No dia em que o Rei fez 20 anos, na varanda do Palácio dos Carrancas, no Porto, é saudado efusivamente pelo Povo
A 15 de Novembro de 1889, no Palácio de Belém, em Lisboa, nasceu o
Infante Dom Manuel de Bragança, Duque de Beja e varão secundogénito dos
Reis Dom Carlos I e Dona Amélia – D. Carlos subira ao trono um mês
antes.
Tal como o irmão mais velho, o Príncipe Real Dom Luís Filipe, foi
entregue aos cuidados da ama Maria dos Anjos, e depois da aia Carlota de
Campos e da Dama D. Isabel Saldanha da Gama, da Casa da Ponte. Os
jovens príncipes tiveram uma infância feliz aos cuidados de uma mãe
extremosa, de uma cuidadosa dama de companhia e da carinhosa Calita, a
aia. Por vontade da Rainha Dona Amélia os jovens príncipes convivem com
outras crianças da sua idade filhos das mais famílias da nobreza do
Reino.
Uma cuidada e rigorosa educação, revelou as qualidades inatas dos
Príncipes, mas despertou-lhes também a cordialidade, a amabilidade e
mesmo a bondade para com os outros, atributos de que haveriam de dar
provas muito frequentemente.
Dom Manuel muito cedo revelou a sua erudição e dedicação ao culto das
letras, facilmente comprovados pois o Infante de Portugal, aos seis
anos já falava e escrevia em francês. ‘Primorosamente educado, nunca
fazia sentir aos que d’Ele se acercavam que era o Rei. Prudente, grave,
reflexivo. Era dominadora a sua paixão pelos livros. O estudo e as
investigações históricas, por vezes o levavam ao esgotamento, com grave
prejuízo da sua precária saúde. Comedido, moderado, adorando a paz, a
tranquilidade, a aplicação. Trabalhava sempre, sem descanso, quase
freneticamente’, retratou, a el-Rei Dom Manuel II, Costa Cabral in ‘Memórias II’.
Para isso estudou línguas, história e música com o professor Rey
Colaço, mas sem esquecer que a Família Real tem de servir o Reino e
assim o Duque de Beja teve como preceptor de balística, táctica e
topografia o tenente-coronel José de Castro. Em 1907, iniciou os seus
estudos de preparação para ingresso na Escola Naval, preparando-se para
seguir carreira na Marinha.
Após uma estadia de alguns dias em Vila Viçosa, com toda a Família
Real, havia regressado mais cedo a Lisboa precisamente para se preparar
para os exames da Escola Naval, tendo ido esperar o resto da Família ao
Terreiro do Paço e eis que o destino do futuro marinheiro se viu
alterado pelo terrível atentado terrorista conhecido como o Regicídio em
que o Rei Dom Carlos I, aos 44 anos de idade, e o Príncipe Real Dom
Luís Filipe, aos 20 anos, foram tragados à vida pelos facínoras da
Carbonária.
Mudou, também, o destino de Dom Manuel II que ascendeu a Rei, mas um
Príncipe é educado para a abnegação pessoal às suas funções e devoção
exclusiva ao bem do País, pelo que estará sempre pronto a servir a Nação
da maneira que for a mais adequada.
O Seu nascer impôs-Lhe bem cumprir o Dever herdado dos Reis da Dinastia de Aviz e de Bragança: ‘Depois de Vós, Nós’! Servir… Sempre Servir é o Duro Ofício e Destino dos Reis – Para Bem de Portugal!
De facto, SM El-Rei Dom Manuel II de Portugal era Senhor de um
temperamento calmo e conciliador, sem deixar de evidenciar espírito
crítico, pelo que foi um modelo de monarca constitucional, respeitador
zeloso da separação de poderes e das liberdades políticas e públicas que
proporcionou um período de Acalmação política. Acarinhado pelo
Povo, era amiúde alvo de demonstrações que o confirmavam – como se pode
constatar pela foto do Seu 20.º aniversário (1909) em que na varanda do
Palácio dos Carrancas, no Porto, é saudado efusivamente pelo
Povo. Porém, o Seu Reinado não resistiu à sedição dos batalhões
infiltrados pela carbonária, às bombas dos anarquistas, aos interesses
dos pedreiros-livres da Maçonaria e do seu braço armado, juntamente com a
inépcia dos políticos e das chefias militares e com a complacência do
olhar convenientemente para o lado de alguns áulicos e políticos
monárquicos, que por acção ou omissão ajudaram o coup de 5 de Outubro a implantar o novo regime republicano.
‘Os crimes da república, tornados possíveis pela
desgraçada incapacidade monárquica e pela indiferença da maioria dos
portugueses, estão agora dando o seu fruto, que, quando absolutamente
maduro, será a derrocada de tudo! (…) Estamos chegados ao “fim do fim”! A
última esperança foi-se e só vejo diante de nós um pântano!! Que
horror, que tristeza… É uma profunda tristeza e por ora não vejo o
remédio ao mal profundo que está matando o País, pois, com mágoa o digo,
os portugueses estão-se parecendo com uns macacos do Brasil que quando
caem num rio, põem as mãos na cabeça, vão para o fundo da água e morrem
afogados.’ – S.M.F. El-Rei Dom Manuel II de Portugal
‘Forçado pelas circunstâncias, vejo-me obrigado a
embarcar no iate Real “Amélia”. Sou Português e sê-lo-ei sempre. Tenho a
convicção de ter sempre cumprido o meu dever de Rei em todas as
circunstâncias e de ter posto o meu coração e a minha vida ao serviço do
meu País. Espero que Ele, convicto dos meus direitos e da minha
dedicação, o saberá reconhecer. VIVA PORTUGAL!’ – S.M.F. El-Rei O Senhor Dom Manuel II de Portugal
O gosto pelos livros sempre fora um deleite para D. Manuel II, mas os afazeres primeiro de príncipe suplente
e, em consequência do terrível regicídio, de Rei, impossibilitavam-no
de se dedicar como desejaria a esta paixão. Ora, com o golpe republicano
que, contra a vontade geral, derrubou a Monarquia, nos seus anos de
exílio, Dom Manuel II dedicou-se aos livros e aplicou-se nos estudos
literários.
No exílio, em Inglaterra, foi então tempo de, sem deixar de se
interessar pela política, aprimorar os seus dotes culturais. Elevou a
sua perícia como organista à perfeição e, mais importante, tornou-se um
erudito de mérito reconhecido.
Dom Manuel II escreveu então um tratado sobre literatura medieval e
do Renascimento em Portugal ao mesmo tempo que, mesmo no exílio, não se
eximiu das funções para as quais tinha sido preparado. Assim, com o
dealbar da 1.ª Grande Guerra, o Monarca exilado, em Inglaterra,
colocou-se à disposição dos aliados para servir como melhor pudesse.
Inicialmente, tomou-o o desapontamento quando o colocaram como oficial
da Cruz Vermelha Britânica, mas o empenho que mostrou no decorrer da
guerra, cooperando em conferências e na recolha de fundos, visitando
hospitais e mesmo os feridos na frente, acabou por ser-Lhe muito
gratificante.
Nos tempos que se seguiram, à I.ª Grande Guerra, e com mais tempo
livre, embora sem negligenciar a proximidade com as estruturas
monárquicas, El-Rei passou a dedicar-se mais aos estudos, seguindo assim
a tradição que já vinha de seu pai, de seu avô e de seu bisavô.
Primitivamente projectou elaborar uma biografia sobre D. Manuel I,
que pensava ter sido injustamente examinado pelos historiógrafos da
época. Foi aí que começou a Sua senda: primeiro, em 1919, agenciou os
labores do bibliófilo Maurice Ettinghausen, que se encarregou de lhe
encontrar os livros antigos de que precisava, tarefa facilitada pelo
desmembramento de incontáveis bibliotecas privadas que ocorrera em
Portugal depois do estabelecimento da república. Mas antes de começar a
biografia do Primeiro dos Reis com nome homónimo, Ettinghausen aconselha
Sua Majestade a anteceder a obra com a catalogação de todos os livros
antigos que possuía na sua biblioteca. O último Rei de Portugal faz a
elaboração da lista, mas também um prévio estudo das mesmas e
acometesse-lhe também o ensejo de ampliar essa biblioteca. Começa então a
compra arrebatada de grandes e raras obras da literatura portuguesa.
Em 1926, já o real objectivo havia sido redireccionado, renunciando à
ideia da biografia para se concentrar na enumeração, definição e
explicação dos clássicos e livros raros e antigos da sua biblioteca. Não
era já um rol elementar dos livros de um coleccionador, mas uma obra
erudita, pois o autor tratou de escrever e descrever as pretéritas
glórias do Portugal dos antigos Reis, narrando cada volume não só
bibliograficamente, mas documentando-o com um ensaio sobre cada autor e
cada tema do livro, inscrevendo-o no seu âmbito histórico. A explicação e
interpretação de cada obra pelo Rei era estribada com fontes, provas e
documentos conferindo-lhe rigor e carácter científico.
Sua Majestade Fidelíssima El-Rei Dom Manuel II de Portugal, o
derradeiro dos Reis da Nação valente e imortal, torna-se então um
ilustre Erudito, pois produz a mais admirável e brilhante obra de bibliografia portuguesa de sempre.
Em três densos volumes (o terceiro inacabado) Livros Antigos Portugueses,
ao resultado final, só pode ser apontado, não a crítica, mas o elogio
de ser ferido pela dilecção e amor pátrios, bem notórios no encómio da
História de 771 anos da Monarquia Portuguesa e do Reino de Portugal.
El-Rei publica os dois primeiros volumes, que, naturalmente, sendo
uma obra de objecto específico, tinha uma edição e tiragem limitada e
era adquirida por subscrição. Cada volume encontrava-se ricamente
ilustrado por fac-similis das obras analisadas e dissertadas e
eram edição bilingue pois a obra era redigida em português e em inglês
(recorde-se que Dom Manuel II foi instruído desde muito cedo nas línguas
clássicas e modernas, falando e escrevendo fluentemente também em
inglês, francês, alemão, latim e grego antigo).
O primeiro volume da obra “Livros Antigos Portuguezes 1489-1600,
da Bibliotheca de Sua Magestade Fidelíssima Descriptos por S. M. El-Rey
D. Manuel em Três volumes” foi publicado em 1929. Como havia sido o
primeiro subscritor da obra, o primeiro exemplar foi entregue em mão ao
primo, o Rei britânico George V, tendo-se D. Manuel II deslocado ao
Castelo de Windsor para esse efeito. O Volume aborda dois manuscritos, cinco incunábulos e trinta e três livros impressos em Portugal até 1539.
A obra colheu óptimas críticas dos especialistas o que estimulou El-Rei a empenhar-se prontamente na elaboração do segundo Volume, que abrangeu o período de 1540 a 1569.
Foi uma tarefa estafante: o trabalho de redigir o Volume II
tornou-se o mote de vida do incansável Rei, com as necessárias e
correspondentes consequências para a Sua saúde. Todavia, excepcionando
as sobrecapas, o segundo Volume estava pronto em 1932.
El-Rei, inesperadamente, asfixiado por um edema da glote, parte para a Casa do Senhor a 2 de Julho de 1932.
O terceiro Volume que Dom Manuel II deixara incompleto foi
acabado pela sua assistente bibliotecária, Margery Withers e foi
publicado postumamente, sob sua supervisão, mas já não se trata de uma
obra erudita, pois o derradeiro volume é apenas uma listagem de obras,
sem os ensaios e espírito crítico que engrandeceram os precedentes, e
que outorgaram a El-Rei Dom Manuel II, a justa fama de historiador.
El-Rei Dom Manuel II de Portugal foi um Rei Patriota que dedicou a
Sua vida à exaltação de Portugal, pelo que no exílio escreveria:
‘Pelo nosso Portugal tenho feito, e sempre, tudo o que é humanamente possível. Tenho, ao menos, a consolação do dever cumprido.’
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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