Apesar da comitiva e da segurança, não dei por que
os Reis de Espanha estivessem no hotel. Um Secretário de Estado
português teria sido mais conspícuo. Não vi o rei Juan Carlos que não
saiu do último andar, excepto no dia em que se foi embora. Mas vi a
rainha na varanda comum, a tomar um chá e a discutir com um secretário
com muitos papéis não sei que problema. Na mesa do lado, a ler um livro,
nunca me distraíram ou incomodaram. Aquela monarquia despretensiosa e
bem-educada não me pareceu um perigo para ninguém. De resto, não passa
de um símbolo, com algumas funções de representação e,
constitucionalmente, sem sombra de poder político. Como em Inglaterra, o
rei nem sequer dissolve o parlamento e lê no parlamento os discursos
que o governo lhe manda.
Agora, Juan Carlos resolveu abdicar e foi
substituído por Filipe VI. Parece que Juan Carlos perdeu o prestígio
por causa de uns tantos casos de infidelidade conjugal (que não se
percebe como interessam ao Estado) e por causa de uma caçada ao elefante
no Botswana, em que partiu uma perna (um genro vigarista no tribunal
também não ajudou). Nas cerimónias de sucessão, uns vagos milhares de
pessoas gritaram “España mañana será republicana”, provavelmente
inconciliáveis da guerra civil (1936-1939) ou anti-franquistas que
guardaram uma velha vontade de revanche. Esperemos que nunca aí se
chegue por duas razões. Primeira, porque o rei é melhor garantia da
unidade do país. E, segunda, porque a República tarde ou cedo criaria um
tumulto em Espanha e na Europa.
Um presidente sairia por força de
uma das nacionalidades de Espanha que se autodenominam “históricas”
(Castela, Catalunha, o País Basco e a Galiza), sendo suspeito aos grupos
que ficassem de fora: uma receita infalível para a desordem e o
conflito. Pior ainda, a dissolução de Espanha iria inevitavelmente
encorajar o separatismo da Escócia e do norte de Itália. De qualquer
maneira, não se compreende a ansiedade de um pequeno povo para se fechar
na sua pequenez (nós por aqui sabemos bem quanto ela custa) ou o desejo
de falar uma língua que ninguém mais fala ou escreve. Esta perversão do
paroquialismo, numa economia global e num mundo em que o inglês se
tornou de facto a “língua franca”, leva fatalmente ao isolamento e à
fraqueza, pelo prazer de uma glória “nacional” sem sentido. A Escócia,
pelo menos, quer ficar com a rainha e, de caminho, com a libra.
BELÍSSIMO TEXTO! Como seria de esperar...
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