Os Integralistas diziam: "o Rei governa, mas não
administra". Faziam, pois, coro contra o suposto esvaziamento da elementar
faculdade de exercer o mando, atributo dos monarcas, que o Liberalismo havia
reduzido à formula de Thiers: "o Rei reina e não governa". Em torno
destas definições aparentemente irreconciliáveis, os monárquicos - antes e
depois de 1910 - terçaram armas uns contra outros. O argumento do tempo não é
certamente o mais impressivo, pois erros e inverdades há que triunfaram e
ficaram, havendo verdades inquestionáveis que soçobraram nas tempestades das
paixões dos homens. O tempo (a história) disse que as monarquias segundo a
fórmula de Thiers prosperaram e que as monarquias de responsabilidade executiva
do Rei não sobreviveram. Uma floresta de mal-entendidos.
Afinal, os reis nunca governaram, salvo no chamado período do
"absolutismo" (1698-1828) em que os monarcas não mandaram reunir cortes e se
socorreram de governos que apenas reportavam ao soberano. Mas estamos, bem
entendido, a falar num poder "absoluto" no quadro do Antigo Regime, sinónimo de
Estado incipiente e de quase ausência de burocracia, um Estado bem limitado
pelos foros e liberdades concelhias, imunidades e regimes legais diferenciados,
representação orgânica protegida por regimentos legais. Ou seja, o tal
"absolutismo" era pouco mais que nada, salvo no período de Pombal - de facto um
ditador - em que o grupo no poder declarou guerra às leis da constituição
histórica e aos grupos sociais que maior capacidade reactiva possuiam: a nobreza
e o clero, sobretudo a Companhia de Jesus, elite cultural do país.
A monarquia (mono-arquia) nunca existiu, pois os Rei só eram
aclamados após juramento solene de obediência a todas as leis do reino e em
harmonia com o direito natural. O Rei D. Miguel I foi o último monarca limitado
pela constituição histórica e a sua aclamação foi absolutamente legal e legítima
do quadro do regime que então vigorava: o da monarquia orgânica. Opine-se o que
se quiser a esse respeito, mas a verdade é que tal legitimidade e legalidade
foram destruídas pela violência de um grupo político que invadiu militarmente o
país, travou guerra e venceu-a. Com a Carta, o sistema representativo atomizado,
o fim das corporações, a demolição do municipalismo e o fim dos "homens bons" e
demais elites sociais, esse Portugal antigo morreu. Querer ressuscitar o que
passou é tarefa impossível. Passou, morreu. Ora, os nossos integralistas, mais
os neo-integralistas, mais os "tradicionalistas" e "miguelistas" não têm nada
mais que oferecer senão a partilha - sempre bem vinda - de conhecimentos de
história institucional, história do Direito e história das ideias políticas. Não
se faz política com história. Compreende-se melhor os homens, as sociedades e as
crises sabendo história, mas esta é passado.
A monarquia, para aqueles que pugnam pela superioridade da
instituição real - "instituição de instituições", como alguém disse - não é
sinónimo de "elites tradicionais", "municipalismo", "corporativismo",
"representação dos corpos intermédios", "confessionalidade do Estado", etc. Pode
ser tudo isso, ou antes, terá sido tudo isso, mas é, sobretudo, caução para a
liberdade do Estado e da sociedade, protegendo-os dos partidos e grupos de
poder. A monarquia, hoje, teria de ser instaurada e prescindiria de tudo aquilo
que não faz parte da paisagem institucional e social do país após quase 200 anos
de liberalismo. Há que viver com o tempo e perceber que o Rei pode e deve ser
árbitro. Por ser árbitro não pode governar, pois governar implica tomar partido,
beneficiar um grupo. O Rei só pode reinar, se por tal se entender permitir que
outros exerçam o poder legítimo mandatado por eleições, mas que essa
legitimidade democrática não pode ser utilizada para destruir aquilo que é
permanente e indiscutível; ou seja, a liberdade e a independência
nacionais.
Persistir, contra o tempo - na acepção de se querer negar a
evidência do tempo - e teimar em pedir essa monarquia que passou e não volta,
para além de erro terrível, é impedir que a possibilidade monárquica vingue. Se
o Integralismo foi responsável pelo emparedamento das possibilidades da
monarquia, atirando-a para um sonho medieval e para a extrema-direita, a sua
sub-cultura levou a que alguns monárquicos se deixassem obnubilar e confundissem
os seus gostos ideológicos e doutrinários com a questão da monarquia, ou seja,
de uma nova monarquia.
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