Andam por aí uns quantos académicos irritados por causa do Acordo
Ortográfico. A zanga faz sentido porque, se a nossa pátria é a língua
portuguesa, atentar contra ela é um crime de lesa-pátria. Mas importa
chamar também a atenção para outros atentados contra o bom uso da língua
a que, ao que parece, são indiferentes as autoridades competentes na
matéria.
Bom exemplo desse mau uso da língua portuguesa é o de um insistente e
irritante anúncio radiofónico, onde um casalinho dos arrabaldes se gaba
do tratamento que lhes fez perder muitos quilos e, certamente, muitos
euros também, embora sobre este particular mantenham um pudico silêncio.
Felizes pela sua reencontrada elegância, elogiam os serviços da
nutricionista e da «coach».
Sendo eu alfacinha dos quatro costados, pensei que a «coach» era a forma
sincopada de «coxa», parte do corpo humano especialmente propensa para o
indevido armazenamento das banhas de que aquele dito casal, talvez
casado em regime de comunhão de gorduras, era assaz farto. Ou então
alguma senhora manca que, por ignorarem o seu nome, aqueles nédios
pombinhos referiam dessa forma bizarra. Mas não, a «coach» não era
nenhum avantajado pernil, nem nenhuma dama deficiente, mas a técnica que
ajudara os conjugais obesos na penosa ascensão ao cume da sua estética
transfiguração.
Na língua portuguesa, há muitas palavras que traduzem bem a palavra
inglesa «coach» mas, pelos vistos, a empresa de emagrecimentos
milagrosos, com a conivência da estação radiofónica, achou que nenhum
termo do nosso léxico era digno dos seus reclames. E as autoridades não
reagem a estes atentados contra a nossa língua, entretidas como estão em
promover o desacordo ortográfico.
Resta a esperança de que todos os termos estrangeirados que por aí
pululam, ofendendo a língua de Camões, que era vesgo mas não coxo, sejam
em breve recolhidos e fechados à chave nas novas instalações do museu
dos «coachs»!
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Fonte: I online
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