Esta ideia da Restauração, há quatrocentos anos que perturba a alma dos
Portugueses. Completam-se, este ano (1), quatro séculos sobre a morte
do Rei D. Henrique, o fracasso jurídico e político das Cortes de
Almeirim, a invasão espanhola, a triste batalha de Alcântara, a posse do
Reino pelo Duque de Alba, em nome de Filipe de Habsburgo, Rei de Castela
e Leão. Um pouco mais, e será o centenário daquelas Cortes de Tomar em
que os legítimos representantes da Nação resolveram entregar os seus
destinos ao Rei intruso: legítimos pela origem, não porém legítimos pela
situação, uma vez que votaram o futuro da Pátria enquanto as armas
estrangeiras (falo em termos metafóricos) lhes eram apontadas à cara.
E a ideia de Restauração nasceu e cresceu nesses dias em que a Pátria
(como disse Fernão Lopes num caso semelhante) estava «viúva», uma vez
perdido o seu senhor natural, isto é, o seu primeiro servidor, o Rei sem
alcunha. O 1.º de Dezembro de 1640 foi precisamente a vitória dessa
ideia. Foi a Revolução da Legitimidade.
Preparada longamente pelos
teóricos do Direito político (e, entre todos, pelos Jesuítas e seus
discípulos), programada minuciosamente pelos quarenta conjurados, vindos
da mais antiga nobreza e também da melhor classe letrada (talvez no
único momento da nossa História em que o escol assumiu plenamente as
suas responsabilidades); ansiosamente esperada e apaixonadamente
confirmada pelo conjunto do Povo - a Restauração veio como um dia novo,
iluminado por todos os sóis da Esperança ...
Confessemos que esse
puro ideal não triunfou, Circunstâncias próprias da época que a Europa
então vivia (na complicada transição do Renascimento para a Idade
Barroca e o Iluminismo): um certo adormecimento das energias espirituais
e físicas da Grei (após a sangria das Descobertas e Conquistas); o
desencontro entre os génios das Letras e os génios das Armas,' o longo
divórcio, aberto como uma chaga (que nunca mais viria a ser fechada)
entre o Povo e o Poder: tudo contribuiu para que a história dos séculos
que se seguiram a 1640 não tivesse tido o esplendor triunfante e a
certeza clara das grandes gestas nacionais.
E isto, para nós,
portugueses deste final do século XX, quer dizer responsabilidade, quer
dizer sentido de servir. Porque não há-de ter sido em vão que o ideal
restauracionista algum dia deu luz aos Portugueses. Enquanto ele não for
cumprido, está aberto o processo.
Somos nós que temos de projectar,
na vida das comunidades menores de que fazemos parte – as de base
geográfica e as de base sociológica – as exigências morais e estéticas
sem as quais nenhuma restauração é possível.
Somos nós que temos de
intervir na vida do Estado, para lhe impor a invencível vontade
nacional de fazer dele um verdadeiro Estado de Direito, e ao mesmo tempo
um acto político de indomável tensão para metas desde a origem
assinaladas e nunca atingidas: o serviço do homem e o serviço de Deus.
Porque a própria ideia de Restauração tem de ser encarada e vivida como instrumento, não como fim em si.
(1) publicado na Revista "Ensaio", N.º 1, pág. 3, Dezembro 1980.
(1) publicado na Revista "Ensaio", N.º 1, pág. 3, Dezembro 1980.
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