"Há cerca de cem anos, o continente europeu preparava-se para entrar
numa fase de excitação guerreira em torno de sucessivas promessas
inovadoras: proteccionismo e rivalidade entre impérios continentais,
primeiro, marxismo e nacional-socialismo, depois. Londres iria receber,
nas décadas seguintes, novas vagas de exilados, entretanto perseguidos
no continente por cada uma daqueles modernismos rivais.
Imperturbável, Londres usufruía tranquilamente as suas liberdades
conservadoras: uma monarquia estável, um Parlamento soberano, sólidos
direitos de propriedade, indiscutíveis liberdades sindicais, comércio
livre, estritas normas de conduta não escritas, incompreensíveis aos
olhos modernistas.
As coisas certamente melhoraram entretanto no continente europeu. Mas
Londres continua a viver numa atmosfera singular, dificilmente
compreensível pelo racionalismo cartesiano continental. Durante a semana
passada, por exemplo, e debaixo de um calor estival surpreendente, o
país literalmente entrou em comoção nacional pelo nascimento do "royal baby". A chegada de George Alexander Louis, oficialmente His Royal Highness Prince George of Cambridge, foi celebrada em todo o país, bem como no Canadá, Austrália, Nova Zelândia e até na Índia.
As sondagens mostram enorme apoio popular à monarquia constitucional:
66% apoiam o regime, e os republicanos resumem-se a uns ténues 17%.
Três quartos dos inquiridos pensam que o recém-nascido príncipe George
será rei - o que significa daqui a não menos de 50 anos, pois ele é o
terceiro na linha de sucessão, depois do avô, Carlos, e do pai, William.
A par deste renascimento monárquico, a Inglaterra vive um
renascimento do eurocepticismo. Depois de Nigel Lawson e Norman Lamont,
dois distintos ex-ministros das Finanças, terem publicado severas
críticas ao que consideram o centralismo crescente da União Europeia,
dia após dia surgem novas reclamações de devolução de poderes de
Bruxelas ao Parlamento de Westminster.
Decidi fazer um inquérito antropológico a esta curiosa tribo insular. Comecei por jantar no Reform Club
com vários antigos colaboradores da sra. Thatcher. Este é um dos
tradicionais clubes liberais de Londres. Ficou célebre o comentário de
uma visitante americana, perante a imponência do edifício e a solene
gravidade das normas de conduta do Reform: "Se este é o clube liberal,
como será o clube conservador?"
O jantar decorreu numa atmosfera peculiar. Os meus interlocutores
acham que a União Europeia é demasiado proteccionista. Que está a
fechar-se ao comércio mundial. Que a Suíça faz mais trocas com a China
do que a UE. E receiam que a zona euro esteja a condenar os países do
Sul da Europa a uma recessão sem fim à vista. Em contrapartida, não
culpam a Alemanha. Acham simplesmente que seria melhor regressar a uma
Comunidade Europeia mais solta e com mais variedade concorrencial dentro
de si: "Um pouco como os clubes de Londres, está a ver?"
Bem, eu estou certamente a ver a ideia, e parece-me interessante: uns
clubes são progressistas, outros são conservadores, e cada um
governa-se a si próprio - sendo que em todos temos de usar casaco e
gravata. Mas ocorreu-me uma pergunta filosófica: como poderemos garantir
que os diferentes clubes se respeitarão uns aos outros? Como
garantiremos que, uma vez reintroduzida a variedade na União Europeia,
os Estados--nação se comportarão como os clubes de Londres, em vez de
voltarem a guerrear-se entre si?
A resposta não se fez esperar: "Quanto mais livres, menos razões
haverá para os Estados europeus se guerrearem entre si. Foi a crescente
integração uniformizadora, gerada pela miragem do euro, que criou as
actuais tensões entre o Norte e o Sul."
Isso pode ser bem verdade em teoria, pensei eu, mas não sei se
funciona na prática. E, cogitando nestas dúvidas, regressei ao Oxford
& Cambridge Club, cem metros ali ao lado. Foi então que descobri uma
inesperada comunhão entre os dois clubes: além de ambos não terem ar
condicionado, ambos partilham a comoção nacional com o nascimento do "royal baby".
Atrevi-me então a perguntar a um amigo progressista qual era a razão
de tamanha comoção nacional com o bebé real. "Bem, mas é óbvio",
respondeu-me ele. "É o símbolo da continuidade da ancestral
soberania do nosso Parlamento." Depois perguntei a uma amiga
conservadora. E a resposta foi igualmente óbvia: "É o símbolo da nossa ancestral soberania nacional e da ancestral soberania da nossa monarquia parlamentar."
Retorqui com uma inescapável pergunta filosófica continental: mas por que razão veneram ambos uma soberania ancestral? A resposta foi quase em uníssono: "Tem funcionado razoavelmente bem, não acha? Por que razão iríamos abandonar uma tradição ancestral que funciona menos mal por uma promessa incerta de perfeição modernizadora?"
publicado por Nuno Pombo às 11:56
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