Em 1661, a Rainha regente D. Luísa de Gusmão, digníssima viúva d’El
Rei Dom João IV, o Restaurador, declarou em cortes o contrato nupcial,
aprovado pelo Conselho de Estado, do casamento da Infanta Dona Catarina
Henriqueta de Portugal com o Rei Carlos II de Inglaterra. Seguiu-se um
contrato de paz, com artigos muito curiosos, publicado no Gabinete histórico,
de Frei Cláudio da Conceição, onde vem a descrição do real consórcio:
«0 nosso augusto Soberano Lorde Carlos II, pela Graça de Deus, rei da
Grã-Bretanha, França e Irlanda, Defensor da Fé e a Ilustríssima Princesa
D. Catarina, Infanta de Portugal, filha do falecido D. João IV, e irmã
de D. Afonso, presente rei de Portugal, foram casados em Portsmouth na
quinta-feira, vigésimo segundo dia de Maio, do ano do N. Sr. de 1662,
14.º do reinado de SM, pelo R. R. F. in G. Gilbert, Bispo Lorde de
Londres, Deão da Real Capela de Sua Majestade na presença de grande
parte da nobreza dos domínios de Sua Majestade e da de Portugal.»
Dona Catarina não foi uma rainha popular em Inglaterra por não ter
descendência e por ser católica – o que a impediu de ser coroada -, mas
uma infanta nascida e criada no seio de uma família real ilustrada,
culta; educada nos costumes e hábitos tradicionais portugueses não podia
deixar de ter uma influência indelével na nação que, apesar de tudo, a
não acolhera. Assim, entre muitos hábitos e práticas que levou, ficará,
para sempre, como a responsável pela introdução do chá em Inglaterra.
Natural da China, o chá foi introduzido na Europa pelos portugueses
no século XVI. Assim, este foi um hábito que Dona Catarina levou de casa
e que continuou a seguir em Inglaterra, organizando reuniões de
senhoras a meio da tarde na qual se bebericava a famosa e reconfortante
bebida.
O hábito de beber chá já existiria, num período em que a Companhia das Índias Orientais o
estava a vender abaixo do preço comercializado pelos Holandeses e o
anunciava como uma panaceia para a apoplexia, epilepsia, catarro,
cólica, tuberculose, tonturas, pedra, letargia, enxaquecas e vertigem –
um verdadeiro cura tudo e mais alguma coisa -, mas foi Dona Catarina de
Bragança que o transformou na “instituição” que os ingleses hoje
conhecem por “Chá das Cinco”, o tão famoso quanto imprescindível “five o’clock tea“.
Acresce que, o consumo deste produto era apanágio das esferas mais
altas da sociedade. Em consequência, também, surgiu a expressão: “Ter
falta de chá!”, dirigida a alguém que não tem educação ou que não tem
maneiras, uma vez que o chá era originariamente consumido por famílias
nobres, presumidamente mais sofisticadas. Hoje, claro que numa sociedade
burguesa e plutocrata, em que o dinheiro é o mote, não está garantido
que haja na alta-roda muito chá, até porque podem-no não ter tomado em
pequeno!
Assim, Dona Catarina de Bragança deixou pelo menos a Inglaterra a
rotina de beber chá que se tornou um dos hábitos tipicamente britânicos,
mas que não foi o único: deixou, também, o costume do consumo da geleia
de laranja. A compota de laranja que os ingleses designam de
“marmelade”, usando, erroneamente, o termo português marmelada, foi
levada pela Infanta portuguesa que recebia regularmente as remessas de
cestas de laranjas enviadas pela mãe, algumas das quais azedavam na
viagem. Dona Catarina conservara o costume português de fazer compotas
e, curiosamente, a Rainha de Inglaterra servia a sua vingançazinha ao
guardar a compota de laranjas doces para si e para as suas damas de
companhia e amigas e a de laranjas amargas para as inimigas,
particularmente, para as concubinas reais.
Mas a revolução cultural que Dona Catarina, Infanta de Portugal e
Rainha de Inglaterra, operou na Corte inglesa não ficou por aqui. Também
lá introduziu o uso dos talheres – pois antes disso os ingleses, mesmo a
realeza e a aristocracia mais fina, comiam com as mãos, levando os
alimentos à boca com três dedos (polegar, indicador e médio) da mão
direita. Apesar de o garfo já ser conhecido, só era usado para trinchar
ou servir, ora na Corte Portuguesa, que à época ditava o bem ser,
Catarina estava habituada a utilizá-lo para levar os alimentos à boca e,
em breve, todos começaram a seguir o exemplo da rainha em Inglaterra.
Também foi Dona Catarina a introduzir o tabaco em Terras de Sua
Majestade e em breve todos os ingleses passaram a andar de caixinha de
rapé no bolso do colete.
Há já muito tempo que, em Portugal, se utilizavam pratos de porcelana
para comer, ora em Inglaterra, ainda comiam em pratos de ouro ou de
prata, muito menos higiénicos, ora com a Infanta de Portugal a utilizar a
‘fine china, a partir de aí, o uso de louça de porcelana
generalizou-se, também, por lá.
Era hábito na Corte portuguesa os saraus em que se ouvia ópera, ora
como Dona Cataraina levara no seu séquito uma orquestra de músicos
portugueses, e foi por sua mão que se ouviu a primeira ópera em
Inglaterra, legando dessa forma mais uma importante herança cultural.
Bravo, Dona Catarina, pelo enorme legado que deixou!
E haveria Império britânico sem o fabuloso dote de Dona Catarina de
Bragança que para além da uma exorbitante quantia em dinheiro incluía
ainda a cidade de Tânger, no Norte de África e a ilha de Bombaim, na
Índia?! Pelo que, depois de receber a importante e estratégica Bombaim
dos portugueses, o monarca inglês rei Carlos II autorizou a Companhia
das Índias Orientais a adquirir mais territórios, nascendo, desse modo, o
Império Britânico!
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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