Na sequência dos resultados eleitorais de ontem da lista independente
para a Câmara Municipal do Porto, é com gosto que recordamos a
entrevista a Rui Moreira feita a há pouco mais de um ano para o Correio
Real nº 8.
Conhecida figura dos meios empresariais e associativos, com forte intervenção pública, Rui Moreira é monárquico de longa data, defendendo que o nosso movimento deve estar mais em sintonia com o sentir actual das populações
Uma pequena nota biográfica...
Nasci no Porto há 55 anos, estudei no Colégio Alemão e depois no
ensino público, no Liceu Dom Manuel II, que era um excelente liceu, e
depois no Liceu Garcia de Orta. Coincidindo com o 25 de Abril, logo a
seguir fui para Londres, onde me licenciei em Gestão pela Universidade
de Greenwich. Andei pela Europa, vivi algum tempo na Noruega e na
Alemanha e vim para Portugal em 78e fiquei com um dos negócios
tradicionais da família. Fiz a minha vida a partir dessa empresa, até
que em 1991 resolvi vendê-la e trabalhar noutras coisas. Desde então,
dedico-me à vida associativa, escrevo, faço televisão, enfim, faço
aquilo de que gosto. Como vendi bem a empresa, isso permitiu-me alguma
liberdade. Tenho dois filhos, um deles estudou em Cambridge, o outro
estuda em Milão, na Bocconi. Faço parte de uma família tradicional do
Porto, mas com ligações a Lisboa. O meu avô materno, José Luís Brandão
de Carvalho, que muito me influenciou, era de Lisboa, monárquico, do
Belenenses e foi uma pessoa que nos inspirou muito, tinha uma visão
extraordinária da vida, das relações humanas e também das tradições,
daquilo que nós temos de bom em Portugal e que tantas vezes esquecemos.
Por outro lado, tenho o exemplo do meu pai, uma pessoa absolutamente
inovadora, um visionário na área da indústria, que viajava pelo mundo
numa altura em que os portugueses tinham quase medo de o fazer...
Como é que se começou a interessar pela parte política monárquica?
Em primeiro lugar, pelo meu avô materno. Esse resíduo de infância
fica sempre, os valores. Uma ética diferente da que se vivia já então
nas ruas. Apesar de ele ter morrido cedo, nos anos 60, era uma pessoa
que apelava a esses valores. Depois, o facto de ter vivido em Inglaterra
e, principalmente, na Noruega, que considero uma monarquia perfeita,
contribuiu para me tornar monárquico. Percebi na Noruega que sendo um
país que já na altura era extraordinariamente avançado nos usos e
costumes e tudo mais, convivia muito bem com uma monarquia
constitucional, que as pessoas admiram, não contestam, que é um símbolo
do país, um símbolo de unidade. Lembro-me de encontrar os monarcas, ao
contrário dos ingleses, que vivem distantes do seu povo, a passear os
cães no mesmo passeio que eu atravessava para ir trabalhar. Isso
impressionou-me muito. Confirmava que era possível ter uma monarquia
avançada, desenvolvida, e conviver com ideias diferentes. Há pessoas com
ideias muito diferentes, desde nacionalistas fanáticos até uma esquerda
libertária, mas todos têm um enorme respeito pelos monarcas e pelo que
eles representam. Não lhes passa pela cabeça contestar a monarquia.
Também em termos de sociedade, costumes, há uma ideia em
Portugal de que os monárquicos são conservadores, rígidos,
protocolares...
Eu julgo que aí a culpa está dos dois lados. É verdade que em
Portugal há uma corrente republicana que tenta colar os monárquicos a
essa imagem do passado, acho também que há alguns dos monárquicos que
pecam por vestirem essa carapuça e por vezes defenderem questões que
pouco ou nada têm a ver com a monarquia. Evidentemente que as tradições
são muito importantes, mas nós não podemos virar as costas aos
movimentos e à sensibilidade das pessoas. Incomoda muito ouvir discursos
que nos tentam colar a uma visão reaccionária. Não tem a ver com ser de
direita ou esquerda, é reaccionária porque vai contra aquilo que é a
sensibilidade das populações. A sociedade evoluiu muito, e rapidamente, e
não nos cabe a nós, monárquicos, fazer julgamentos sobre esses valores.
Esses julgamentos afugentam muito as pessoas.
Tivemos agora o Jubileu da Rainha Isabel II com toda aquela
grandiosidade, eloquência e protocolo, mas contrapõe uma monarquia que
parece primar até por uma certa discrição em termos de mediatismo...
Eu gosto mais de uma monarquia com menos pompa. À volta da monarquia
inglesa há uma enorme máquina publicitária, que funciona muito bem. Eu
respeito isso, mas tendencialmente gosto mais das monarquias
continentais como a holandesa, a belga ou as escandinavas, porque têm
uma visão mais terra a terra, de maior proximidade com as pessoas, que é
exemplar na forma como se comportam, como reagem com os seus súbditos. E
sem querer ser insultuoso, nessas monarquias é tudo um bocadinho menos
folclórico do que aquilo que há à volta da família real britânica. Mas
também se percebe que em Inglaterra seja assim, não nos podemos esquecer
que esta foi a rainha que assistiu à descolonização. E quando se
pensava que isso podia pôr em risco o espírito monárquico britânico,
eles viraram isso com uma máquina de comunicação e publicitária muito
forte e, nesse aspecto, fizeram bem. Mas não me parece ser esse o
caminho que se identifica connosco, nem acho que devamos seguir por aí,
porque nós, de facto, somos diferentes. Muitas vezes tendemos a achar
que somos mais parecidos com os ingleses do que de facto somos.
Não acha que os portugueses apreciam também uma certa distanciação da parte de quem tem poder?
Acho que não. Basta ver a relação que os portugueses, sobretudo os
mais humildes, têm com o Senhor Dom Duarte, que, se repararem, tem uma
relação extraordinária com as pessoas com quem se encontra na rua. Os
portugueses apreciam muito isso, o ele ser uma pessoa em quem se podem
rever.
O verdadeiro primus inter pares?
O primus inter pares. O rei liberal que se envolveu em
causas como Timor, que se envolve em causas como a agricultura. Os
portugueses apreciam muito isso. Nós não devemos alterar essa relação
entre a nossa Casa Real e os portugueses. Acho que não devemos fazer
disto uma coisa com pompa e circunstância, principalmente nos tempos
actuais. É evidente que se não tivesse havido o 5 de Outubro, se calhar
nós poderíamos ter desenvolvido a monarquia de outra maneira. Mas hoje a
relação é diferente e aproxima-se muito mais daquilo que são as
monarquias continentais.
Gostaríamos que falasse da sua visão estratégica para o país, das causas que defende, nomeadamente nos transportes.
Portugal só vale para fora de si. Nós não valemos para dentro de nós.
Há países continentais como a Alemanha, a França ou a Espanha que podem
viver para dentro de si, nós não. Essa tem sido, ao longo dos séculos, a
nossa realidade. Só fomos grandes quando fomos capazes de olhar para
fora de nós mesmos. Acho que nos últimos anos, o que aconteceu com a
descolonização, com a adesão à União Europeia e com o eldorado desta
adesão, foi que de repente esquecemos essa raiz e tentámos
transformar-nos num país continental. E eu diria malgré-nous, porque temos uma enorme diáspora, que de alguma maneira justificaria que lhe déssemos outra atenção.
Mas o que é isso de uma estratégia para Portugal?
A questão fundamental do conceito de estratégia tem a ver com o
seguinte: não vale muito a pena reclamarmos por causa da nossa posição
geoestratégica no mundo. Tenho vindo a interessar-me por questões como a
ferroviária, aeroportuária, a questão do mar, etc., e verifico que nós
não temos sido capazes de compreender a nossa nova territorialidade,
depois da descolonização. Prova disso é que, sendo um país que
subitamente está reduzido a 90 mil quilómetros quadrados, estamos a
fazer a hiperconcentração do país em dois pólos, Lisboa e Porto, ou até
só num, porque acho que há uma hipercapitalidade em Portugal, o que é
dramático para o país. É dramático até para Lisboa. E os piores
centralistas não são os lisboetas, pelo contrário.
Como é que se contraria isso?
Essa hipercapitalidade tem de ser contrariada através de medidas
políticas de desenvolvimento. Acho que estamos a desperdiçar o nosso
território, no interior só vivem os velhos e os desvalidos. Nem temos
sido capazes de compreender como se chega a essa Europa querida, que nós
queremos. Veja-se a nossa política em termos de transportes marítimos
em que não fomos capazes de construir uma frota mercante. Em que não
somos capazes de ter uma coerência em relação às questões de
caminho-de-ferro, em que devíamos ter negociado com Espanha doutra
forma.
Defende também transportes ferroviários para nos ligar à Europa...
Quando olhamos para as nossas regiões verificamos que há duas regiões plano que têm, em termos de balança comercial, superavit: o Centro e o Norte. Curiosamente o Centro tem até um superavit ligeiramente
superior ao do Norte, por causa da região de Águeda e Aveiro. Ou seja,
as nossas exportações concentram-se, a não ser na pasta de papel e nos
automóveis, por causa da Autoeuropa, maioritariamente na zona Centro e
na zona norte do país. Logo, aquilo que seria óbvio na via-férrea seria
nós investirmos na linha da Beira Alta. Para mim, o único desígnio
estratégico possível é termos um pipeline, ou seja, se nós
sabemos que as nossas mercadorias não podem chegar ao centro da Europa,
ou dificilmente chegam, por via marítima por causa dos países
continentais, se sabemos que a rodovia está condenada a prazo por causa
das questões ambientais e das questões energéticas, então o que
precisaríamos era de um pipeline que levasse as nossas mercadorias ao centro da Europa.
Esse pipeline é a via-férrea…
Aquilo que eu defendo é a aposta na linha da Beira Alta, com uma
ligação pelo norte de Madrid à Europa. E depois nós temos um porto seco
ideal, que é Aveiro. Está exactamente na confluência entre a zona Norte e
a zona Centro e ainda por cima pode ser servida pela linha do norte que
existe e que poderia descarregar ali mercadoria.
Voltando ao tema da monarquia, qual é, no seu modo de ver, a garantia de sustentabilidade da Causa Real?
Em primeiro lugar, diria que o relógio da história nos é benéfico.
Acho que as celebrações do centenário da República foram
extraordinariamente importantes para nós, porque, de repente, se
desmistificou a I República. Havia uma ideia poética do que tinha sido a
I República, mas os mais atentos já perceberam que foi um tempo de
insurreição permanente. Sobre a II República, toda a gente tem as suas
convicções e a generalidade tem convicções negativas. A III República
está no estado em que está e portanto, hoje em dia, os portugueses muito
dificilmente se identificam com a Constituição.
Acha a nossa Constituição ideológica?
Não e não me agride muito o facto de ter um preâmbulo ideológico, que
é um mero um vestígio de uns dinossauros. Acho é que é programática. O
que vemos hoje é que as pessoas se estão a afastar dos partidos. Ou
seja, a democracia representativa, tal como nós a entendemos está posta
em causa, o que abre uma nova perspectiva. E, pela primeira vez desde o
25 de Abril, a figura do Presidente da República é fortemente contestada
por sectores à direita e à esquerda. Tradicionalmente, o Presidente da
República era mais ou menos consensual. Quando não era, como normalmente
vinha da esquerda, o povo de esquerda dizia que era o presidente de
todos os portugueses. Já de si, esta necessidade de evocar isto convém
ao nosso ideal monárquico. Se de facto um presidente tem de reclamar que
é o presidente de todos os portugueses é porque, no fundo, quer
adquirir a tolerância que todos nós já teríamos se ele fosse rei. Nós,
os monárquicos, temos um conjunto de virtudes e de vantagens que temos
de ser capazes de trabalhar, mas é um caminho longo, geracional, uma
maratona.
Como é que podemos começar a traçar este caminho?
Temos que aprender a não ser programáticos. Porque os monárquicos têm
sido programáticos e assim não podemos condenar a república por ser
programática. Se vamos para causas morais e éticas e tomamos partido, as
pessoas não vão passar a ser monárquicas por nós estarmos do lado
delas. Ao mesmo tempo, estamos a afastar uma série de pessoas que tem
visões diferentes. Porque a sociedade evoluiu, porque a moral evoluiu e
portanto cada um de nós deve ter direito aos seus princípios morais, que
devem ser respeitados.
Qual o papel das Reais Associações na tal maratona que é preciso correr?
É importante que existam e que cada uma funcione como um núcleo com
autonomia. Mas temo sempre, e não estou a apontar o dedo a ninguém, que
se vá excessivamente pela pompa e pelo tal espírito programático, do
género, “aquela pessoa é a favor do aborto então não pode ser
monárquica”. Isto não pode ser. Eu estou particularmente à vontade
porque não sou a favor do aborto, mas acho que tentar confundir as
coisas é terrível. Ou seja, se queremos voltar à monarquia através do
tradicionalismo, é uma guerra perdida e não contarão comigo porque não é
esse o sentimento das pessoas. Nós devíamos estar a discutir coisas
importantes como o que é a essência da Europa. Até porque vamos precisar
de uma nova Constituição europeia, porque já se percebeu que aquilo que
foi feito estava mal feito. Voltar a falar nos valores da cultura, no
que são os pilares da civilização europeia, perceber que tem três
raízes: Roma, Atenas e Jerusalém, por esta ordem. Numa federação
europeia, é preciso a simbologia e esta vem da nossa história. Se formos
capazes de explicar isso, as pessoas entendem e as futuras gerações
entenderão o valor da monarquia enquanto um dos pilares daquilo que é um
Estado Nação, com as suas origens e a sua história, e que tem as suas
tradições e que as quer guardar.
Ser monárquico trouxe-lhe dificuldades?
Há sempre uma tentativa de ridicularizar, mas as pessoas que são do
Porto estão habituadas, eu convivo bem com isso. Às vezes, avisam-me:
“se você tem aspirações políticas, não se meta nisso!”. Outras vezes,
vêm tentar discutir o sangue azul, mas eu não discuto esse género de
coisas.
Duarte Calvão com João Távora, Maio de 2012
publicado por João Távora em Real Associação de Lisboa
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