Como
a maioria dos portugueses e porque, com muita surpresa minha, as
televisões prescindiram das audiências para se multiplicarem em debates
televisivos, vou lançando um olho bocejante à campanha presidencial.
Ainda
em tempo de pré-campanha assisti a um debate patético, mas curioso. O
professor Marcelo aparentemente era chamado a esgrimir opiniões com
alguns "descamisados" da política. Um sociólogo que para receber
"secalhário" tem de se apresentar a eleições, um dirigente socialista
que achou, e bem, que ganhava mais notoriedade em ler um papelucho de
protesto e sair dali para fora, e o famoso representante do povo, uma
espécie de Tiririca à portuguesa, também ele filiado no Partido
Socialista que já tinha feito divertidas diatribes num congresso do
partido, enquanto presidente de junta, eleito pela vetusta freguesia de
Rans.
Pois o Tino, que, diga-se, não é
parvo nenhum, foi o único que pôs o nosso professor em desatino. E fê-lo
com aquele ar mavioso e inocente que só um homem do povo sabe pôr nas
coisas.
Mas voltemos atrás. Quando se
esperava que o professor esgrimisse, disputasse, debatesse, arguísse -
vimos, ao contrário, um professor sorridente, camarada e amigo de todos e
de tudo o que lhe pusessem à frente, trocando o florete pela flor
branca da paz, dispondo-se a... debater não, que tem um verbo violento,
mas talvez... "deabraçar" com todos os que estivessem naquela ou noutras
alturas, naquela ou noutras televisões, em qualquer qualidade ou
circunstância, dispostos a... "deabraçar" com ele!
Mas
o Tino é um moço instintivo e percebeu que tinha de elevar a parada
para ver até onde ia toda aquela besuntada lamechice que nem sequer está
na natureza do professor.
E obrigou-o a dizer duas coisas reveladoras:
A
primeira, que um presidente que é designado por um partido podia, no
exercício do seu mandato, ser tentado a favorecê-lo. Como se designado
fosse muito diferente de apoiado. Como se, de um dia para o outro, se
pudesse apagar da vida do professor o facto de ele ter sido fundador e
presidente do maior partido português, aquele mesmo, claro, que hoje o
apoia.
Pus-me a imaginar o professor
ainda travestido de arguto comentarista televisivo a analisar o outro
professor candidato a presidente: com um dedo a girar rodopiante para o
lado direito diria - "Se foi presidente do PSD e é apoiado por ele vai
favorecer o seu partido" - e com o dedo da outra mão, igualmente
rodopiante para o lado esquerdo - "Se foi dirigente do PS e quer ser
apoiado por ele, vai favorecer o seu partido!" -, terminando tudo com as
mãos reconciliadas e o seu proverbial "Bom!".
Um
a zero para o Tino, que levou o professor a concordar com a
promiscuidade existente entre os partidos políticos e os dirigentes que
fazem eleger, em especial para a Presidência da República. Ele, apesar
de dirigente socialista, foi só presidente de junta. E de Rans!
Mas o professor não conseguiu ainda fugir a uma nova investida do menino do povo.
Falava
ele na importância do papel que a sua (a do Tino) mulher teria enquanto
primeira-dama; e sorria pelo canto do olho perscrutando a tossiqueira
que já tomara conta do professor. E ali veio este, respondendo com o
amor sincero que tinha a todas as mulheres do mundo, mesmo as do estado
islâmico, mas reconhecendo que a ideia de uma mulher e de uma família
era uma ideia própria da monarquia e não da república. Acabando
secamente, de uma penada só, com o ilustríssimo trabalho desenvolvido
pelas sucessivas primeiras-damas da democracia portuguesa desde há 40
anos. E com isso, claro, pondo a nu uma questão central: nem a república
deve ir sorrateiramente surripiar à monarquia as características que
dela não emanam - a independência e o suprapartidarismo e a afirmação de
uma família como elemento agregador da nação e garante da sua
identidade, coesão e notoriedade; nem as primeiras-damas que
sucessivamente nos representaram o fizeram de uma forma legítima, muito
menos quando tiveram, como tiveram, gabinetes com dezenas de assessores,
consultores e outros advisers a gastar, prolongadamente, dinheiro gordo
ao erário público.
Estão a ver o mesmo
dedo rodopiante a dizer - "é eleito, tem legitimidade, pode gastar"; e o
outro com a mesma inversa velocidade a significar "não é eleito, não
tem legitimidade, não pode gastar - Bom!"
O
Tino, homem ladino do povo, ganhou por dois a zero, principalmente
porque não teve a hipocrisia de dar à República os méritos que ela não
tem!
António de Souza-Cardoso
Presidente da Causa Real
Presidente da Causa Real
Muito bom.
ResponderEliminarCumprimentos.
Beatriz Magalhães Ferreira.