São Nuno de Santa Maria recordêmo-lo no sétimo aniversário da sua canonização
Nuno de Santa Maria é o oitavo santo do catolicismo português. Às virtudes da sua vida, assumidas segundo a experiência católica de olhar os outros e as coisas, acrescenta-se o facto do seu percurso biográfico estar intimamente relacionado com a História de Portugal, a sua independência e consolidação da nacionalidade.
Nascido a 24 de Junho de
1360, em Cernache do Bonjardim (actual distrito de Castelo Branco), o
novo santo português foi um dos portugueses que mais profundamente
marcaram a história do nosso país. Filho de D. Álvaro Gonçalves Pereira,
Prior dos Hospitalários de Portugal, e de D. Iria Gonçalves de
Carvalhal, dama da Infanta Dona Beatriz (filha de D. Fernando), Nuno
Álvares Pereira foi 3º conde Ourém, 7º de Barcelos e 2º de Arraiolos.
Falecido em 1431, no Carmo de Lisboa, sabe-se que D. Duarte pediu para
que se organizasse o seu processo de canonização em 1437, ou seja,
apenas seis anos após a sua morte.
Adquiriu o título de
«Condestável do Reino» devido aos méritos na guerra de 1385 entre
Portugal e Castela. No Arquivo da Casa de Bragança existia, até ao
terramoto de 1755, o diploma original no qual o Mestre de Avis, D. João
I, lhe concedia o título de «Condestabre» do reino e, para lhe
agradecer, o rei faz-lhe a doação do Condado de Ourém e de outras terras
nomeadas. (Cf. Tarouca, Carlos da Silva – O «Santo Condestável» pode
ser canonizado?. Brotéria. Lisboa. XLIX (1949) 129-140.) Na Torre do
Tombo (Lisboa) existe também um documento – a cópia coeva, em pública
forma, da carta do mesmo rei, com a qual, no Porto, a 8 de Novembro faz a
doação ao mesmo D. Nuno Álvares Pereira, Condestável e Conde de Ourém,
do Condado de Barcelos (Cf. Tarouca, Carlos da Silva).
Com esta documentação
fica excluída qualquer dúvida a respeito da sua identidade e dos mais
importantes feitos da sua vida. Para provar que D. Nuno e o Condestável
eram a mesma pessoa basta recorrer a uma carta do Papa Urbano VI para o
bispo de Viseu, a 8 de Dezembro de 1386, cujo original existia até ao
referido terramoto no Carmo de Lisboa. Nela, o Papa chama Nuno, Conde de
Barcelos, ao fundador do convento. Esta não é a única carta de Urbano
VI ao Condestável. Segundo o cronista do Carmo, Pereira de Sant´Anna, o
Papa envia-lhe dois documentos – assinados a 26 de Novembro de 1387 –
onde realça: “Revalidava o que antes obtivera, para contrair matrimónio
com a senhora D. Leonor de Alvim, sem embargo de parentesco” e a outra
concede-lhe privilégios de missas para o conde, esposa e família.
Recorrendo ao artigo de
Carlos da Silva Tarouca, encontram-se provas que D. Duarte pediu a
canonização de D. Nuno Álvares Pereira. No Códice Ashburnham 1792 da
Biblioteca Laurenziana de Florença existem dois volumes de originais,
pertencentes à correspondência original que ao abade beneditino D. João
Gomes chegava de Portugal. Neste códice encontra-se a carta original
(publicada pelo Pe. Domingos Maurício: Brotéria VII-1928) de D. Duarte
ao abade de Florença e seu conselho. Assinado a 21 de Julho de 1437,
neste documento o rei português queixava-se de ainda não ter recebido “O
desembargo que saiu do canonizamento do Santo Condestabre per que se
tire a inquirição que sobre isto se costuma fazer”. Conclui-se que o
Papa mandou começar o processo de canonização de D. Nuno Álvares
Pereira.
O documento contém
também mais informações que ajudam a compreender o início deste
processo. Nele, D. Duarte envia a D. João Gomes (abade beneditino) a
oração litúrgica – feita pelo infante D. Pedro (faleceu em 1449) – e o
esboço do panegírico que devia ser pronunciado por ocasião da
canonização. Tanto D. Duarte como os irmãos tomavam a sério o processo
de canonização do condestável. Para prová-lo, existe uma cópia, tirada
pelo cronista-mor do reino, Gomes Eanes Azurara, onde são elencados os
milagres atribuídos à sua intercessão.
A «oração litúrgica» do
Infante D. Pedro é um documento de importância capital, sendo a única
fonte coeva, que fala claramente da santidade de vida. Este Códice da
Cartuxa de Évora – actualmente está na Torre do Tombo – é a única fonte
que conservou a data da morte do Beato Nuno: Dia de Páscoa de 1431, isto
é, 1 de Abril.
Nascimento do culto
Em relação ao início do
culto que se prestava ao Santo Condestável, Jorge Cardoso no «Hagiológia
Lusitano» (Cardoso, George – Agiologio Lusitano III. Lisboa, 1666) e,
sobretudo, José Pereira de Sant´Ana na sua «Crónica dos Carmelitas»
(Sant´Anna, Joseph Pereira – Chronica dos Carmelitas da Antiga e Regular
Observância I. Lisboa, 1745) relatam, longamente, além da sua vida
virtuosa, os altares e imagens que lhe eram dedicados, as missas que se
celebravam em sua honra, as trasladações das suas relíquias, as
peregrinações ao seu túmulo, e as muitas graças e milagres que eram
atribuídas à sua intercessão.
Perante tais relatos
pensou-se logo em obter do Papa a confirmação deste culto pela
beatificação e canonização. Sabe-se que D. Duarte estimava muito o
condestável. Quando era infante visitava-o com frequência no Convento do
Carmo e tomou a iniciativa de pedir a sua canonização (Cf. Maurício,
Domingos – Para a história do culto do B. Nun´Alvres. Brotéria. Lisboa.
VII. 1928).
Como o desejo não foi
realizado, nos reinados de D. João IV e D. Pedro II, os prelados da
corte enviaram uma súplica ao Papa a pedirem a canonização de D. Nuno
Álvares Pereira, súplica que foi corroborada pelos monarcas.
«Ventilou-se esta
questão nas Cortes de 1674, as últimas que se reuniram antes da
revolução de 1820. Privado el-rei D. Afonso VI do governo em 1667, o
regente seu irmão convocou Cortes que se reuniram em 20 de Janeiro de
1674, na sala dos Tudescos do Paço da Ribeira. O braço da nobreza reuniu
separadamente, no dia 22, no Mosteiro de Santo Elói, para eleger os
trinta na forma costumada; e eleitos os trinta, passaram a ter as suas
sessões ás segundas, quartas e sextas-feiras em S. Roque, na Capela de
Nossa Senhora do Pópulo. Foi na 12ª Sessão, segunda-feira, 22 de Março,
que se discutiu a questão da canonização de Nuno Álvares Pereira.»
(Martins, Oliveira – A vida de Nun`Alvares. Lisboa: Guimarães Editores,
1955)
O processo não teve o
andamento desejado. Somente nos fins do século XIX, as diligências
ganharam novo fôlego com as instâncias do Postulador Geral da Ordem dos
Carmelitas. Em 1894, o então Cardeal Patriarca, D. José Sebastião Neto,
nomeou juiz da causa o arcebispo de Mitilene, D. Manuel Baptista da
Cunha, futuro arcebispo de Braga. Dadas as vicissitudes “dos últimos
tempos da Monarquia e princípios da República, o processo só terminou no
tempo do Patriarca D. António Mendes Belo” (Leite, António – A caminho
da canonização do beato Nun´Álvares. Brotéria. Lisboa. LXX (1960).
617-627).
Enviado o processo para
Roma, e feitas as diligências na Sagrada Congregação dos Ritos (actual
Congregação para as Causas dos Santos), Bento XV, pelo decreto
«Clementissimus Deus» da mesma congregação, com data de 23 de Janeiro de
1918, confirmava o culto prestado a Nun´Álvares, increvendo-o no número
dos beatos (O texto do decreto encontra-se na «Acta Apostolicae Sedis»,
10 (1918) 102 - 196).
Como é natural, a
beatificação do santo condestável trouxe um grande incremento no seu
culto. Em todas as dioceses começou a celebrar-se a sua festa litúrgica,
6 de Novembro.
Nas comemorações do VIII
centenário da fundação da nacionalidade, em 1940, o governo português e
os bispos das dioceses pediram ao Papa para que fosse reassumida a
causa da canonização do Beato Nuno. Pio XII satisfez o pedido através de
um decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, com data de 28 de Maio de
1941 (O texto do decreto encontra-se na «Acta Apostolicae Sedis», 33
(1941) 399 - 400).
O número de testemunhos
episcopais acerca da santidade de Nuno Álvares é considerável, sendo
vários os tornados públicos a seguir à beatificação, nos centenários do
nascimento e da morte, e na peregrinação das Relíquias pelo País, em
1960, atura em que foi publicada uma Pastoral Colectiva do Episcopado.
O processo de
canonização do Beato Nuno foi reaberto a 13 de Julho de 2003, nas ruínas
do Convento do Carmo, com sessão presidida por D. José Policarpo. O
cardeal Patriarca definiu nessa celebração o Beato Nuno de Santa Maria
como um modelo a seguir por todos os que exercem funções de
responsabilidade. “Ele é um exemplo de um cristão que exerceu as suas
missões civis com a coerência de um cristão” – sublinhou.
A 1 de Maio de 2004, nas
comemorações dos 150 anos do Dogma da Imaculada Conceição, o Santuário
de Vila Viçosa recebeu as relíquias do beato. Na homilia da celebração,
D. Maurílio de Gouveia, então arcebispo de Évora, disse aos peregrinos
que, nas constantes deslocações e correrias por caminhos de Portugal, D.
Nuno dava “um testemunho inquebrantável da fé cristã; norteavam-no os
critérios do Evangelho; alimentava-o a oração e, sobretudo, a
Eucaristia”. E acrescentou: “Trabalhou, como poucos, talvez como
ninguém, pela defesa e pelo progresso do seu torrão natal”.
A notícia esperada
surgiu a 21 de Fevereiro de 2009, quando Bento XVI anunciou a
canonização do «Condestabre». Um caminho longo – cerca de 578 anos - que
culmina, a 26 deste mês, com a inscrição de Nuno Álvares Pereira no
álbum dos santos.
Luis Filipe Santos
Fonte: Spe Deus
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