(A propósito dos últimos dias do cerco do Porto)
Quem, despido de
ódios e paixões politicas, pára a meditar n'este instante, olhando o que
vae seguir-se, é forçado a sympathisar com esse príncipe infeliz, tão
odiado e tão digno, tão nobremente caído depois de luctar até ao fim,
tão raramente exilado n'uma penúria absoluta: a sympathisar, repetimos,
com esse principe que, por uma excepção talvez única, não poz dinheiro
nos bancos para o caso da retirada forçada, e teve de viver das esmolas
que de Portugal lhe mandaram os seus partidários e amigos. Se a dynastia
de Aviz terminou heroicamente, a de Bragança teve em D. Miguel um typo
de honradez simples. Os dois príncipes mais desditosos — accaso por isso
os que o povo mais amou! personalisaram as duas melhores faces do
caracter nacional.
Levou de
Portugal a roupa que tinha vestida: entregou tudo, quando partiu para o
desterro. A convenção expulsava-o, prohibia-lhe voltar ao reino, e
dava-lhe a pensão annual de sessenta contos, clausula que punha o cumulo
ao desespero dos liberaes vencedores. Quando desembarcou em Génova e se
achou livre dos graves deveres contrahidos perante um exercito vencido e
solidário do seu destino, D. Miguel protestou contra o que fizera,
recusou um dinheiro que seria como o de Judas, proclamou os seus
direitos, contra a força a que tivera de submetter-se. Accusaram-no
então de felonia, chamando-lhe nomes descarados na lei que as côrtes
votaram. Pobre de quem não admittir que nenhum caracter nobre deixaria
de proceder n'esse momento como procedeu D. Miguel!
in Portugal Contemporâneo L. III. —IV – 2 e 5
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