“Em Portugal cada um quer tudo e quando os homens são de tal
condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera
contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos
sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e
são mais os queixosos, que os contentes. Porquê? Porque cada um quer
tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com
uma mercê, perdem-se muitos. Se Cleofas fora português, mais se havia
de ofender da a metade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se
havia de obrigar da outra metade, que lhe deu a ele. Porque como cada um
presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros,
cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa
coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro
empenho.
(…)
Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de
Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações
estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e
muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos
vassalos com satisfação deles, foi impossível, que nenhum rei pôde
acomodar, nem com facilidade, nem com felicidade jamais. Mais fácil era
antigamente conquistar dez reinos na Índia, que repartir duas comendas
em Portugal. Isto foi, e isto há-de ser sempre: e esta, na minha
opinião, é a maior dificuldade que tem o governo do nosso reino.”
Padre António Vieira, in ‘Sermões’
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