Um homem só
deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra:
todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento
chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.
Na língua
verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com
crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma
desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da
fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam
das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o
cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com
cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral
modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo
desaparece, diluído em estrangeirismo...
Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos – isto é: o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o Verbo – apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito, porque as suas ideias forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra que lhes permita serem indiferentemente adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio. Devem, de facto, ser como aqueles corpos de pobre, de que tão tristemente fala o povo, que cabem bem na roupa de toda a gente.
Além disso, o
propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma
lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o
desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que
ele tem de mais seu, de mais próprio – o Vocábulo. Ora isto é uma
abdicação da dignidade nacional.
Eça de Queirós in «A Correspondência de Fradique Mendes».
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