S. S. O Papa Bento XVI anunciou a sua
renúncia à cadeira de Sumo Pontífice da Igreja de Roma, no próximo dia
28 de Fevereiro, por motivos invocados de agravamento de saúde que o
impossibilitam de exercer cabalmente o seu pontificado.
Esta decisão de resignação papal apanhou
de surpresa a quase maioria dos católicos, mesmo entre os membros mais
destacados da Igreja portuguesa. Recorde-se que desde o século XV que
nenhum Papa resignava.
Os exemplos anteriores foram de Celestino V no século XIII (Pietro Angeleri de seu nome).
O eleito era um frade membro da Ordem de
São Bento que vivia em reclusão e era conhecido por ser um
espiritualista radical e um asceta.
Pietro era proveniente de uma família
camponesa modesta e passou grande parte de sua vida vivendo como eremita
no monte Morrone, onde participou da fundação de uma congregação de
monges chamados celestinos. Em função disto, adoptou o nome papal de
Celestino V.
Nunca havia estado em Roma, e fez uma
entrada triunfal montado num burro em Áquila. Porém, desacostumado com
jogos de poder, o novo papa não possuía a habilidade e a malícia
necessárias para governar a Igreja Católica. Era fraco e submisso.
Foi facilmente convencido por Carlos II
de Anjou, rei de Nápoles, a mudar-se para o seu reino e distribuir
cargos e privilégios para os amigos.
Visivelmente, Celestino V não era
ajustado para o cargo de Supremo Pontífice da Igreja Católica. De tal
modo que, no mesmo ano, foi pressionado pelo cardeal Benedicto Caetani
até abdicar do posto no dia 13 de Dezembro de 1294.
Desde o princípio, a sua fragilidade
para governar foi sentida, e a família Caetani aproveitou-se disso e
conseguiu eleger, já no dia 24 de Dezembro, o papa sucessor, que
receberia o nome de Bonifácio VIII. Este, ao assumir o cargo, aboliu a
congregação de monges criada por Pietro e enviou o seu antecessor para
uma vida de reclusão. Há suspeitas, inclusive, que Bonifácio VIII tenha
mandado envenenar Celestino V, em 1296. Clemente V, em 1313, canonizou o
papa Celestino V).
O outro papa que resignou foi Gregório XII em 1415.
O Papa Gregório XII, de nome baptismal
Angelo Correr, nasceu em Veneza. Patriarca latino de Constantinopla, foi
eleito Papa no dia 30 de Novembro de 1406.
Com mais de oitenta anos de idade, foi
coroado no dia 19 de dezembro do mesmo ano. Fisicamente muito magro e
alto, somente "pele e ossos" segundo crónicas da época, assumiu o
espírito ascético e conciliatório com relação aos problemas da Igreja
Católica, principalmente com Bento XIII, o antipapa que residia em
Avignon. Decidido a resolver o problema do cisma encarou-o de forma
sincera, declarando inclusive a ideia de abdicar a Cátedra de São Pedro
se isso resultasse em paz definitiva. Declarou-se pronto a imitar a mãe
que em presença do rei Salomão preferia entregar o próprio filho em mãos
estrangeiras do que vê-lo morrer, Gregório XII conquistou o coração do
clero internacional e de diversos soberanos, colocando o antipapa na
parede. Este, sem poder esquivar-se de tal vontade, decidiu-se favorável
ao encontro com Gregório na cidade italiana de Savona. A ideia de
abdicar resultou em uma rápida reacção da família de Correr, muitos
deles já devidamente instalados nos diversos postos de comando da
administração da igreja. O nepotismo então reagiu firmemente a essa
ameaça. Gregório XII então cedeu aos apelos da família.
A opinião publica na época ficou
horrorizada com a atitude dos parentes do Papa, insultando-os inclusive
com cartas "a Satanás", endereçadas ao Arcebispo de Ragusa. Apesar do
insucesso, Bento XIII se viu sob assédio em Avignon do rei francês.
Consegue fugir para Aragão em 1408, e, emitindo uma bula, convoca um
Concílio para Perpignan.
Em Paris, o rei decidiu então concorrer
com ambos os Papas e decretou um outro Concilio, reunindo os cardeais
dos dois líderes católicos, a Pisa em marco de 1409. A convocação deu-se
por meio de sete cardeais rebelados de Gregório XII porque este havia
nomeado dois sobrinhos como cardeais. Unindo-se aos rebeldes um grupo de
cardeais de Avignon, reunidos em Livorno.
A ideia era reunir os dois Papas e -
fosse o caso - força-los a renunciar ou então depô-los. Gregório XII
reage com firmeza aos rebeldes, e após uma primeira tentativa de
aproximação e perdão, anunciando um novo Concílio em uma cidade do
Veneto para esclarecer os fatos. Não obtendo sucesso, acabou por nomear
dez novos cardeais e excomungou os rebeldes. Dado a reacção da opinião
publica romana, decidi por partir a uma região mais segura aos seus
interesses, se mudando para Rimini em 1409. Estava formada uma enorme
confusão no seio da Igreja.
Com tais acontecimentos, o primeiro
Concílio, em Perpignan (anunciado por Bento XIII) começou de fato, com a
presença de 120 prelados e diversos soberanos que estavam tomando
partido de um ou de outro. O rei Roberto do Palatinado Renano apoiava
Gregório, porque via no Concílio de Pisa a influência poderosa do Rei da
França. Ladislau de Nápoles, como titular de "defensor da Igreja de
Roma", também se apoderou da cidade deixada pelo Papa e anunciou ser
contra o Concílio desejado pelo rei francês. Nesse clima de tamanha
confusão iniciou-se o Concílio de Pisa em 25 de Março de 1409, com a
presença de 10 cardeais fiéis a Bento XIII, 14 cardeais fiéis a Gregório
XII, 4 patriarcas, 80 bispos, 27 abades e diversos doutores de Teologia
e Direito Canónico, além de vários prelados que abandonaram Perpignan.
Como presidente do Concílio foi nomeado o cardeal de Poitiers, Guy de
Maillesec.
No primeiro dia foram chamados os dois
Papas, esperados até o dia 30 de Março e como não se apresentaram, foram
declarados ausentes. Gregório XII foi defendido pelo rei alemão Roberto
do Palatinado Renano, declarando ser ilegítimo um Concílio não
anunciado pelo Papa e que qualquer acção em matéria de renuncia do Papa
seria portanto ilegal. Ignorado, o Concílio se declarou ecuménico e
reuniu definitivamente os presentes que recusaram a obediência tanto a
Gregório como a Bento. A 5 de Junho o Patriarca de Alexandria leu a
sentença que decretava Pedro de Luna (Bento XIII) e Gregório XII
retirados do cargo de líderes da Igreja Romana como cismáticos,
considerando a sede vacante. Dez dias depois, os 24 cardeais entraram em
conclave e elegeram por unanimidade o Bispo de Milão, Pietro Filargo,
como novo Papa, sendo consagrado na Catedral de Pisa em 7 de Julho e
assumindo o nome de Alexandre V. Com a intenção de prosseguir os
trabalhos para afrontar a reforma aos problemas imensos da Igreja, não
teve sucesso. Os prelados estavam esgotados de discussões. Concluiu-se
os trabalhos e anunciou-se um novo concílio especifico para 1412.
O caos na Igreja não diminuiu com a
conclusão do Conclave de Pisa. Ao contrário, aumentaram. Teólogos,
doutores de Direito Canónico, já diziam que tal Concílio era uma farsa,
sem fundamento jurídico e para piorar a situação havia 3 papas no
comando a Igreja: Gregório XII (que representava a Itália, Alemanha e o
norte da Europa), Bento XIII (que representava a Escócia, Espanha
Sardenha, Córsega e parte da França) e Alexandre V (com a maior parte
das Ordens Religiosas decididas a fazer uma inteira reforma na Igreja).
Gregório XII não ficou todo esse tempo assistindo aos factos. Como
prometido, iniciou os trabalhos no seu Concilio na cidade de Cividale
del Friuli (perto de Aquileia) e no dia 22 de Julho declarou como
legítimos apenas os pontífices sediados em Roma, a partir de Urbano VI
até ele próprio. Todos os demais eram declarados antipapas - de Clemente
VII até Bento XIII e, é claro, Alexandre V. Deixou claro que estava
ainda disposto a abdicar ao trono de São Pedro, desde que os outros dois
fizessem o mesmo e todas as correntes do pensamento da Igreja se
reunissem em um único colégio, e fosse eleito um novo Papa, com
aprovação de, pelo menos, dois terços dos cardeais das três correntes de
pensamento. Procurou apoio dos Reis da Alemanha (Roberto), de Ladislau
(Nápoles) e Segismundo (Hungria) para que promovessem um plano de paz
permanente e dentro da sua própria ideia. Entretanto mais um problema
explodiu nas mãos de Gregório.
A "Sereníssima República de Veneza", com
os Patriarcas de Aquileia e Veneza proclamaram-se obedientes a
Alexandre V e tentaram prender Gregório XII. Este conseguiu fugir
disfarçado, enquanto o seu funcionário - usando as roupas de Gregório -
foi feito prisioneiro. Conseguiu chegar a Gaeta sob protecção do rei
Ladislau de Nápoles. Roma, nesse meio tempo, era controlada por Luís
d'Angio, reconhecido como rei de Nápoles pelo Concilio de Pisa, contra
Ladislau. Assim, na primavera de 1410, Alexandre V pôde entrar em Roma
aclamado como o verdadeiro Pontífice Romano directamente através do povo
da cidade. Breve, porém, foi sua permanência. Aqueles que comandavam de
facto o Concílio de Pisa, liderados pelo Cardeal napolitano Baldassarre
Cossa, responsável pela região de Bolonha pelo próprio Alexandre V, já
tramava a a substituição de Alexandre. Chamado a Bolonha, Alexandre V
morre no dia 5 de maio, provavelmente envenenado pelo cardeal Cossa, que
rapidamente reuniu um novo conclave e no dia 25 do mesmo mês nomeou a
si mesmo Papa, com o nome de João XXIII - nome depois cancelado e
renascido somente no século XX - e já no ano seguinte tomou posse da
cátedra romana. Gregório XII já não imaginava poder mais voltar a Roma.
Para seu azar, Roberto, rei da Alemanha morreu logo depois da coroação
de João XXIII e Ladislau, receoso de Luís D'Angio, tratou com o
ex-cardeal Cossa para tê-lo ao seu lado contra Luís. Com isso, Ladislau
renunciou o seu apoio a Gregório VII e apoiou João XXIII, eleito segundo
ele "por inspiração divina".
Em Roma, João XXIII prosseguia com os
seus projectos de transformar o Vaticano numa fortaleza. Construiu a
famosa passagem elevada que liga o Vaticano ao Castelo de Santo Ângelo,
hoje conhecida como "Passetto", provavelmente restaurada pelo Papa
Alexandre VI. Mas para sua surpresa, chegavam da Alemanha noticias sobre
um novo pretendente à coroa do Sacro Império Romano Germânico:
Segismundo, um dos diversos príncipes alemães que declarava intolerável
para a cristandade a situação existente, com três pontífices, sendo que
nenhum dos três tinha qualquer autoridade de facto. Como consequência,
Ladislau rompe com João XXIII, que fugiu para Florença, enquanto o rei
de Nápoles saqueava Roma. Em 30 de Outubro de 1413, Segismundo convocou
todo o mundo religioso católico, príncipes, soberanos, para um novo
Concílio Ecuménico que seria aberto em Konstanz (no sul da Alemanha, na
fronteira com a Suíça) a 1 de Abril de 1414. Convidados também foram os
três Papas reinantes, com o propósito de resolver de vez a situação e
acabar com o cisma religioso, acabar com as novas heresias e reformar a
instituição da igreja. João XXIII aceitou a proposta e assumiu a
convocação, para "legalizar" o acto, anunciando-o como uma continuação
do Concílio de Pisa. Gregório XII e Bento XIII recusaram participar.
João XXIII, contente com a reacção dos outros dois papas, obteve de
Segismundo a sua garantia de protecção a sua vida e entrou na cidade do
Concilio triunfalmente no dia 28 de Outubro de 1414. Além dele,
representantes de toda Europa cristã, num total de mais de 1800
eclesiásticos, teólogos, bispos, arcebispos, patriarcas e cardeais além
dos representantes dos reinos interessados. Presidiu ao Concílio João
XXIII. Segismundo, coroado Imperador do Sacro Império Romano Germânico
em Aachen no dia 8 de Novembro, chegou na véspera do Natal.
A maior inovação foi dividir o concílio
nas cinco regiões mais importantes para a Igreja: Itália, Alemanha,
França, Castela e Inglaterra, cada uma liderada por um bispo. Outra
inovação foi o direito de voto a todos os presentes, laicos inclusive,
num novo conceito de democratização da Igreja. Com isso a autoridade era
de todo o Concílio e não apenas do Papa (ou de um deles…) sendo negado o
direito divino de soberania papal. Foi um duro golpe no poder da Igreja
romana e pôs em jogo o futuro do papado. Apesar de tudo, Gregório XII
enviou seu representante na pessoa de Giovanni Domici de Ragusa,
anunciando que estava pronto a renunciar se os outros dois papas
fizessem o mesmo. Pediu também que fosse retirada a presidência do
Concílio a João XXIII. A assembleia do Concilio aceitou a proposta de
Gregório XII e João XXIII recitou a sua parte no "teatro": em 2 de Março
de 1415 foi o protagonista principal. Ajoelhou-se em frente ao altar e
jurou ser seu único objectivo a paz na Igreja e o fim do Cisma.
Teatralmente perfeito, tem nos seus bastidores a sua razão de ser: já
começavam a circular vozes difamadoras contra ele e o antipapa João
XXIII já não se sentia tão seguro do seu poder. O Grão-Duque da Áustria
ajudou-o então a fugir e a refugiar-se na cidade de Sciaffusa,
denunciando as intrigas e os preconceitos do Concílio e a violação das
prerrogativas papais. Para confirmar a regra, nova confusão, e somente
com a inteligência de Segismundo e do cardeal Pierre d'Ailly se evitou a
dissolução do Concílio.
Chegou-se à conclusão de que os três
papas deveriam renunciar por livre vontade ou seriam forçados a isso. A
começar por João XXIII, cujo destino foi selado pelo regente de
Nuremberg, que o recolheu de Sciaffusa e o levou para uma cidade próxima
do Concílio. No dia 29 de Maio foi-lhe retirado o seu título de Papa,
declarado culpado pela situação e posto em prisão. João XXIII implorou
perdão e Segismundo entregou-o ao conde do Palatinado Renano, que o
manteve sob custódia. Manteve-se prisioneiro dos príncipes alemães até
que o novo Papa, Martinho V, não o soltasse, o perdoasse e o nomeasse
Cardeal-Bispo de Tuscolo, onde morreu em 1420. Depois de João XXIII, era
a vez de Gregório XII. Este papa comportou-se com muita dignidade. Em
15 de Junho de 1416 encarregou o seu amigo e protector, Carlo Malatesta,
de comunicar à assembleia que espontaneamente abdicava ao papado, e
para oficializar de facto o Concílio - pois era ele o único Papa de
facto - declarou-o aberto naquele dia, por ele mesmo, através do seu
representante, o Cardeal Dominici e legitimava os actos do Concilio como
legais.
Dai por diante não haveria mais
contestações quanto à legitimidade do Concílio de Constança. No dia 4 de
Julho, Carlo Malatesta apresentou então a carta de renúncia de Gregório
XII e, em reconhecimento pela dignidade mostrada pelo Papa, o Concílio
convidava-o a assumir o posto de Bispo da cidade do Porto e a
representação pontifícia da região italiana do Marche. Gregório XII
agradeceu à assembleia numa carta onde assinou com seu nome de baptismo:
"Ângelo, Cardeal e Bispo".
Morreu na cidade de Recanati em 18 de Outubro de 1417 e foi sepultado na catedral daquela cidade.
FINIS LAUS DEO!
Publicado por Fernando Sá Monteiro, em Risco Contínuo
Bento XVI, a força do exemplo
por João Pinto Bastos, em Estado Sentido
O homem contemporâneo, frívolo e ensoberbecido, jamais conseguirá compreender a essência do magistério católico. Bento XVI soube-o de antemão: lutou denodadamente contra os vendilhões do templo, fazendo da revivificação da fé a essência do seu papado. Obrou com o verbo, ligando, como poucos, as pontas soltas do subjectivismo relativista; ensinou e pacificou, dando um exemplo último de radical desinteresse pela vil matéria terrena. Ratzinger conhecia o objecto com que lidava: o insuportável e inamovível universo da vulgaridade. Sabia, também, que a matéria da ralé, que fermenta na mediocridade contingente do quotidiano, não é, na sua essência, domável. Talvez por isso Bento XVI tenha preferido, no derradeiro fim do seu apostolado colectivo, terminar os seus dias num mosteiro de clausura. Ratzinger não nos abandonou. Deixou-nos, com alma e ardor, a semente de um labor fremente pela paz e pelo conhecimento. Na companhia do Senhor, que desceu à Terra omissa e que remiu com o sangue do Filho do Homem os nossos pecados, venceu o Mundo. Resta-nos a nós, ovelhas de um rebanho transviado, seguir o seu exemplo, sabendo que Ele, o Deus que nos fez à sua imagem e semelhança, estará sempre connosco.
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