Portugal já se habituou aos ditos,
semana sim, semana sim. O homem não pára, é um fenomenal portento de
vitalidade e vale mais do que o PS, PSD, CDS, PC e BE juntos em santa
aliança. Sendo aos noventa anos um gigante da política doméstica, não há
notícia que não comente, nem caso em que não pretenda continuar a
exercer aquela "magistratura de influência" que tantas memórias deixou
desde o rectângulo peninsular, a Macau.
Durante anos colocou as eleições, como o
obelisco central da praça da democracia. Normalizou as coligações
interpartidárias, quando num país avesso a entendimentos de Estado, tal
coisa, embora tão naturalmente europeia, fosse considerada como um quase
absurdo que estorvava os normais interesses das agremiações políticas.
Conseguiu-o e por duas vezes utilizou o PSD e o CDS para se manter no
poder e dar alguma firmeza ao regime. Agora cultiva impulsos bem
diversos, vendo nas eleições que não dão o "resultado que interessa", um
estorvo que urge minimizar:
“Há momentos em que as eleições não se justificam porque não resolverão nada e podem antes complicar muito a situação”,
frase que Salazar decerto muito bem compreenderia, embora jamais a
tivesse pronunciado. Poderíamos até dizer que se trata de um indirecto
reconhecimento honoris causa dos princípios basilares da inexistente 2ª República que existiu, queira ou não queira, bem verde e vermelha.
No que respeita às origens da
catástrofe que jamais o atingirá na sua condição de beneficiário do
sistema, acredita piamente na existência de uma total "falta de sensibilidade política e de vergonha",
alijando tudo o que neste país se passou desde já há mais de trinta
anos, seu consulado governativo incluído. Os roubos descarados, as PPP,
as negociatas banca-política-construtoras de camaradas, a falsificação
dos concursos públicos tornados meros pro forma, a péssima -
isto, na melhor das hipóteses - administração de dinheiro público e de
fundos comunitários que outrora foram mais rutilantes que o ouro do
Brasil, a total destruição do aparelho produtivo, a ausência de uma
política externa de garantia da soberania nacional, o ataque desbragado
às Forças Armadas, o completo deboche na gestão dos centros urbanos que
há décadas estão a saque, tudo isto pouco importará. Vogando ao sabor de
uma maré europeia definitivamente baixa, garante que “a própria troika teme,
seriamente, pelo que pode acontecer ao nosso país, no plano social,
dado o desespero e a violência crescente nos portugueses”. A
verdade a dizer é que treme antes do mais, pela sobrevivência do sistema
que ajudou a erguer e que se há uns tempos ainda pareceria de uma
solidez granítica, hoje tem aquela consistência da terra em liquefação,
prenunciadora de um "terramoto à antiga".
Em conclusão e evitando um
tão indesejável quão hipotético sucesso relativo, o que agora mais
importa é liquidar o governo e a maioria, macaqueando-se as eleições que
tal como Cunhal dizia, "não servem para nada", adoptando-se um esquema
de comissários europeus à imagem de Monti. Não se atreve a ir ao ponto
de exigir novo escrutínio, pois todos entenderiam a clara desfaçatez do
"assim não vale" das alternâncias urneiras. Desta forma, o estatuto de
protectorado fica garantido e oferece melhores perspectivas aos sonhos
federalistas de Bruxelas. É este o verdadeiro, o único móbil que não
engana seja quem for. Se tal não for possível, há contudo que trazer
para a área da governação os seus correligionários, arredando Paulo
Portas - considerado demasiadamente astuto - e talvez reeditando um
bloco central de interesses que se dedique afanosamente a esconder ou a
adoçicar, tudo aquilo que há muito o país deveria saber.
Voluntarizando-se, Mário Soares surge agora como a suprema tapadera de tudo aquilo que aos poucos, muito a conta-gotas, vai surgindo nos media. O
problema que ainda não se colocou às suas venerandas circunvoluções
cerebrais, consiste na pouca credibilidade que estes golpes de
prestidigitação colhem junto dos credores e financiadores do regime.
Como estocada final, o
articulista não poderia terminar a sua posta diária, sem voltar à carga
com o felizmente extinto 5 de Outubro. Afirma que “o
Presidente Cavaco Silva teve a ideia peregrina de excluir o povo da
cerimónia”. “Um 5 de Outubro sem povo não faz sentido nenhum".
Claro que Mário Soares
tem toda a razão, embora a verdade exija que se diga que quanto a este
caso, Cavaco Silva está totalmente isento de culpa, sendo apenas um
autómato de serviço.
Como jamais houve povo
nas comemorações do 5 de Outubro - uma não-efeméride que apenas
propicia o derradeiro dia dia de praia em cada ano -, por isso mesmo foi
o anónimo feriado abolido.
publicado por Nuno Castelo-Branco em Estado Sentido
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