Nunca, em Portugal, se falou tanto em
república. Pelo menos desde Outubro de 1910. Fala-se no regime, porque o
regime paga. É justo. A propaganda ideológica refinou-se ao longo do
século XIX, definiu a ascensão dos grandes e mortíferos regimes do
século XX e é usada no século XXI para distrair dos problemas
económicos e sociais. Enquanto se alimenta o mito do regime igualitário
e fraterno, mina-se a liberdade amordaçada entre acrisia e
conformismo. Salazar e António Ferro sabiam-no bem e, nesse aspecto, as
comemorações do Centenário da República são herdeiras directas dos
grandes festejos de 1940 sobre a Nação e o novo regime.
Muito antes de Cromwell e da Revolução Francesa, muito antes do marxismo modelar a ideia de república como o melhor de todos os regimes, já república constituía a designação para a coisa pública. Não a coisa do povo, - essa entidade abstracta onde todos se incluem e onde ninguém deseja incluir-se-, mas a gestão do lugar público. Nas praças e nos caminhos, onde sempre se decidiram os desígnios comunais, fazia-se política. Com a Revolução e o Liberalismo a política passou a fazer-se em casas parlamentares e as eleições que dantes se realizavam inter pares, hoje fazem-se intra grupos. A política deixou de ser para todos. Estava porém aberto o caminho para que a ideia de república se transformasse no ideal que é hoje: o de um suposto absoluto nivelamento e igualdade entre cidadãos (mas só entre os que fazem política).
O republicanismo português, que se aproveitou da ignorância e do analfabetismo grassante em 1910, construiu-se sobre a noção de que qualquer pessoa podia tornar-se chefe de estado, contrariando a ideia de que aquele lugar pertencia a uma família de priviligiados. Nunca conseguiu explicar, contudo, que apenas mudavam os privilegiados e não os privilégios.
Muito antes de Cromwell e da Revolução Francesa, muito antes do marxismo modelar a ideia de república como o melhor de todos os regimes, já república constituía a designação para a coisa pública. Não a coisa do povo, - essa entidade abstracta onde todos se incluem e onde ninguém deseja incluir-se-, mas a gestão do lugar público. Nas praças e nos caminhos, onde sempre se decidiram os desígnios comunais, fazia-se política. Com a Revolução e o Liberalismo a política passou a fazer-se em casas parlamentares e as eleições que dantes se realizavam inter pares, hoje fazem-se intra grupos. A política deixou de ser para todos. Estava porém aberto o caminho para que a ideia de república se transformasse no ideal que é hoje: o de um suposto absoluto nivelamento e igualdade entre cidadãos (mas só entre os que fazem política).
O republicanismo português, que se aproveitou da ignorância e do analfabetismo grassante em 1910, construiu-se sobre a noção de que qualquer pessoa podia tornar-se chefe de estado, contrariando a ideia de que aquele lugar pertencia a uma família de priviligiados. Nunca conseguiu explicar, contudo, que apenas mudavam os privilegiados e não os privilégios.
Por exemplo: anteontem o DN mostrava, em parangonas, que a Madeira
estava na mão de seis ou sete famílias. Devia ter corrigido o título no
dia seguinte: todo país está na mão de várias famílias, sejam elas
políticas, financeiras, ideológicas: os Soares, os Pintos de Sousa, os
Azevedos, etc. O poder não se alcança individualmente e a cartilha
republicana explica-o bem. Manuel Arriaga, apenas se sentou na cadeira
presidencial chamou para seu assessor o filho. E mesmo a nível
ministerial, Afonso Costa inaugurou o que hoje conhecemos bem pelo
termo jobs for the boys: toda a sua família ocupava lugares da nova república.
Por isso, a ideia de que a república assenta na justiça igualitária de
que qualquer um pode ser chefe de estado e de que não existem famílias
priveligiadas não é verdadeira. Nunca, em nenhum tempo, um presidente
da república foi eleito por sufrágio universal, sem ter qualquer
ligação a partidos ou sindicatos ou sem ter auferido do apoio do
exército num qualquer putch. Nunca um chefe de estado não deixou de ter
de prestar contas aos grupos económicos que lhe pagaram a campanha e,
literalmente, lhe compraram o lugar.
No que a república devia insistir, isso sim, não na figura do chefe de
estado (que no caso português não passa de uma triste figura caduca e
senil que corta fitas), mas na ideia de que todos, pelo mérito, devem
ter a possibilidade de aceder a QUALQUER cargo público. E sobre
isto eu não vejo ninguém a falar, nem à Esquerda, nem à Direita. Talvez
porque o poder republicano só existe enquanto os partidos políticos o
quiserem, uma vez que também não existem sem ele. E que tudo no regime
republicano é alheio à vontade dos cidadãos.
Talvez um dia a nossa jovem democracia perceba o valor e o significado
da ideia de que a república não é uma estrutura vertical, mas
horizontal e que o chefe de estado, nesta engrenagem, é a peça que menos
importa. Que quando antigamente se falava em res publica,
era para designar todos (cidadãos e pagãos) e não apenas partes
(partidos). E finalmente ponha de lado a inveja primária que
caracteriza aqueles que acham que a república é o mais justo dos
regimes.
Fonte: Obliviário
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