“Para os espíritos míopes, talvez careça de sentido o reflectir
sobre o passado de uma Nação que em 1910 abjurou o velho regime. Mas
se adoptássemos esse critério, que faríamos da nossa alma secular? Era
como se na vida dos homens e das comunidades só existisse o passageiro
«hoje», esquecendo-nos de que estamos no mundo porque houve um «ontem»
e de que o tempo nos há-de oferecer também um «amanhã». No fragor das
paixões actuais, muitos crêem ainda que a vida nasceu com eles,
esquecendo as raízes longínquas e de tão forte consistência que nos
ligam para sempre à História.
O problema de ser contra a Monarquia, só porque esta deixou
de existir em Portugal, não tem, por conseguinte, qualquer significado.
De pouco vale gritar «Viva a República», porque desde 1910 se vive
nesse regime político e nem sequer a sua vigência, neste momento, está
em causa. Só por motivos demagógicos (quantas vezes jacobinos!) se pode
insistir na força de uma dualidade que ameace a estrutura do Estado em
que vivemos (…). Mas essa realidade não deve tão pouco impedir a
sobrevivência de um ideal monárquico em muitos espíritos que têm o
inteiro direito de o acarinhar e defender. A Pátria não é um
privilégio dos homens republicanos. Porque os monárquicos são também
portugueses, a quem não se pode recusar que acreditem no futuro da
Pátria com a mesma radicação ao estatuto político em que ela se
concretizou desde 1143 a 1910. Porque a liberdade de pensar e de sentir é
um dom sagrado para cada homem e, também, porque o regime monárquico
existiu e continua a ser uma força de vida para quantos lhe reconhecem
as virtualidades.
Se a dinâmica dos tempos enfraqueceu no mundo latino a ideia de realeza,
nem por isso a mesma árvore deixa de se mostrar frondosa nos países
anglo-saxóneos e flamengos. Procure-se pois, nas lições da História, a
fundamentação do regime à sombra do qual se criou e desenvolveu a Nação
portuguesa, nos períodos de glória e de infortúnio, ao longo de oito
séculos. A Monarquia constitui assim um património moral e que é
também uma forma de consciência actuante para quantos acreditam no
princípio da hereditariedade como essência do Estado e como expressão
mais profunda da vontade nacional.”
A Génese e o Valor da Monarquia em Portugal, Prof. Doutor Joaquim Verissimo Serrão
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