função dos actos eleitorais.
Devíamos seguir o modelo suíço?
É
um modelo «sui-generis». Por exemplo, o Presidente da Suiça não fica no
cargo mais do que alguns meses, para não personalizar muito o cargo,
com a particularidade de ter que existir rotatividade entre os cantões. E
é eleito pelos membros do Concelho Federal (o Governo). Quando o povo
discorda dos governantes, recorre aos referendos, locais ou nacionais.
Identifica razões históricas e culturais para o aparente marasmo do sistema político a que chegámos?
Portugal
introduziu aproximadamente em 1834 a democracia partidária com a
revolução liberal, mas infelizmente nunca foi bem interpretada ou então
foi entendida como um jogo em que existem uns profissionais que se vão
revezando no poder. O conceito de democracia está adulterado e por isso é
que há os níveis de abstenção que sabemos e a indiferença em relação ao
Parlamento atinge uma dimensão grave. O que é uma apreciação injusta,
visto que a maioria dos deputados trabalha muito, desdobra-se em
comissões, etc. O Parlamento não pode funcionar nos actuais moldes e tem
que demonstrar à opinião pública que é útil. Defendo por exemplo que se
formem comissões de Educação, Saúde, sobre os incêndios florestais,
etc., sem serem nomeadas pelos partidos políticos, envolvendo deputados e
especialistas da sociedade civil. Seria extremamente produtivo para o
País.
Há
muito que se fala na reforma do sistema político, mas tem faltado
coragem para aprofundá-la. O que é que sugere em termos de
transformações na Assembleia da República?
- Eu
defendo que os deputados sejam eleitos por círculos uninominais — por
exemplo, Sintra, Mafra, etc. Podia haver uma segunda câmara parlamentar
(Senado), equivalente à Câmara dos Lordes em Inglaterra, em que o País
estivesse representado de outra maneira que não fosse necessariamente
pelos partidos.
Os
componentes de esse Senado seriam seleccionados por um processo de
nomeação mais complexo e nele teriam assento as personalidades mais
relevantes nas últimas décadas da vida política, como ex-PR’s, ex-PM’s,
representantes das igrejas, das Forças Armadas, dos sindicatos, etc.
Os
políticos têm estado na berlinda desde a publicação do artigo de Cavaco
Silva. Pensa que as culpas de tudo de mau que se passa em Portugal
devem ser assacadas apenas a estes agentes?
- Não
é justo apontar o dedo aos políticos e culpá-los pelos males do País,
mas é preciso começar por algum lado. Recordo-me que a classe política
aparentemente só despertou para o deficiente funcionamento da Justiça
quando os políticos começaram a ser presos.
De quem é a culpa?
-
A culpa é de quem fez as leis que regem a Justiça e não se deu ao
trabalho de as actualizar… A legislação do sector judicial é idealista, e
distanciada da realidade que vivemos. Neste caso era urgente pôr os
deputados a trabalhar e a fazer uma legislação como deve ser para
melhorar o funcionamento das instituições.
Se o funcionamento das instituições está limitado, presumo que considere que o acto de realizar Justiça está em risco?
-
Ninguém acredita na Justiça e o Estado de Direito em Portugal está
desacreditado, apesar da dedicação extraordinária de muitos juízes que
trabalham em condições desumanas. É particularmente injusto esperar
décadas para resolver um problema ou, pelo contrário, não ver nada
resolvido por prescrição de um processo.
O
caso da Casa Pia, para além de expor a crise da Justiça em toda a sua
dimensão, é o paradigma de uma sociedade ética e moralmente em
desagregação?
- Infelizmente
essas situações acontecem em todo o Mundo e em todas as épocas. Muita
gente sabia que isto se passava, mas durante décadas ignoraram o
assunto, com a gravidade adicional de se tratar de uma instituição do
Estado que devia proteger as crianças, mas que no fundo estava a ser
cúmplice na perversão e abuso dos menores. Na Suiça, há uns anos atrás,
três mulheres cujos filhos e filhas foram mortos por pedófilos,
levantaram um movimento nacional para pedirem um referendo que
determinasse a prisão perpétua para os agressores, contra a opinião de
todos os partidos políticos e imprensa. As queixosas ganharam por 75 por
cento a consulta popular e hoje existe a prisão perpétua na Suiça. O
referendo é um bom instrumento político para resolver problemas e evitar
a apatia que acontece noutros países.
«O País não acredita no regime em que vive»
Pensa que as consultas populares deviam ser mais frequentes em Portugal?
-
Quem não gosta de referendos, não gosta da democracia. Infelizmente,
muitos acham que é preferível deixar as regras do «jogo» entregues aos
profissionais da política...
Numa
altura em que o sistema republicano tem evidenciado debilidades, admite
que a Monarquia possa, num futuro próximo, ter a sua oportunidade?
-
Os reis de hoje na Europa, na Ásia e no resto do Mundo, são isentos
politicamente. Que me lembre nunca no século XX, na Europa, um Rei
exerceu um veto político contra um Governo. Essa atitude é privilégio de algumas repúblicas…
Por
outro lado, os presidentes podem ser pessoas dedicadas, inteligentes —
como felizmente têm sido e são os presidentes portugueses — mas são
geralmente pessoas que vieram de um partido e de uma carreira política, o
que torna muito difícil que de um dia para o outro deixem de ser o
militante político que sempre foram. É um esforço que não pode ser
exigido a ninguém. Na minha opinião, esta é uma das grandes fraquezas da
República.
Um Rei conseguiria manter a equidistância que os presidentes não têm logrado manter?
- Tem
sido sempre assim na Europa, pelo menos nos últimos 100 anos. O Rei,
estando fora da política, consegue criar um consenso em seu torno, e só
intervém influenciando discretamente ou em temas que são a defesa de
valores permanentes ou então quando acontece uma grande crise que afecte
a segurança nacional. O monarca, com o seu exemplo ao longo da vida,
contribui para a unidade nacional e para mobilizar os bons impulsos da
sociedade. No Japão, os americanos perceberam no rescaldo da II Guerra
mundial, que era indispensável o Imperador para poder reconstruir aquele
País e mantiveram-no lá, pese embora ser o líder inimigo por excelência
durante o conflito.
Que outros pontos fracos aponta ao sistema vigente?
Outra
das fraquezas é a imagem de instabilidade que a República transmite.
Falta fé no sistema republicano. O País não acredita no regime em que
vive. É a lógica do cada um por si, em detrimento do bem comum.
É uma instabilidade que está nos genes da República?
O
problema hoje consiste em possuir instituições democráticas e judiciais
que efectivamente respeitem os direitos, as liberdades e as garantias. E
um Rei tem geralmente mais sensibilidade e independência…
Estou
convencido de que um Rei defende melhor a República do que qualquer
Presidente, como disse recentemente o Primeiro Ministro da Holanda. A
realidade diz-nos que um monarca tem mais possibilidades de contribuir
para o bom funcionamento das instituições da República, que revelam
maior instabilidade quando não há um Rei. Se é assim é toda a parte,
porque que é que cá não deveria ser? Quanto à minha posição pessoal, é
indiscutivelmente muito mais confortável estar na minha situação actual
do que assumir essas responsabilidades…
Mas, tal como os políticos, não há monarcas incompetentes?
Também
os houve e haverá. Mas por exemplo na Europa do século que acabou
dificilmente se consegue encontrar um mau rei, enquanto se encontram
facilmente presidentes pouco recomendáveis…
Holanda,
Bélgica, Reino Unido, Luxemburgo, os países escandinavos e a Espanha,
são países onde a monarquia se implantou com sucesso.
O
caso do Rei Dom Juan Carlos é muito delicado. Ele é Rei de várias
nações que não se entendem. No fundo, o Rei de Espanha é o único factor
de união no «país vizinho», da mesma forma que o é o Rei da Bélgica: os
belgas dizem com graça que só há um belga, que é o Rei, porque, como se
sabe, os outros são flamengos e valões.
A consulta popular seria a via a seguir para saber da receptividade dos portugueses à monarquia?
- Não
é um tema dramático, mas deve ser tratado com calma e ponderação. Há
vários caminhos: uma decisão parlamentar, a reforma da Constituição,
etc. Há um parágrafo na Lei Fundamental que é completamente
antidemocrático, que é o artigo 288, que diz ser «inalterável a forma
republicana de Governo». Foi proposto pelas reais associações
portuguesas a alteração desse estatuto para «é inalterável a forma
democrática de Governo». A proposta da maioria parlamentar o ano passado
era que se banisse o referido artigo e foi aprovada pela maioria dos
deputados. Só faltaram 22 votos para ter os dois terços do Parlamento e
ser aprovado. O que significa que esta cláusula, que impede o povo
português de se pronunciar, é completamente inaceitável.
«Futebol profissional não devia ser subsidiado»
Que receita advoga para inverter a lógica medíocre e facilitista que campeia na nossa sociedade?
- A
começar pela Educação. Globalmente todo o sistema escolar e educativo
está errado. As pessoas que fazem os programas escolares têm com
principal objectivo preparar o acesso à universidade... Esta fixação
pelo acesso à faculdade é profundamente injusta do ponto de vista
social, quando é sabido que a maioria não poderá nunca entrar no Ensino
Superior. A lógica de querer formar massivamente doutores é própria do
Terceiro Mundo.
A proliferação dos cursos devia ser alvo de debate?
- A
Educação em Portugal anda ao sabor das modas. A dada altura toda a
gente tinha que ir para gestor, porque pensavam que seriam gerentes de
bancos ou grandes empresários. Agora todos querem ser jornalistas, os
heróis da nossa época. Constata-se que depois do curso tirado, os
gestores vão para outras áreas, há jornalistas que por o mercado estar
saturado vão para taxistas, etc. Estamos a formar pessoas para o
sub-emprego.
Devia haver uma maior aposta no ensino técnico-profissional?
- Claro,
temos o mais baixo índice de formação profissional da Europa o que
determina que a rentabilidade laboral , os salários e as reformas sejam
das mais baixas e, consequentemente, o nível de pobreza ser dos piores
da União Europeia. Os erros vêm de trás. Durante os primeiros anos da
nossa adesão europeia o dinheiro foi gasto em obras públicas sumptuosas
em vez de se ter investido na formação humana. Agora, bastante tarde, é
que dizem que devíamos seguir o modelo irlandês. Isso era óbvio na
década de 80., lembro-me de discutir esse assunto com os governantes da
época. Mas em vão.
É uma cultura laxista e que incentiva a mediocridade?
- Laxista
por um lado e por outro de clube, onde há uma espécie de «nomenclatura»
que se apoia mutuamente. A sociedade portuguesa está demasiadamente
parecida com a imagem do futebol.
Está contra o negócio de milhões que o futebol gera?
É
politicamente incorrecto dizer, mas não concordo que o futebol seja
profissional. Penso que o desporto devia ser preferencialmente amador,
porque é uma actividade para fazer bem à saúde e não para servir de
circo. Mas sei que estou a ser utópico. Mas não devia ser encorajado e
subsidiado pelo Estado à custa do dinheiro dos nossos impostos e
descurando as outras modalidades desportivas. Se é um negócio, que seja
rentável e pague impostos!
-
Os exemplos são vários: ainda recentemente ouvimos um ministro a tentar
pôr na ordem os clubes quanto ao cumprimento de dívidas fiscais e logo
«aqui d’el rei»; quando um presidente de câmara não quer ir a um jogo de
futebol é considerado um «traidor», etc. O «reaportuguesamento» de
Portugal.
A identidade portuguesa está a desvanecer-se?
-
Dou um exemplo: estamos todos muito preocupados com a globalização
cultural e o lugar da nossa identidade, mas a doutrina oficial do
Estado, das câmaras e das universidades, é que em arquitectura deve ser
tudo uniformizado. Não pode haver uma arquitectura minhota ou lisboeta,
por exemplo. As câmaras tentam frequentemente impedir que se faça uma
arquitectura regional ou que respeite a nossa cultura e tradição
histórica. Trata-se de um contra-senso, pois é um dos traços mais
importantes para identificar um Povo.
Eu
defendo que prestemos atenção ao movimento integralista dos princípios
do século XX que defendeu o «reaportuguesamento» de Portugal, com
especial ênfase na Arquitectura. Os povos que cultivam os seus próprios
valores culturais têm muito mais auto-estima do que os povos que se
desprezam a si próprios e que querem copiar tudo lá de fora. Saiu agora o
livro «Filhos de Ramires», que é um excelente estudo desse movimento
político e filosófico que marcou Portugal e tem sido muito deturpado.
Estamos a negligenciar os nossos valores?
-
Sem dúvida. Aqui só se mostra a bandeira portuguesa quando há um
campeonato de futebol… Muitos portugueses já baniram a palavra pátria do
seu vocabulário.
Está na moda ser anti-patriota?
- Tem
estado, exceptuando no último Euro 2004. Durante a Segunda República o
ser patriota era associado ao “fascismo”. Depois manteve-se esse rótulo,
até hoje.
Concorda
com o historiador José Hermano Saraiva que diz «não compreender porque é
que se fala tanto em liberdade e tão pouco em independência»?
-
Concordo. Sem independência não há verdadeira liberdade. Se essa
circunstância acontecer, são os povos mais fortes, mais ricos e mais
poderosos que vão controlar a Europa e dominar os países mais pequenos —
onde se inclui Portugal e cujos valores e interesses seriam
subordinados e negligenciáveis.
O Tratado Constitucional europeu potencia essa ameaça?
Para
começar o documento ignorou os valores espirituais do cristianismo o
que é um muito mau sinal sobre as verdadeiras intenções de quem está a
promover a constituição europeia.
Poderiam ao menos fazer uma invocação a Deus, o que seria bem aceite também por muçulmanos e judeus.
O processo de construção europeia está a cercear a nossa soberania?
- Portugal está numa encruzilhada. A
U.E. tem sido até à data, uma união de estados europeus na defesa dos
seus interesses comuns. Neste momento permanece uma incógnita: ou
continuamos uma União ou passamos a ser uma República Federal Europeia
em que os pequenos estados serão negligenciáveis. No Tratado há uma
vontade de tudo regulamentar e normalizar, até às colheres de pau. Se
ficarmos por aqui não é trágico, o mesmo já não se pode dizer se nos
impuserem, por exemplo, a obrigação de aceitar a liberdade do aborto e
da eutanásia, ou outros pontos de ordem moral e espiritual.
É favorável ao voto «não» no referendo?
Ainda
não tenho um opinião clara, e não tenciono exprimir a minha opção em
público. No entanto, votar «não», não é votar contra o projecto europeu,
é um voto favorável à actual União Europeia. Eu vi um lema que diz
«Europa sim, mas não assim». Indigna-me a atitude de alguns responsáveis
políticos europeus, que quase nos coagem moralmente a votar «sim», sob
pena de sermos tratados como «criminosos» contra a Europa dizendo que a
vitória do «não» seria algo de catastrófico. As últimas sondagens em
Inglaterra dão uma larga vantagem ao não.
Os políticos estão interessados em esclarecer os portugueses?
- Tenho
ouvido políticos a afirmar que são a favor da federação europeia, mas
em surdina dizem que não convém falar disso hoje, para não assustar as
pessoas.
O alargamento da Europa a 25 e a expansão para Leste penaliza-nos?
- Cria
novos desafios e não sei se estamos preparados para os enfrentar. Mas
porque é que só pensamos na cooperação com a Espanha? Portugal e Espanha
podem aliar-se em assuntos específicos, mas têm interesses
contraditórios. Penso que seria vantajoso ter uma cooperação política e
económica com os pequenos e médios países da U.E. com muitos problemas
semelhantes aos nossos. Já uma aliança com a Galiza eu veria com bons olhos... «Já não somos auto-suficientes»
Como é que observa o expansionismo económico castelhano em Portugal?
-
Há situações graves. Quando uma empresa espanhola compra uma empresa
portuguesa, muitas vezes não é para dinamizá-la, mas é para a fechar e
aproveitar os mercados que essa empresa tem para exportar produtos
espanhóis. Quando faço compras tenho muita dificuldade em distinguir o
que é feito em Portugal e em Espanha...
Quando
os governos abrem as fronteiras de uma forma imoral a produtos de
terceiros países — sem contrapartidas para a nossa economia, só para
beneficiar as grandes multinacionais — a reacção devia ser concertada, a
começar pelos sindicatos a nível europeu, na defesa do emprego no
«velho continente».
Concorda com o sociólogo António Barreto que prognosticou o desaparecimento de Portugal?
- O
desaparecimento de Portugal pode acontecer por vários motivos. Primeiro
por deixarmos de ter qualquer tipo de soberania e as nossas decisões
serem tomadas lá fora, até perdermos a nossa identidade e cultura
própria. Tenho fé na capacidade de reacção nacional à adversidade, o
pior é que só reagimos à beira do abismo. Estamos a dar cabo da nossa
produção agrícola e o mesmo está a acontecer com as pescas. Já pensou o
que é que acontecerá se houver uma grave crise internacional e não
entrarem mais cereais da América do Sul e do Norte? Vamos passar fome.
Sem instituições fortes, acontecerão os saques, as pilhagens, o caos
social. Até que venha um ditador que tome conta de nós e termine o ciclo
democrático.
Portugal poderá deixar de ser um País auto-suficiente?
- Já
não somos. Com o défice da nossa balança comercial e com a destruição
da nossa capacidade produtiva corremos um risco geo-estratégico
gravíssimo. Para além disso, estamos a comprometer o nosso futuro ao
deixar proliferar uma construção urbana desenfreada nas melhores terras
agrícolas. Esta nossa tentação de mexermos com a natureza
irresponsavelmente pode comprometer seriamente o nosso futuro.
Por
outro lado as obras na «Baixa Pombalina» são um desses exemplos — foi
de uma extraordinária irresponsabilidade fazer o túnel do metro do
Terreiro do Paço e deixarem abrir caves por baixo dos prédios. Qualquer
dia começam a cair os prédios da Baixa Pombalina por apodrecimento dos
pilares de madeira que os sustentam.
Admite um novo referendo ao aborto e à regionalização em Portugal?
- O
aborto não certamente até porque o direito à vida não deve ser
referendado. Não é legitimo fazer uma nova consulta popular. Os partidos
deviam definir-se claramente antes das eleições sobre esse assunto.
Quanto à regionalização não vejo mal que seja referendada, pois as
circunstancias podem mudar. Mas o modelo proposto creio que seria muito
caro, havendo o risco de retalhar um País tão pequeno e multiplicar o
número de cargos políticos que teriam de ser pagos.
Algumas
opções políticas de Zapatero estão a ser muito contestadas em Espanha e
no Vaticano. Como veria a legalização dos casamentos homossexuais em
Portugal?
- Ninguém
impede dois homens ou duas mulheres de fazerem a vida juntos. O único
entrave é de natureza moral, dependendo das convicções de cada um. Agora
considerar uma união de facto como um casamento é, em certa medida,
adulterar a ideia do matrimónio. Associado ao conceito de casamento
estão os filhos.
O casamento foi criado e legislado para a protecção dos filhos que dele nascerão.
Tem
demonstrado publicamente que não aprecia a obra de dois portugueses com
êxito internacional, José Saramago e Paula Rêgo. Porquê?
- Saramago
tem todo o direito de escrever como o faz, mas confesso que não aprecio
o estilo. Mas isso não tem importância. Ele ter tido bons tradutores
para o Sueco, língua do júri do Prémio Nobel…. Grave é ter escrito no
«Evangelho» que Cristo é filho de uma aventura de Maria com um soldado
romano. Trata-se de um insulto para os cristãos do mundo — inclusive o
Estado de Israel e alguns países muçulmanos proibiram a venda do livro.
A
pintura de Paula Rêgo tem a qualidade de alguns bons autores de banda
desenhada que tenho lido. Aceito que haja quem goste, provavelmente eu é
que não percebo. Mas confesso que me incomodam os quadros provocatórios
e insultuosos para com a Virgem Maria. Para os cristãos ela é a nossa
Mãe, e não admitiríamos que tratassem assim a nossa Mãe terrestre!
(In O Diabo, 1 de Fevereiro de 2005)
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