É certo que já o nosso Rei Fundador, Dom Afonso Henriques tinha
agentes encarregues de recolher informações sobre o inimigo para o
entender e enganar, assim como Dom João I e o Condestável São Nuno de
Santa Maria Álvares Pereira trataram de formar uma rede de obtenção de
informações para melhor conhecer o inimigo e engendrar a táctica que os
haveria de conduzir à vitória em Aljubarrota.
Da mesma forma o Infante Dom Henrique quando preparou o início da
Epopeia dos Descobrimentos utilizou a colecta de informações para obter o
êxito dos seus objectivos de expansão marítima e comercial, mas, não
bastando ser o Príncipe Perfeito, foi El-Rei Dom João II o pioneiro dos
serviços secretos mundiais, pois foi ao Serviço de Sua Majestade que
surgiu a primeira rede de espiões profissionais como instrumento ao
serviço da Coroa: os Lançados.
Estes agentes, os Lançados, eram desembarcados na costa oriental de
África e depois seguiam para o interior recolhendo informação que
facilitasse a expansão portuguesa no continente que se começava a
explorar, e sobretudo sobre o então lendário Reino de Preste João. Eram
homens de uma enorme coragem lançados no desconhecido e que por isso
lhes deram o nome indígena de Tangomaos, sendo que tangomao significa:
‘aquele que morre ausente ou desterrado da pátria’. Um deles foi Afonso
de Paiva que empreendeu uma jornada que hoje se poderá considerar épica,
e que se destinou a preparar a viagem do navegador Vasco da Gama à
Índia. Porém, o mais famoso destes lançados foi, certamente, Pêro da
Covilhã, senhor de um carisma de fazer sombra a um certo espião nada
secreto ao serviço de outra Majestade, e que corresponde à visão heróica
contemporânea de um agente secreto: mestre na arte de manejar armas –
neste caso a espada e o arco e flecha – e senhor de recursos atléticos e
intelectuais notáveis – dominava diversas línguas e dialectos – o
temerário nascido na Serra da Estrela, confirmou no terreno e por actos a
proverbial coragem dos beirões dos Montes Hermínios. Por ordem directa
d’El-Rei Dom João II deslocou-se à Abissínia e à Índia sondando pela
localização do reino de Preste João. No Cairo foi o primeiro europeu a
contrair a Febre do Nilo, que quase lhe tirava a vida, mas que venceu
para logo atravessar o deserto do Sinai e passando por Medina e Meca,
desembocar na Etiópia. Daí embarcou numa nau que o levou a Calecut, Goa e
ao Golfo de Ormuz, sempre recolhendo informações sobre a navegação até à
Índia e sobre a possibilidade da circundação de África, por mar, para
chegar à Índia, a famosa viagem que viria a ser empreendida com sucesso
por Vasco da Gama e que terminaria em 1498, e, que sem dúvida, não seria
possível sem a ‘intel’ recolhida por Pêro da Covilhã e que compilaria
no relatório que enviou ao Rei de Portugal sob o título de ‘Verdadeira
Informação das Terras de Preste João das Índias’. O espião-aventureiro
haveria de falecer na Etiópia, reino onde uma vez que se entrasse já não
se podia sair, mas mantendo-se sempre ao serviço de Sua Majestade o Rei
de Portugal.
Mas a afirmação de que Dom João II criou um verdadeiro serviço
secreto de informações na percepção que hoje se tem desses serviços,
deve-se não só a esses labores dos espiões, ainda não românticos, mas
com forte sentido de honra, mas também à criação de uma rede que tinha
não só a incumbência de recolher ‘intelligencia’, mas, também, a missão
da produção de contra-informação e a prevenção de actos que pela sua
natureza pudessem perigar os intentos descobridores da Coroa Portuguesa,
atentar contra a vida do Monarca e por em risco a soberania nacional.
Assim, Dom João II ganhou o cognome de Príncipe Perfeito, pois em
tudo o que fazia ou deliberava punha um cunho de perfeição, e para o
sucesso das suas decisões em termos de política externa e geoestratégia
contava sem dúvida as decisões que tomava em função da informação
privilegiada que os seus serviços secretos recolhiam e que o tornavam no
mais esclarecido dos monarcas europeus da época. Prova disso, e
expoente máximo da sua política, é o Tratado de Tordesilhas, assinado,
em 1494, pelo Rei de Portugal e pelos Reis Católicos dos Reinos de
Castela, Leão, Aragão, etc., a que comummente se dá o nome de Reino de
Espanha.
É muitas vezes apontada a tese de que a Descoberta do Brasil, apesar
de ter ocorrido oficialmente em 1500, por Pedro Álvares Cabral ao
serviço d’El-Rei Dom Manuel I de Portugal, já havia sido achado nas
misteriosas viagens do capitão Duarte Pacheco Pereira para oeste de Cabo
Verde e que um lançado de nome João Fernandes ‘Lavrador’ terá mesmo
feito uma pequeníssima exploração do território. Então, sabendo disso,
Dom João II nas negociações do Tratado de Tordesilhas tudo fez para que o
acordo fosse gizado daquela forma, incluindo a ainda por descobrir
Terra de Vera Cruz.
Dom João II, logo que ascendeu ao trono, tomou uma série de medidas
com vista a retirar poder à aristocracia e a concentrá-lo em si próprio
e, já em 1482, D. João II centralizou na coroa a exploração e comércio
na costa da Mina e Golfo da Guiné.
Imediatamente, começaram as conspirações. Os seus agentes secretos,
também, foram utilizados nos jogos de poder internos, mantendo a nobreza
debaixo de olho, e foi deste modo que foi descoberta a conspiração de
D. Fernando II, Duque de Bragança que trocou com os Reis Católicos de
Espanha diversa correspondência. Essas cartas de reclamação e pedidos de
intervenção foram descobertos pelos agentes ao serviço de Dom João II e
tiveram papel fundamental na prova produzida no julgamento do Duque que
seria condenado e executado por traição. Um ano mais tarde outra
conspiração chegou aos ouvidos do monarca: desta feita o primo e cunhado
de D. João II, D. Diogo, Duque de Viseu (irmão da rainha D. Leonor),
concebeu um plano para apunhalar o soberano na praia, em Setúbal – o
próprio Rei degolou o maquinador. Mais 80 membros da nobreza e mesmo do
clero haveriam de conhecer igual destino, até que acabaram as tramas na
Corte.
Ainda, neste âmbito, do secretismo, o Rei Dom João II estabeleceu,
ainda, o Segredo de Estado: a salvaguarda dos segredos e da tecnologia
marítima de que Portugal foi pioneiro, com vista à supremacia da sua
política de expansão marítima, proibindo a divulgação dos planos de
construção e a venda de caravelas portuguesas. Criou o conceito de
material classificado, organizando e limitando o acesso a esses
segredos, que eram agora da Coroa e do Estado. Assim, passou a haver
níveis de informação com diferentes graus de acesso que estava limitado a
pessoas autorizadas para o fazer consoante a sua grandeza na cadeia de
comando, peso estratégico e posição no Estado. Desta forma mapas, cartas
de marear, livros de astronomia, roteiros de viagem, instrumentos de
navegação ficavam apenas ao alcance de quem tivesse autorização régia
para os usar, pois eram ‘classified & top secret’. Dom João II,
proibiu ainda pilotos, mestres e marinheiros de servir nações e
entidades estrangeiras adversárias. Para quem violasse estas regras
instituídas pela Coroa, severas penas estavam reservadas, pois
constituiriam acto de traição – tal como nos nossos dias.
A plenitude das descobertas portuguesas do reinado de Dom João II
permanece desconhecida. Muita informação foi conservada em segredo de
Estado por razões políticas e estratégicas e os arquivos do período
foram destruídos no Terramoto de 1755. Ainda há teses de que Cristóvão
Colombo não foi o primeiro a chegar à América. Para suportar esta
hipótese são citados com frequência os cálculos mais precisos que os
portugueses tinham do diâmetro da Terra. No fim do século XV, existia em
Portugal uma escola de navegação, cartografia e matemática há mais de
oitenta anos, onde os cientistas e sábios mais inteligentes e engenhosos
se dedicavam à pesquisa e criação. Enquanto Colombo acreditava poder
chegar à Índia seguindo para oeste, é provável que o Rei D. João II já
soubesse da existência de um continente no meio. Outros ainda defendem
que Colombo era um agente português, o que parece menos verosímil, uma
vez que o navegador passou 20 anos numa parte da América a achar que era
o Japão pelo que entendemos que Cristóvão Colombo apenas seguia o
entendimento da época que acreditava haver apenas o Atlântico a separar a
Europa do País do Sol Nascente.
A esta criação de Dom João II chama-se ‘Visão!’, e por isso noutros tempos – no Tempo dos Reis – Portugal foi Grande!
Nunca mais, nem em tempos da Monarquia existiu uma rede de serviços
de informação tão eficaz, pois os agentes de Pombal eram meros
repressores e os Pinamaniqueiros perseguidores de ideias. Já à ‘Polícia
Preventiva’ da Monarquia Constitucional, talvez por ser a época de maior
liberdade que Portugal gozou – censura inexistente e total liberdade de
expressão (lembremos só as Farpas e a caricaturas de Bordal Pinheiro)
-, passou quase tudo ao lado: os engenhos artesanais de João Borges e
Manuel Ramos, o Regicídio, o recrutamento da Carbonária nos quartéis –
especialmente na Marinha -, os tumultos, a revolução que implantou a
república, etc.
Depois disso, com o novo regímen veio a Polícia Cívica, e, em vez de
agentes de recolha de informação, passou a haver – grosso modo –
‘canários’, e as conveniências protegidas passaram a ser as pessoais e
os serviços usados como instrumento de repressão e não de consecução dos
interesses da Nação!
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
Sem comentários:
Enviar um comentário