O
jovem rei é bom amigo do escritor romântico e historiador Alexandre
Herculano, a mais perfeita e honesta figura do liberalismo português.
Tal como Alexandre Herculano, D. Pedro V é um intelectual que entende a
história através da dialéctica da profecia demoliberal; para ele, a
história reduz-se ao conflito entre "o povo" ávido da liberdade
apregoada por Victor Hugo e "a tirania" dos reaccionários (jesuítas,
reis, nobres). Herculano desempenhou igualmente um importante papel nos
acontecimentos em curso, mas a dada altura, inesperadamente, retirou-se
da vida política, abandonou por completo as preocupações literárias,
interrompeu a redacção da grande História de Portugal que tinha
iniciado, para se esconder numa quinta, solitário, sem nunca mais tocar
numa caneta, dedicando-se exclusivamente à agricultura, durante dez
anos, até à data da sua morte. É impressionante e sugestivo este
regresso total de Herculano à terra. Podia-se nele desvendar, não apenas
o desgosto de uma pessoa honesta para com a detestável vida pública,
mas também o melancólico despertar do paraíso artificial das suas
teorias políticas. Talvez Herculano tenha percebido que a história de
Portugal, como qualquer história de uma nação viva e criadora, é bem
diferente do conflito entre abstracções, que a vida e a grandeza das
nações têm as suas raízes noutro lugar que não o "Contrato Social" e a
moral kantiana. É, em todo o caso, um exemplo rico em significados
ocultos a clausura desse grande historiador e político numa quinta onde
irá passar o resto da sua vida, dedicando-se às coisas vivas e férteis,
esforçando-se por reencontrar-se e reintegrar-se na antiga comunidade
portuguesa.
Mircea Eliade in Salazar e a Revolução em Portugal.
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