O presidente da República criticou publicamente o projecto de Orçamento de
Estado que foi entregue no Parlamento, onde deverá ser discutido e votado. Ora,
se o OGE ainda não foi aprovado, e se o PR não está de acordo com a proposta,
teria sido porventura mais útil que as suas críticas fossem comunicadas no
recato dos gabinetes. E se nessa hipótese o PR viesse a discordar da versão
final, por entender violado um princípio básico de equidade fiscal, teria então
a possibilidade de exercer o seu veto político e de se justificar publicamente.
É claro que o presidente se refugia na teoria de que só tem o poder da
palavra, e não ousará, por isso, exercer esses seus poderes constitucionais. É
mais fácil para o seu ego, sobre o qual Pulido Valente escreveu uma excelente
crónica, tecer críticas e nada fazer, tanto mais que sabe que, no actual
contexto internacional, o veto do OGE levaria o país à bancarrota imediata, do
que tomar medidas e actuar. No entanto, ao falar, e ao falar neste contexto,
tirou o tapete ao Governo e complicou a vida ao PS que hesitava sobre a posição
a tomar e que deixou de ter espaço de manobra para votar favoravelmente a
proposta do Governo.
Para além da questão formal, Cavaco Silva é um conhecedor da matéria, está
informado sobre a situação das contas públicas e sabe das dificuldades com que o
Governo se confronta para garantir as metas impostas pela troika. Dir-se-á, em
abono da verdade, que o memorando não impõe cortes nos subsídios da função
pública, mas sabe-se que exige metas orçamentais que não serão cumpridas se não
forem tomadas medidas drásticas do lado da despesa do Estado, onde os gastos
salariais representam a grande fatia do bolo. Aliás, Cavaco alinhou pelo coro
dos que diziam que o Governo devia actuar do lado da despesa, não se entendendo
agora o seu aparente espanto quando o Governo o faz exactamente desse modo. Mas,
a sua incongruência não se fica por aqui. Em matéria de responsabilidade
pessoal, Cavaco teve culpa. Criou as carreiras, acabou com a agricultura, cobriu
o país de cimento. Enquanto PR, não travou as políticas do anterior Governo que
agravaram a situação. Quando os funcionários públicos foram aumentados enquanto
as contas públicas patinavam e o sector privado vivia horas de aflição, onde
estava ele com as suas preocupações sobre equidade? Lavar as mãos pode agradar
ao séquito de fiéis seguidores e entusiasmar os seus inúmeros assessores, mas é
um jogo perigoso para Portugal, porque instala na população a falsa sensação de
que o PR inviabilizará as medidas mais gravosas que nos são impostas pela
conjuntura e, pior do que isso, que elas são desnecessárias ou que decorrem de
uma opção política do Governo, quando o próprio sabe que resultam de uma
necessidade premente e de uma situação de emergência.
Por muito que custe, o Estado não pode continuar a consumir a riqueza que não
existe. No sector privado, o ajustamento tem sido feito à custa de falências das
empresas, de cortes no investimento, de muitos sacrifícios, da perda de emprego
de muitos trabalhadores que também nada fizeram para que isso sucedesse. A haver
um problema de equidade, têm sido estes, os trabalhadores do sector privado, os
mais fustigados pela crise. Ora, se o Estado está em falência técnica, o
reajustamento da sua estrutura de custos é inevitável, por muito que isso
implique medidas que parecem injustas (e que muitas vezes o são do ponto de
vista individual) e causam sofrimento aos seus trabalhadores que acreditavam que
os seus direitos eram inalienáveis.
Em tempo de guerra, e a situação assemelha-se a esse cenário, numa altura em
que a esmagadora maioria dos portugueses vive tempos difíceis e se interroga
sobre o futuro mas vai aceitando a sua quota-parte nos sacrifícios, em que
estamos submetidos a um ultimato que condiciona o rumo da governação, em que o
Governo não hesita em comprometer a sua popularidade para cumprir com as metas
quase impossíveis que nos são impostas, a actuação calculista do PR configura
falta de sentido de Estado e é, por isso, lastimável.
Rui Moreira Membro do Conselho Superior da Causa Real
JN - 23 de Outubro de 2011
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sábado, 29 de outubro de 2011
LAVAR AS MÃOS
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