Há cerca de um mês, por ocasião da minha estadia em Bangkok, comprei The Last Century of Lao Royalty: A Documentary History,
de Grant Evans, decerto importante contributo para uma melhor
compreensão da história contemporânea do Laos, o Estado-tampão criado
pela França em finais do século XIX. O actual Laos decompunha-se em
pequenos principados que prestavam vassalagem ao Rei do Sião. Quando
passou a orbitar a Indochina Francesa, o Príncipe de Vientiane foi
elevado à dignidade de Rei. Ao contrário dos países circunvizinhos, o
Laos manteve até 1975 uma democracia gabada pela tolerância e respeito
pela separação de poderes, não obstante a guerra que flagelava a região.
O Rei Sisavang Vatthana, considerado uma força moderadora e agente de
modernização, fiel ao papel de um monarca constitucional, sempre recusou
caucionar uma ditadura militar, procurando apaziguar as tensões
irredutíveis que opunham monárquicos a comunistas. Em 1975, o Pathet Lao
- Partido Comunista apoiado por Hanói - tomou o poder e logo instaurou
uma sanguinária ditadura que ainda hoje persiste.
Ao contrário das proclamações do novo governo, que assegurara respeito
pela instituição real, o Rei e sua família foram detidos e confinados a
campos de concentração. A deposição pública foi, entre tantos outros
agravos morais, um instantâneo da revoltante humilhação. Antes de serem
separados, o Rei e a Rainha foram obrigados a sentar-se no chão, pedir
desculpas ao povo e agradecer a libertação comunista. Insultados,
empurrados e obrigados a repetir slogans revolucionários, os reis
receberam então a sentença do colectivo popular: condenados por
"feudalismo", "parasitas do povo" e "aliados dos imperialistas". Dessa
cerimónia subsiste uma fotografia.
Aos 70 de idade, despido de todas as atenções devidas a um homem da sua
condição, o Rei foi confinado a uma cabana e submetido a "reeducação
pelo trabalho", ou seja, o cultivo de campos de arroz , oito horas por
dia, seis dias por semana. Sisavang Vatthana foi separado da rainha,
partilhando uma choça com o seu herdeiro. Submetido repetidamente a maus
tratos, tortura e rações de cascas de arroz e ratos, valeu-lhe a
piedade filiar do Príncipe Herdeiro, que alimentou o seu pai até, por
fim, morrer por inanição. Em 1978, minado pela doença, faleceu. Até
meados da década de 80, o governo comunista continuou cinicamente a
assegurar que o monarca ainda vivia em reclusão domiciliária e cercado
de cuidados. Todos os testemunhos são unânimes em reconhecer a grande
dignidade que o Rei exibiu ao longo dos terríveis anos de cativeiro, a
desarmante bondade que sempre opôs à crueldade dos seus algozes, a
determinação em manifestar a sua condição de monarca budista.
Sem comentários:
Enviar um comentário