Durante
décadas aprendeu a renegar tudo aquilo em que acreditava, almejando
substituir aquele que fora o seu mentor. Governou Portugal, não teve
coragem e não conseguiu uma transição como aquela que anos mais tarde se
verificaria em Espanha. Por vezes intrigando e noutras procurando
dramatizar, frequentemente minimizou os problemas da guerra e do
desenvolvimento. Partiu para jamais voltar, vivo ou morto. Deixou bem
expressa a sua vontade: voltar para Portugal? Nunca! Este português de
nascimento foi Marcelo Caetano. Hoje o seu legado é palpável, pois o
actual regime rotativo, é dominado pelos herdeiros que deixou em todos
os postos relevantes do poder. A ANP é um resumo do PS e do PSD.
D.
Maria Pia de Sabóia foi Rainha e chegando a este país na adolescência,
aqui para sempre quis ficar. Sem a vontade ou a capacidade introspectiva
daquela que seria a sua nora, conseguiu concitar a quase unanimidade do
país, rendido ao seu sentido do dever e tão importante quanto a
obrigação, à forma como soube praticar o seu ofício. Não foi dada a
actos cuidadosamente ponderados e que visavam o futuro e o bem comum e
em contraste com D. Amélia de Orleães, amava a etiqueta, os grandes
actos públicos, possuindo aquele sentido de oportunidade que aqueles
poderiam significar. Nos actos públicos, por vezes tornava-se numa
expontânea e o povo amava-a por isso mesmo. Não se tratava da mera
vaidade pessoal de quem se vira alçada a uma posição de discutível
vantagem, sendo Portugal um país de escassos recursos e onde a
estabilidade política era sempre posta em causa pelas paixões
partidárias e efabulações de uma grandeza que não voltou. A Rainha
talvez possa ser considerada como alguém que compreendeu a necessidade
de uma proximidade com a população, sendo esta receptiva a demonstrações
de atenção que de outra forma jamais chegariam. Passando o óbvio
anacronismo, D. Maria Pia foi uma Rainha moderna nas relações públicas
do Estado e hoje não estranharíamos a sua visibilidade e o cuidado que
punha nas suas aparições públicas. Desde o estudar de tons da
indumentária e as manifestações de respeito e deferência para com os
mais humildes, até ao preciso local onde se ajoelharia em acção de
graças - num momento cronometrado ao segundo e que conseguia um
"inesperado" raio de sol que rasgava os vitrais e lhe iluminava a ruiva
cabeleira -, a Rainha parece ter compreendido a psicologia das
multidões. Será desnecessário mencionar as bem conhecidas obras de
benemerência, o bom gosto que deixou nas residências onde viveu, ou o
seu apego aos preceitos constitucionais que um dia a levariam a
desabridamente enfrentar um espantado e prepotente marechal Saldanha.
D.
Maria Pia quis ser portuguesa e soube sê-lo. No seu retrato oficial
dispensou jóias e apenas se embelezou com as cores nacionais,
bastando-lhe isso para mostrar quem era. Ao contrário de Marcelo
Caetano, não intrigou para derrubar potenciais adversários, não enviou
rapazes para a guerra, não mentiu e não quis fugir. Mais importante
ainda, na hora da morte pediu que o seu leito fosse deslocado, de modo a
que o seu derradeiro olhar partisse em direcção à sua pátria adoptiva, o
distante Portugal.
Passam cem anos desde a sua morte. Exige-se
uma reparação à mulher que não culpou o país pelo assassinato do filho e
do neto, pelos enxovalhos a que a baixa política panfletária submeteu o
marido e a ela própria. A 5 de Outubro de 1910, perguntava espantada
porque razão partia, sabendo que em Portugal estaria segura, acontecesse
o que acontecesse. Conhecia a população que aprendera a ver naquela
Rainha uma grandeza passada e teve aquele sentido do servir que após a
sua presença no pináculo do Estado, apenas a sua nora conseguiu durante
algumas décadas manter incólume.
Não bastará uma simples e
discreta trasladação à "maneira da 2ª República". Exige-se mais, pois
tratar-se-á da justiça reparadora. O regresso da rainha D. Maria Pia a
Portugal, deverá ser um grande momento de reconciliação dos portugueses
consigo próprios, no exemplo da soberana que tendo nascido estrangeira,
soube ser mais patriota que muitas consideradas luminárias de tempos
passados e do presente. Como em todos os momento difíceis, quer-se
grandeza e o sentido da plena compreensão da nossa História. Apenas
isso.
Amanhã, 5 de Julho de 2011, será um dia de reparação.
Em S. Vicente de Fora, naquele lugar onde um dia será definitivamente
recolhida, reunir-se-ão aqueles que não querem nem podem esquecer. Nesta
hora de todas as ameaças, o exemplo de D. Maria Pia serve de lição.
Saibamos merecê-la.
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