Real Associação de Viana do Castelo
“A partir de certa altura passei a dormir fora de casa”
Onde é que estava no 25 de Abril?
Estava em Saigão e na véspera tinha jantado com o presidente do
Parlamento, o senhor Tram van Lang, antigo ministro dos Negócios
Estrangeiros. Na manhã de 25, telefona-me a dar a notícia dizendo “boas
notícias: a sua revolução ganhou”. Eu tinha-lhe dito que provavelmente
um grupo de militares patriotas, como Spínola, Silvério Marques, Galvão
de Melo, iriam provavelmente mudar a situação em Portugal. Daí o senhor
pensar que eu estava dentro do movimento!
Qual foi a sua reacção?
Mandei um telegrama ao marechal Spínola felicitando-o e informando-o de que estava à disposição para o que fosse útil.
Que episódio o marcou mais?
O ambiente festivo e alegre que rodeou o golpe militar e que me parece uma característica única portuguesa.
Qual é a figura que na sua opinião marcou o 25 de Abril?
O marechal António de Spínola.
O que mudou na sua vida pessoal?
Passei a ter a possibilidade de transmitir as minhas
opiniões políticas nos meios de comunicação, quando antigamente só o
semanário monárquico O Debate é que me entrevistava. Por outro lado, a
angustiante situação que se começou a viver nos antigos territórios
ultramarinos, assim como o facto de o COPCON (Comando Operacional do
Continente) ter invadido o meu escritório, também me marcaram bastante. A
partir de certa altura, passei a dormir fora de casa.
O que de positivo trouxe o 25 de Abril?
Obviamente, as novas liberdades políticas que a II República nunca
tinha aceitado foram um dado altamente positivo. Mas a participação
cívica dos portugueses na construção do nosso futuro ainda está muito
longe do que deveria ser, apesar de já terem passado quase 40 anos.
E de negativo?
O mais grave foi o modo altamente irresponsável como foi transferido o
poder nos antigos territórios ultramarinos para os “movimentos de
libertação armados” sem qualquer consulta democrática das populações.
Essa situação levou às guerras civis que destruíram a maioria desses
países e durante anos provocaram centenas de milhares de mortos,
comprometendo gravemente o seu desenvolvimento económico e político. A
própria economia portuguesa sofreu um enorme atraso do qual ainda não
recuperámos. Este atraso tem de ser calculado comparando-nos, por
exemplo, com a Espanha, que em 1974 não estava mais desenvolvida do que
Portugal e que entretanto nos ultrapassou graças a uma transição
democrática pacífica, que ficou a dever-se ao facto de ser uma
monarquia.
O que falta mudar?
Falta uma verdadeira educação cívica e moral (ou ética, como preferem
dizer os politicamente correctos) para que as liberdades e instituições
democráticas sejam utilizadas para o bem da sociedade e não para o
enriquecimento pessoal e imoral de muitos, o que desacredita
profundamente esta III República e tem sido a causa do nosso deficit e
económico.
A desresponsabilização e a impunidade dos desonestos são, em parte, provocadas pela nossa obsoleta e viciada legislação.
Ainda faz sentido falar nos ideais de Abril?
Os ideais de liberdade e progresso e etc. fazem todo o sentido
continuar a ser defendidos. As utopias políticas e económicas que
contribuíram para o Estado entrar em falência fraudulenta é que fazem
menos sentido.
O que acha quando se diz que Portugal precisa de uma nova revolução?
Eu tenho defendido a necessidade de uma revolução cultural e moral.
Cultural, para que consigamos perceber que os responsáveis do drama que
vivemos somos nós próprios. Por ignorância e por falta de raciocínio
lógico, tomámos decisões económicas e políticas erradas. Moral, porque a
imoralidade, causa da corrupção, é o principal factor do deficit das
contas públicas. Uma entidade internacional especialista nos problemas
da corrupção calculou que se esta tivesse sido controlada Portugal
estaria hoje ao nível económico da Dinamarca. Com uma excepção, que acaba
por confirmar a regra, nos países europeus onde a chefia de Estado é
independente, nomeadamente onde é assumida por Reis e rainhas, os
desvios dos governos têm sido melhor controlados.
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