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A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

FREDERICO PINHEIRO CHAGAS: UM PORTUGUÊS QUE SE RECUSOU RENDER Á REPÚBLICA

Tenente da Armada: Frederico Pinheiro Chagas
O Tenente da Armada Frederico Pinheiro Chagas, que preferiu o suicídio a render-se aos revoltosos de 5 de Outubro de 1910

«Os oficiais, que se haviam distanciado, voltam-se e vêem o tenente Frederico Pinheiro Chagas tombando como se fora ferido por uma bala perdida de longe, o peito da camisola a arder pelo tiro à queima-roupa dado no coração, mas ainda de pé e o braço erguido a desfechar mais dois tiros na cabeça, envolto num halo de fumo que saía da nuca, a cair de olhos já vidrados mas abertos, a rever-se céu azul, como se receasse esquecer-se da sua bandeira»

« Do D. Carlos transmitem para Escola de Torpedos, pela telegrafia sem fios, o seguinte: «Queira render-se e proclamar a República.» Pouco depois chegou o escaler com mantimentos e frescos. Deviam ser dez e meia. E o patrão do escaler declarou ao primeiro comandante, sendo ouvido por oficiais e praças: «Esse vapor, que andou aí, trazia forças do exército, forças do Adamastor e São Rafael populares armados, que vêm por terra tomar a escola.» Passados cinco minutos ouve-se um toque de unir, e as forças correm para os seus sarilhos, armando-se, aos vivas à República. Todos os oficiais correm também para a frente das praças. O Stockler é visto ali, mas torna a recolher-se ao quarto.
O primeiro comandante Almeida lima fala às forças dizendo ter pena que as forças não esperassem mais algum tempo, evitando as sim o acto de indisciplina que acabavam de praticar. Mas desde que o fizeram, ele que tinha na escola um oficial prisioneiro considerava-se desde esse momento seu prisioneiro com a oficialidade.
O sr. Stockler manda pedir ao comandante que o desligue da palavra de honra dada na véspera.
O sargento da força do Pêro de Alenquer comanda:
— Destacamento do Pêro, toca à esquerda! — extremando se assim dos revoltosos.
Ouviam-se as praças mais antigas deste destacamento dizer:
— Nós formámos porque ouvimos tocar a sentido. Não saiu-mos mais nada.
E o sargento tornou, dirigindo-se ao tenente Pato:
— Senhor tenente! O destacamento do Pêro de Alenquer está às  ordens de vossa senhoria.Frederico Pinheiro Chagas, vendo esta atitude disciplinada e fiel da pequena força do Pêro, acentua:— Temos aqui estas praças que não se revoltam e não vão com os outros!

Mas, nessa ocasião, o tenente Pato, que era oficial da guarnição do Pêro de Alenquer e a quem por isso fora confiado o comando dos quarenta marinheiros, comando que só por esse motivo deixara de ser dado ao tenente Frederico Pinheiro Chagas; o tenente Pato, que comandava aquela força, ida para combater os revoltosos, declara-se a favor destes, dizendo:
— Esta gente vai também!…
Instintivamente, num movimento de pasmo, de incredulidade, todos os oficiais, que ficámos com o comandante, saímos fora da parada, a acompanhar com a vista aquele último desengano, que dobrava já para a direita da porta. Nós desviámo-nos para a esquerda, onde fica a ponte e a cala.
Frederico Pinheiro Chagas retirou os olhos daquela massa revoltosa, rodeou o lugar como que à procura do que restava, e dando com os torpedeiros atracados exclamou:
— Mas ainda temos ali os torpedeiros!…
— A gente dos torpedeiros — informou Almeida Henriques — desembarcou toda!
Frederico Pinheiro Chagas voltou costas, deixou cair os braços, e duas ou três vezes passou diante dos camaradas, sem os ver, em passeios alheados, sem uma palavra, sem um olhar, lanceado de dor, uma coragem sobre que acabava de desabar a pedreira da derradeira esperança, um carácter a que tinham esmagado toda a acção, o sofrimento másculo duma honra manietada.
 O telefone do Arsenal teve-o manietado em casa, o mais tempo que pôde, dizendo-lhe: «Espere ordens! Não venha.» Mas o tenente Frederico Pinheiro Chagas não aceitou o ter que alegar para assistir de terra à revolta do mar, e foi para a Majoria. E todas essas horas não fizeram mais do que dar a esse moço com a coragem e a honra em flor, a inacção e a tortura e um carácter que pedia riscos e a quem ofereciam conselhos para inválidos.Ao passo que as dificuldades se avolumavam e que a revolta crescia, dentro daquele peito crescia ainda mais ímpeto e coragem para a dominar.

Clareou a manhã e escureceu a fé.
Novas horas de hesitação, de inércia, de sofrimento para um bravo como Frederico Pinheiro Chagas.
As praças que se apresentavam eram dadas de presente à Revolução.
Ele, Frederico Pinheiro Chagas, era tido ali inactivo, como seja tivesse caído prisioneiro nas mãos da Revolução.
E ele a sentir como era fácil actuar, como era possível vencer, como era digno lutar.
E o seu carácter e a sua bravura e a sua lealdade a sentir-se num pesadelo, ser sorvido pela imobilidade, naquela angústia do «enlizement» de Victor Hugo, que calca o lodo com um pé, e enterra mais o outro, levanta esse e a deslocação do peso some a outra perna, até que o lodo cobre os joelhos, toma conta do ventre, avança como maré pela pedrilha do cais, sobe, sobe, comprime-já o coração, vai chegar à boca, cobre os olhos e, então, tudo é cor de lodo, e não há força, nem valor, nem coragem — é a morte numa asfixia de lodo!…
Como Victor Hugo descreve bem essa tortura!

Como o tenente Frederico Pinheiro Chagas deve ter relido esse símbolo nessas horas em que ele se debateu com o telefone do Arsenal, com a Majoria, ele a pedir movimento, a ordem a exigir-lhe inércia.
Enquanto teve um fio de resistência em que acreditar, acreditou.
Enquanto teve uma farfalha de esperança, esperou.
Mas cada resistência que lembrava lhe inutilizavam, cada esperança que lhe surgia sumia-se.
Tudo, tudo, tudo, uma manhã, um dia, uma noite, outra manhã!
O Frederico sentou-se numa pedra com o seu imediato e dai por diante só disse:
— Eu não me rendo!

Almeida Henriques ergueu-se com os oficiais que ali estavam (Elísio Leitão, Abranches da Silva, Castro Ferreira, dr. Abel de Carvalho, Macedo e Couto e Vieira de Matos), deu uns passos na direcção da casa do comandante que desaparecera desde a saída das forças.

Frederico Pinheiro Chagas levantou-se também, mas deixou-se ficar.
«Que lhe resta! O comandante da escola entregou-se com a oficialidade, entregando-o também a ele. Todos os últimos homens da esperança se quebraram. Os últimos quarenta homens, que lembraram ao oficial que os comandava que tinham vindo ali para combater os revoltosos, foram também levados por esse oficial! Os torpedeiros estão ali, mas sem tripulação! Que lhe resta? Render-se?… E passa-lhe pela alma a figura íntegra do pai. É a aparição da Honra! Render-se, não!»
Ouve-se um tiro.

Os oficiais, que se haviam distanciado, voltam-se e vêem o tenente Frederico Pinheiro Chagas tombando como se fora ferido por uma bala perdida de longe, o peito da camisola a arder pelo tiro à queima-roupa dado no coração, mas ainda de pé e o braço erguido a desfechar mais dois tiros na cabeça, envolto num halo de fumo que saía da nuca, a cair de olhos já vidrados mas abertos, a rever-se céu azul, como se receasse esquecer-se da sua bandeira, ele, ele que fora o último a abandoná-la e o primeiro a morrer por ela! Almeida Henriques ajoelhou. Batia ainda o coração.

E os sargentos da Escola de Torpedos que não tinham querido seguir os revoltosos transportaram o honrado oficial para o primeiro depósito da escola, à entrada da parada.
O dr. Abel de Carvalho cumpriu o seu dever de médico, como se acreditasse na possibilidade de viver quem não quisera sobreviver à Pátria.»  

O Diário dos Vencidos, Joaquim Leitão

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