Na
década de oitenta, numa altura em que o possível aumento dos
vencimentos do funcionalismo público foi congelado, teve início no
Parlamento uma dramática e insólita discussão sobre os vencimentos dos
senhores deputados, que talvez até nem ganhassem por aí além, tendo em
conta o que se passava noutras assembleias legislativas da Europa, mas
que chocou qualquer cidadão sensato, atendendo às restrições já
referidas e então recentemente impostas aos empregados públicos. A
proposta da possível subida dos vencimentos dos deputados, era para mim
uma autêntica Pedra de Escândalo que iria denegrir a Assembleia da
República e a própria Democracia. Como é que os deputados pretendiam ter
um aumento dos seus vencimentos, quando os funcionários públicos tinham
levado um rotundo não às suas pretensões de subida salarial? Na
verdade, bem lá no fundo, não queriam ver uma situação que entrava pelos
olhos dentro, até de um ceguinho? O problema foi discutido a nível de
grupos partidários e lembro-me bem das violentas intervenções de Francisco Sousa
Tavares, que eu secundei firmemente. A verdade é que nada se ganhou com
essa atitude. Estivemos baldadamente a gastar a prosa e o latim. Claro
que a oposição ia votar contra, já se sabia, mas apenas por uma questão
de estratégia política, o que era visível a olho nu, pois revelavam
sobejamente o desejo da alteração dos seus vencimentos para um escalão
superior, rezando a todos os santinhos da corte celestial a aprovação da
subida dos vencimentos, pois então! Chegaram mesmo a enviar às amizades
da bancada da maioria sugestões para os deputados terem um subsídio
para o telefone da residência e ajudas na aquisição de viaturas
automóveis. Tal comportamento foi o suficiente para a maioria,
confrontada com a não concordância de meia dúzia dentro das próprias
fileiras, nos declarar o sem razão da nossa posição fundamentalista. No
seu raciocínio interesseiro, nem os elementos da oposição nos davam
razão..!. Simplesmente, não importava a opinião da maior parte da
oposição da altura, que no íntimo queria o aumento, custasse o que
custasse. Importava sim o que pensava a opinião pública e,
principalmente, as pessoas que em nós tinham votado. Mas, nada
conseguimos por mais que gesticulássemos. A proposta de subida dos
nossos vencimentos ia ser votada afirmativamente. Para não colaborar
naquela infâmia, na minha modesta perspectiva, durante a votação saí do
plenário, o mesmo fazendo outros deputados que com Sousa Tavares e com a
minha pessoa se tinham oposto à subida. No fim-de-semana seguinte,
andei fugido do contacto público. Não tinha cara para enfrentar o
cidadão anónimo. Era uma questão de pudor de que me não conseguia
libertar. Na verdade, a opinião pública e a crítica feita ao Parlamento,
de todos os quadrantes políticos, foi arrasadora. Nessa altura cheguei à
claríssima conclusão que não estava positivamente no meio de cavaleiros
andantes que ali estavam apenas para defender o Povo Português contra
tudo e contra todos. Comecei então a perceber os amuos dos que se
achavam mal instalados em hotéis de três estrelas, quando iam
representar o Parlamento e outros comportamentos do género, que na sua
imbecil perspectiva ofendia os seus galões de parlamentares. É a
natureza humana, por vezes tão inconcebível e ridícula. Como antigo
deputado bem me parecia que algumas alterações deveriam ser feitas para
alterar esta situação, a começar pela Lei Eleitoral. O número de
deputados devia ser reduzido e eleitos por um círculo nacional, sendo a
maior parte, no entanto, sufragada por círculos unipessoais, a fim de se
conseguir a perfeita imediação entre os votantes e os candidatos.
Andando eu nestas conjecturas, eis se não quando tive uma grata surpresa
dada pelos nossos irmãos brasileiros, que tantas vezes criticamos.
Deram ao mundo latino e aos seus patrícios portugueses uma exemplar e
belíssima lição com a recente reforma do seu Congresso, em 2011. A
propalada FICHA LIMPA é uma lei brasileira que teve por rampa de
lançamento um projecto popular, subscrito por mais de dois milhões de
pessoas. Foi discutido e aprovado pela Câmara e dos Deputados e pelo
Senado, passando a vigorar recentemente no País Irmão. Tal lei proíbe
que políticos condenados possam ser candidatos ao Congresso, sendo pagos
os deputados apenas durante a vigência do seu mandato, não tendo
qualquer reforma especial por esse facto. Fazem os descontos normais e
têm direito à sua reforma na altura própria, como qualquer outro
cidadão. E a parte mais significativa dessa emenda constitucional,
reside no facto de o Congresso não poder aprovar o próprio aumento dos
salários dos congressistas.
Geralmente
existe a tendência para se fazer blague com a política brasileira. Ora
bem, será bom que agora os seus bons exemplos sejam por nós seguidos
religiosamente, pois então. Na verdade, servir como deputado não é uma
regalia. É um dever e uma enorme honra para quem desse modo serve o
país. Não é uma colocação, um modo de vida, um emprego para quem nada
mais sabe fazer, como às vezes parece. É uma situação que marca qualquer
um quando cumpre essas funções com dignidade, com seriedade e com
independência, ao serviço dos interesses de quem o elegeu. Bem andaram
os nossos irmãos brasileiros, que nos deram uma boa e exemplar lição com
a sua iniciativa legislativa. Grandes “Brazucas”
António Moniz Palme
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