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A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

domingo, 9 de fevereiro de 2014

A RAINHA – EÇA DE QUEIROZ ACLAMA D. AMÉLIA

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Introdução e Recolha do texto: Miguel Villas-Boas *

Dona Maria Amélia Luísa Helena de Bourbon-Orleães, princesa de França, nasceu em Twickenhem, em 28 de Setembro de 1865, durante o exílio da família, em Inglaterra. Dona Amélia era a filha primogénita do pretendente ao trono francês Luís Filipe, Conde de Paris, neto do último Rei de França, Luís Filipe I, e de Maria Isabel de Bourbon-Orleães-Montpensier, infanta de Espanha, filha do Príncipe Antoine D’ Orleães, Duque de Montpensier e Infante de Espanha, por sua vez filho do último Rei de França.

A princesa Dona Amélia passou parte da infância em Inglaterra, até à queda do II.º Império. Então, a Casa Real de Orleães pode regressar ao país, e, embora o seu pai apenas fosse pretendente à Coroa, a princesa teve então uma esmerada educação.

Dona Amélia era uma jovem encantadora e culta, admiradora de ópera e teatro, era leitora compulsiva da melhor literatura da época, chegando a corresponder-se com os seus autores favoritos. Além disso possuía, tal-qualmente, dotes para a pintura que ultrapassavam o elementar.

Tudo parecia fadado, para que o seu casamento ocorresse com o herdeiro de uma coroa europeia, mas uma feliz coincidência impeliu os acontecimentos. De férias em Paris, Dom Carlos, Príncipe Real de Portugal e Duque de Bragança, que procurava esposa, foi apresentado a Dona Amélia e a seus pais num encontro arranjado pela Infanta Dona Maria Antónia. O encanto foi mútuo e o pedido oficial foi realizado por Dom Carlos ao Conde de Paris, a 6 de Fevereiro de 1886, sendo lavrado registo matrimonial nesse mesmo dia no Castelo d’ Eu.

A 17 de Maio de 1886, a princesa Dona Amélia, futura Duquesa de Bragança partiu de França e chegou à Pampilhosa no dia seguinte, em 19 de Maio, pelas 17 horas, a princesa foi apresentada à Corte em Lisboa.

O casamento real foi celebrado no dia 22 de Maio de 1886, na Igreja de São Domingos, e foi acompanhado pela multidão que saiu às ruas de Lisboa para acompanhar o cortejo nupcial.

Depois do casamento, e terminada a lua-de-mel, os Duques de Bragança mudaram-se para a sua nova residência, o Palácio de Belém.

Para coroar esses tempos de felicidade às 21 horas do dia 21 de Março de 1887 nascia, em Belém, Dom Luís Filipe de Bragança, o primogénito do presuntivo herdeiro do trono de Portugal. Em 15 de Novembro de 1889, nasceu o Príncipe Dom Manuel de Bragança, Duque de Beja, e completou-se assim a Família Real – uma vez que, anos antes, Dona Amélia, de esperanças de uma menina, sofrera um parto prematuro, tendo a bebé, Dona Maria Ana, sobrevivido apenas uma poucas horas.

Como mãe, a Rainha soube dar uma excelente educação aos Príncipes, seus dois filhos. Mas, também, como Rainha, Dona Amélia desempenhou um papel importante. A Rainha foi sempre o braço direito d’el-Rei Dom Carlos que incansavelmente acompanhou sempre nas suas viagens de Estado. Com a sua elegância e carácter culto, Dona Amélia influenciou de forma indelével a corte portuguesa.

Interessada pela erradicação dos males da época, como a pobreza e a tuberculose, fundou em 11 de Junho de 1899 o Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos, assim como dispensários, sanatórios como o Sanatório para a assistência nacional aos Tuberculosos, em 18 de Maio de 1907; além de lactários populares, cozinhas económicas e muitas creches. Fundou o Instituto Pasteur em Portugal e o Instituto dos Socorros a Náufragos, em 1892.

Não obstante a crise política, Dona Amélia via reconhecido o seu trabalho com os necessitados, especialmente com as crianças pobres e os órfãos, por isso nesse mesmo ano de 1892, a 4 de Julho, Dia de Pentecostes, recebe do Papa Leão XIII, pelas mãos do Núncio Apostólico, a Rosa de Ouro, em sinal do reconhecimento do seu mérito.

Sua Majestade a Rainha Dona Amélia criou, ainda, a Assistência Nacional aos Tuberculosos e em 1905 foi a vez de abrir o Museu dos Coches Reais.

Mas no País as crises sucediam-se. Os políticos precipitaram uma crise política que ajudaria as más intenções republicanas a urdir a teia.

A 1 de Fevereiro de 1908, quando regressavam de Vila Viçosa, a Família Real Portuguesa foi vítima de um cobarde atentado terrorista perpetrado por membros da maléfica Carbonária, em pleno Terreiro do Paço perecendo El-Rei e o Príncipe Real Dom Luis Filipe.

O Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 lançou a Rainha – com filho e marido chacinados pelos terroristas – num pesar mortificado. Recolheu-se então para o Palácio da Pena, mas, com forças resgatadas de um profundo querer e abnegação pelo bem maior do seu País, sem abandonar o Rei Dom Manuel II, a quem por todos os meios procurou ajudar no reinado.

A 3 de Outubro os tiros de canhão acossam o jovem Rei nas Necessidades, então Paço Real, pelo que partiu para Mafra. Foi na Pena que a Rainha Dona Amélia recebeu a notícia da revolução republicana de Outubro de 1910, que mais uma vez, como no Regicídio foi possibilitada pela atonia dos políticos. Dona Amélia juntou-se ao filho Rei, mas nada mais havia a fazer por inépcia dos políticos.

Após a proclamação da república portuguesa em 5 de Outubro de 1910, Dona Amélia partiu da Ericeira juntamente com o Rei Dom Manuel II e o infante Dom Afonso Henriques, Duque do Porto, no iate real Amélia IV – outrora palco de tantas alegrias.

O exílio levou-os para Inglaterra, a Dona Amélia para Abercorn, Richmond Hill, Surrey e depois para Fulwell Park onde fixou residência Dom Manuel II. Após, o casamento de Dom Manuel II com a princesa Augusta Vitória, filha do príncipe de Hohenzollern-Sigmaringen, a 20 de Novembro de 1920, Dona Amélia mudou-se para França para o Castelo de Bellevue, em Chesnay, nos arredores do Palácio de Versalhes.

Em 2 de Julho de 1932, pouco depois da visita de sua mãe, sem que nada o fizesse prever, El-Rei Dom Manuel II morre imprevisivelmente em Twickenham o mesmo subúrbio londrino onde sua mãe havia nascido. Foi uma morte nada serena, pois, Sua Majestade Fidelíssima, agonizou asfixiado por edema da glote. Para uma mãe consuma-se a derradeira tragédia: perdeu o filho que lhe restara.

A 17 de Maio de 1945, com 80 anos, Sua Majestade a Rainha Dona Amélia de Portugal cruza a fronteira de Vilar Formoso e regressa a Portugal.

Como não podia deixar de ser Dona Amélia visitou as obras de caridade que fundara e, a 19 de Maio, os túmulos dos seus amados marido e filhos, em São Vicente. A 8 de Junho de 1945, Dona Amélia visitou o Santuário de Fátima, onde ofereceu à Virgem um dos seus mantos régios. O seu regresso a Portugal foi uma emotiva viagem ao passado, e, a todos os locais com que havia estabelecido laços.

Quando parte, a 30 de Junho desse ano, na Gare apinhada do seu Povo, que a acarinhou durante toda a estadia, acenou à multidão efusiva e lançou um sentido: “Viva Portugal!”

No dia 25 de Outubro de 1951, após 41 anos e 20 dias de exílio, a Rainha Dona Amélia faleceu no seu Castelo em Versalhes, aos oitenta e seis anos, em consequência de um fatal ataque de uremia. Algumas das suas últimas palavras terão sido: “Quero bem a todos os portugueses, mesmo àqueles que me fizeram mal” e depois “Levem-me para Portugal, adormeço em França mas é em Portugal que quero dormir para sempre”.

O corpo da Rainha foi embarcado na fragata Bartolomeu Dias que trouxe o féretro para Portugal e depois o corpo foi trasladado para junto do marido e dos filhos, no panteão real dos Bragança, na igreja de São Vicente de Fora. Esse foi o seu último desejo na hora de sua morte. O funeral teve honras de Estado e foi acompanhado por grande parte do povo de Lisboa.

“A RAINHA” DE EÇA DE QUEIROZ:

«(…) A rainha de Portugal recebeu do céu favorável este dom de uma beleza adoçada de graça, qu’il fait bon de regarder, e que, só porque aparece, governa. E esta qualidade de mulher se torna social, quase se torna uma virtude de Estado, entre um povo, como o português, tão prontamente, tão finamente sensível à formosura, sobretudo quando ao prendedor encanto da presença se junta, como na rainha, para mais lhe alargar a irradiação, o espírito de sociabilidade, que ela herdou da sua raça e que foi sempre uma das elegâncias morais da sua casa.

(…) Na Rainha de Portugal, este encanto de sociabilidade está todo na sua dignidade familiar, repassada de atenção, penetrada de sensibilidade, fácil em docemente se interessar, fácil em discretamente se igualar, mas séria e concertada, e que sempre um poeta um pouco precioso, como Carlos de Orleães, compararia ao arbusto grácil que se debruça, espalha perfume, derrama frescura, e logo formosamente retoma a sua elevação natural! A nós, Portugueses, povo de porte taciturno que durante séculos se embuçou sempre em grandes capotes e carregou sobre os olhos largos sombreiros, esta fácil, ridente, aberta e desembuçada sociabilidade desconcerta; e mesmo lhe impusemos outrora no começo do século, quando de França só conhecíamos, por um lado, os dançarinos e, por outro, os terroristas, o nome desdenhoso e desconfiado de francesismo. O nosso velho escarpamento moral quase nos impossibilitava de compreender que uma afabilidade sempre activa e difusa, um interesse atento que todo se alvoroça, uma efusão em que se entrega a alma no lampejar de um sorriso, não proviessem do esforço da astúcia, para captar perfidamente a clientela dos simples… E, certamente, a simplicidade conversável da Rainha, a sua afluência de simpatia, a graça acolhedora da sua expressão surpreenderam, quase inspiraram desconfiança a este povo habituado, desde o estabelecimento da monarquia absoluta, a não separar majestade de imobilidade. E data este sentimento do Portugal restaurado, porque então se cimentou entre nós a hirta pragmática cesariana, deixada em Lisboa pela realeza de Espanha, que a herdara da Casa de Áustria. No tempo dos nossos velhos reis, ao contrário, todos os educadores de príncipes lhes ensinavam o alto dever real de comunicar docemente com o povo. Na sua «Doutrina ao Infante D. Luís», o douto humanista Lourenço de Cáceres gravemente lhe recomenda “que se não aparte da afabilidade nem dê pouca parte de si ao povo, pois que não há erro mais nocivo para quem seja de senhorear ânimos portugueses!” E D. Aleixo de Menezes, na sua fala e despedida sublime a el-rei Dom Sebastião, lança estas grandes palavras: “o excesso de afabilidade, senhor, não compromete a autoridade do príncipe… Mas muitos príncipes, relaxando a sua autoridade com os validos e conservando trato altivo para o seu povo, vieram a ser aborrecidos de uns e desestimados de outros.» Hoje, deus louvado, na nossa sociedade tão igualada como um campo de restolho, já não existe possibilidade para reis «de trato altivo»: como na nossa mudada para Lisboa já não existem ruas por onde um D. Pedro I dançasse, metido com os mesteirais, ao clarão festivo das tochas, ao clangor das longas de prata.

(…) Esta afabilidade transparente da rainha permite que se distingam alguns modos do seu pensar e modos do seu sentir, sempre tão difíceis de perceber em príncipes, pois que três opacas muralhas os dissimulam: a etiqueta, o resguardo contra a familiaridade e a timidez, inconveniente tão congénere em príncipes que não faltou a Luís XIV nem a Augusto! Ora, de muitas mulheres, sobretudo de muitas rainhas, apenas se relatou a sua elegância e a sua gentileza – logo se findou a sua curta e mundana história. Na Rainha, porém, para além do brilho visível, existe ainda um harmonioso conjunto de ideias e de sentimentos, interessantes de estudar pela sua elevação e rectidão – e ainda porque, pertencendo a uma Rainha de Portugal, esses pensamentos e esses sentimentos, beneficamente reverterão, como diz a nossa velha lei, «em prol do comum e aproveitança da terra».

O que logo surpreende e cativa na Rainha é a sua completa e carinhosa nacionalização portuguesa; e, no entanto, bem sabemos, nós todos que lidamos com a história, quanto a flor-de-lis é flor difícil de enxertar! Mas aqui o lírio de França mergulhos tão profundamente a raiz no torrão português e tão gratamente absorveu a sua substância que, hoje, na forma, na cor, no aroma, já se não diferença de qualquer fresca e genuína rosa de Portugal. A Rainha ama a nossa terra como se dela houvesse brotado. Um tal amor era sempre instintivo numa rainha da Meia Idade ou ainda da Renascença – porque a realeza se compunha então de paternidade e de posse. O rei governa e protege como pai e dono. Não há vila, cabana, ovelha ou árvore a que ele não deva cuidado paternal e em que não exerça domínio senhorial – que os costumes lhe continuam, mesmo quando as leis lho arrebatam. A ternura pelo povo e pela terra é ampliação da ternura pelo filho e pelo património. Como não amaria, de resto, um rei do século XIV ou XV, numa terra toda sua, uma turba humana toda sua, dócil e filial, que para ele lavra, para ele edifica, para ele combate, para ele ergue as mãos, mesmo antes de as erguer para Deus? Mas uma rainha, hoje, sabe que o povo que a aclama lhe pertence tanto como a qualquer outra mulher que passe ao lado, com o seu cântaro, para a sua fonte. O título que ela conserva e que outrora lhe conferia, espiritualmente, um direito positivo hoje só lhe confere, socialmente, uma função cerimonial. E nem o patriotismo mais ciumento poderia reclamar que uma senhora de terra alheia, desde que entregou a mão, numa igreja, diante de um bispo, a um príncipe nosso, logo entregasse o coração todo, sentidamente, ao povo e à terra de que um contrato a ergueu rainha. Mas, realmente, a Rainha, desde que a lei a tornou portuguesa, logo se desejou portuguesa. Juntamente inteligência e sentimento, alargou os seus belos olhos, avisou o coração, tentou compreender e estimar. A terra logo a enlevou pela sua maravilhosas graça rural. Depois, conheceu a gente, o seu labor paciente, a sua robusta sobriedade, o seu carinho do lar, a sua reverência meiga e sem adulação, a risonha simplicidade com que acolhe a ventura, a tocante conformidade com que aceita a desventura. E desde que tudo compreendeu, tudo amou. Esta afeição, pois, da Rainha por Portugal é não só de simpatia, mas de raciocínio. Pôs nela toda a sua sensibilidade, mas também toda a sua vontade. E bem podemos, pois, louvar nesta Rainha, como consciente virtude, o que noutra rainha, Isabel de Portugal, uma grande santa, de grande altar, não passaria de inconsciente instinto…

De muitos modos, todos inteligentes e úteis, a rainha nutre e aviva esse seu amor por Portugal. Sem que o crespo e o seco dizer dos nossos cronistas a assuste, ela mergulha piedosamente nas nossas crónicas. As nossas velhas indústrias caseiras são um dos seus ternos cuidados. Não podendo restaurar todos os monumentos decaídos, a todos estuda, desenha e indaga a história, para se penetrar da robusta alma que os criou. E o seu entusiasmo não cessa de estimular a inesperada e prometedora renascença do nosso nacionalismo.

Uma das feições mais tocantes da sua alma portuguesa é a admiração pelos homens fortes que fizeram o reino forte. Filha de França, terra de tão alta valentia que Deus a escolheu para seu soldado e por ela fez os seus grandes feitos, gesta Dei per Francos; princesa de uma cãs onde os heróis decerto não escasseiam, pois que quarenta e nove dos seus antepassados morreram soberbamente em combate – a rainha, hoje, sem abandonar a sua afeição filial pelos paladinos da França, sente uma admiração talvez mais enternecida pelos de Portugal, ou por compreender já que eles mais concorreram para a grandeza da humanidade, ou porque, pertencendo ela mesmo à história de Portugal, se afeiçoou por aqueles que tornaram essa história tão poética e tão heróica. Talvez esse Bertrand du Guesclin, de quem, na sua infância, tanto lhe contaram, se ande já desvanecendo no seu espírito ante a sombra mais vasta e mais nobre do nosso Afonso de Albuquerque; e receio mesmo que o puro dos puros, da flor de toda a cavalaria feudal, o bom senhor de Bayard, seja esquecido por aquela maior pureza e melhor flor da cristandade, o santo e grão condestável! Mesmo na sua preferência pelas residências históricas, ela mostra esta religião do velho Portugal. Em Vila Viçosa, que contém tão curioso pedaço da nossa história, desejaria ela decerto que a corte permanecesse, com seu antigo estado paternal e solarengo, entre um povo amorável e familiar, para quem fosse menos a rainha do que a «boa senhora». Ou então, ditosamente, habitaria esse Castelo da Pena, que, sobre a fresca serra, revive, na nossa idade, um castelo de lenda, semiencantado, com mouras nas fontes, todas as tardes misteriosamente embrulhado entre nuvens, e pelas nuvens levado, e nas nuvens desfeito… De resto, Portugal inteiro a encanta e a retém, como pátria sua: e onde esta princesa de França agora se senta estranha, e vagamente exilada, é na terra de França!… Oh!, decerto a ama – porque não é esta pátria que se esqueça, sobretudo quando se vem dos reis que a criaram. Mas mesmo neste velho Paris, entre o Louvre e Notre-Dame, tão cheios dos seus, talvez ela se surpreenda a pensar saudosamente naquela quieta, e simples, e assoalhada calçadinha que sobe para as Necessidades…

A Rainha, como a sua graça afável o anuncia, possui a bondade nas suas formas amáveis – a tolerância, a bem-querença, a doçura com os humildes, a piedade de todo o mal. Mas na sua alma portuguesa a bondade floresce principalmente, sob uma forma toda nossa e do nosso povo – a caridade. Oh!, bem sei! A caridade pertence a todas as terras, porque a todas, com um fulgor mais intenso ou ténue, penetra o espírito de Deus.

(…) Portugueses não se enredam nestas subtilezas de doutrina. Perante a mão que suplica, não parámos a desejar que ela agarrasse antes uma ferramenta para obter a abundância individual, ou que empolgasse antes uma forte para impor a igualdade social. Não: muito candidamente, escandalizando o economismo e o socialismo – palpamos o bolso, com viveza amorável, e damos.

A rainha tem esta expressão sentimental e anti-doutrinária da caridade portuguesa. É uma senhora de grande e dedicada esmola. E a sua esmola não baixa majestosamente do trono, numa salva, de alabardeiros. Ela própria a leva, sob um véu espesso, a todos os recantos, onde pressinta uma lareira apagada, farrapos tão rotos que já nem se remendam, a enxerga pisada pelo lento sofrer. Mas ao mesmo tempo, como francesa, ama a caridade nacional, que se organiza, se arma em instituição, derrama o bem por estatuto. Dessa nasceu o seu dispensário admirável. E, assim, a senhora excelente dá com a razão, dá com o coração; dá calculadamente, por livros bem escriturados, e dá compassivamente, ao acaso da sua sensibilidade, talvez errando pelo lado da ciência, mas acertando pelo lado de Deus.

(…) O encanto especial da esmola da rainha está no silêncio abafado com que a espalha. E não pelo receio de que a sua esmola pareça, aos que a testemunham, o preço tortuoso da sua popularidade – mas pelo desejo que a esmola chegue àqueles que a recebem como o escondido quinhão da fraternidade. E outro encanto ainda reside nesse complemento da caridade que os santos padres tanto exaltam, a avareza para connosco, bem apertada, acompanhando a liberalidade para os outros, bem solta! A rainha, moça, bela mas não rica, poupa no seu luxo para esbanjar na sua beneficência; e a sua simplicidade é mais que uma escolha de gosto, é uma imposição do dever.

(…) Uma bondade assim forte e activa, nos limites em que encerram a etiqueta e os costumes reais, já denota um espírito sério. Mas toda a vida da rainha constitui uma manifestação perene dessa seriedade desejável. Se percorrermos a história íntima dos estados, observamos logo, com tristeza ou com malícia, que o mal da frivolidade grassa fundamente nas rainhas, e que, ou se ocupem de luxo, ou de sentimentalidade galante, ou de intrigas dinásticas, ou de enredos de corte, ou de parcialidades de religião, ou de tramas políticas, as suas vidas se resumem em confusão e ruído estéril. Ditosa ainda a Nação, quando à poeira que elas ergueram, se não mistura sangue! Neste século, porém, mesmo sem aludir à triunfal soberana que o enche e que, como Augusto, criou uma era, a era vitoriana, abundam rainhas estimáveis pelo carácter, pela inteligência, pela compreensão da dignidade real, pelo fecundo emprego da existência. A rainha de Portugal pertence a essas soberanas bem louvadas, que, por lhes faltarem já tantos direitos e, não desejando definhar na inutilidade através das frias salas dos paços, se impõem muitos e graves e laboriosos deveres. E a dois desses deveres se aplica a rainha com tocante atenção, ao dever íntimo e teologal, como lhe chamaria um padre da Igreja, do aperfeiçoamento próprio, e ao dever público, nacional, da educação dos príncipes.

No aperfeiçoamento próprio, a rainha conserva sempre presente, além da necessidade superior de ornar o espírito, a obrigação de se abastecer, de se completar para a sua missão real. As suas leituras copiosas e cuidadas, todas se concentram sobre as memórias que oferecem ainda o mais seguro caminho de se penetrar nas almas e nos motivos humanos. Mesmo as artes, que ama com uma fidelidade fina, sobretudo a pintura, em que revela observação e a certeza fácil do traço expressivo, elas as aproveita para mais e melhor impregnar das feições, dos costumes, dos aspectos do povo e da terra que é rainha. Na música, a sua afeição vai para as cantigas populares deste velho Portugal que galanteia cantando, trabalha cantando, fala a Deus cantando e, cantando, embala a morte. E mesmo nesse robustecimento do corpo que a Antiguidade estabeleceu como um dever religioso e que nós estamos, felizmente, organizando como um dever social, a rainha prefere a todos os exercícios de um cunho rija e velhamente português; e se a sei apaixonada da Nobre e Liberal Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela, não a suponho menos afeiçoada a toda essa destra, valente e salutar campanha que Portugal mantém com o touro, desde a ferra até à lide!

Assim, além da larga porção do cerimonial de estado que a constituição lhe impõe (e a que nós, solitários trabalhadores da pena, parece tão acabrunhadora), a rainha passa uma vida de labor intelectual, esmerado, fecundo e patriótico. Mas o seu trabalho genuinamente patriótico é o da educação dos príncipes. E não porque ela se esforce em os tornar só príncipes, no rígido sentido monárquico, mas porque neles aspira a que cresçam dois homens, no mais vasto e nobre sentido humano. A educação de um príncipe! Ponderoso problema filosófico de todo o erudito século XVII e ainda do ligeiro e generoso século XVIII! Nenhum tem, como este, afiou a sagacidade dos moralistas. Quantos suculentos e majestosos programas! Quantos tratados fecundos, embebidos de todas as preciosidades da ética, de toda a experiência do classicismo, de toda a comentação da Natureza! E o resultado desta tão repleta pedagogia do Estado, para que concorriam prelados, humanistas, magistrados, filósofos, poetas, marechais, era quase sempre, em toda a pobre Europa, era sempre uma série de príncipes detestáveis ou risíveis. Todavia, em obediência ao exemplo sublime de Alexandre, o maior dos príncipes, educado por Aristóteles, o maior dos homens, sempre os reis deram aos seus filhos, como preceptores, os personagens superiormente ilustres do seu reinado. Debalde! Fénelon transformou o Duque de Borgonha, que «nascera terrível», como afirma Saint-Simon, num filósofo cheio de dignidade e mansidão; mas todos os preceptores famosos falhavam, e das suas lições doutíssimas, dos seus cuidados piedosos, surdia ora um insignificante, ora um burlesco ora um monstro! Porquê, severos céus? Porque os nobres preceptores, já recebiam os principezinhos do escuro fundo dos paços, com a natureza irremediavelmente estragada pela camarilha interesseira de saias e librés!

Para além dos Pirenéus, só uma casa real, a Casa de Orleães, ao findar o século XVIII, educava os seus príncipes com verdadeiro amor pelo carácter e pela inteligência. (…) A uma princesa dessa casa cabe hoje educar dois filhos, príncipes de Portugal. E nesta missão, ao que parece, os seus cuidados tendem menos a ensinar prendas do que criar virtudes. Neste singelo programa de pedagogia maternal, vede já que fecunda revolução! E quando a rainha a tiver realizado, se a realizar com ventura, terá cumprido esplêndido feito. Branca de Castela quase ficou santa de calendário por ter guiado, para a santidade, S. Luís, rei de França. A sua glória reluz, também, na história, por ter feito de Luís, não o doce santo, mas o nobre rei. Todavia, mais a eleva entre as mulheres, e lhe rende os corações, o ter formado, em Luís, aquele perfeito espelho de doçura, clemência, misericórdia, e quase divina amizade pelos homens.

S. Luís é uma encantadora imagem, para que eu me detenha junto dela nestes pensamentos sobre a sua neta excelente. De resto, antes esta princesa qu’il fait bon regarder, graciosa, boa e bela, tão portuguesa, tão doce de emoções, tão recta de instintos, desejosa de bem-fazer, atenta a bem pensar, leal e amena, corajosa com a serena coragem da sua casa, sensata com o luminoso senso da sua raça, toda penetrada dos seus deveres reais, toda alvoraçada pelos seus deveres maternos, de uma dignidade benigna, de uma seriedade carinhosa – eu não tentei compor um retrato como eles se usavam e estimavam nas polidas letras do século XVIII. E como poderia? E como saberia? Sempre a obscuridade e a sorte me trouxeram alheio à corte. Na minha terra, onde nem vivo, eu sou apenas um cansado e velho fazedor de livros, que passa. Só raramente penetro no Paço, por aquela grata escada que em Versalhes se chama l’escalier des poètes, e por onde se sobe, menos à presença do rei do que ao trato interessante do erudito e do artista que é o rei.

(…) Mas uma rainha gracieuse, bonne e belle, certamente me encanta. E, pois que o nosso pobre mundo tanto necessita de doçura e bondade, sinceramente creio na vantagem social de que, por vezes, uma rainha irradie um pouco da sua doçura, da sua bondade, da sua beleza, sobre os costumes, os espíritos e as leis. Assim eu tivera a fina arte de tornar esta, que é rainha de Portugal, bem compreensível… Não tenho – porque, «pássaro solitário e humilde», como diz Camões, mal posso eu mesmo compreender quem se move em paragem tão complicada e remota da minha «riba solitária e simples…»

Fontes:
. Eça de Queiroz in “A Rainha”, 1898

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