Crise
Nacional e Internacional
Crise nacional
Creio
que a maioria das pessoas ainda não percebeu bem esta crise - e os economistas
não estão a saber explicá-la com clareza.
É verdade, como se tem dito, que há uma
'crise nacional' e uma 'crise internacional'. Mas, depois desta
evidência, a confusão que por aí vai é enorme.
Comecemos pela crise portuguesa.
Trata-se de uma crise profundíssima, potenciada
por três factos capitais: o fim do Império, a passagem da ditadura
à democracia e a entrada na União Europeia.
Tudo isso, que se pensava vir a ter um
efeito benéfico na economia, produziu de facto consequências devastadoras.
O fim do Império limitou-nos o espaço
vital, cerceou-nos matérias-primas e mercados, diminuiu-nos política
e psicologicamente.
A passagem da ditadura à democracia (com o
seu rosário de greves, nacionalizações, perseguições,
saneamentos, reivindicações laborais insustentáveis, etc.) destruiu boa
parte do nosso tecido económico. A entrada na União Europeia e a
abolição das fronteiras pôs-nos em confronto com economias muito mais
avançadas, acabando de liquidar o que restava da nossa débil
capacidade produtiva.
A crise
internacional é de outra natureza.
Ela decorre da globalização e tem duas vertentes.
Por um lado, os produtos feitos no Ocidente
começam a não ter condições para competir a nível global com outros
produzidos em países (China, Índia, Coreia, etc.) onde os salários e as
regalias laborais são muitíssimo inferiores.
Por outro lado, as empresas tendem a transferir
cada vez mais as suas fábricas e serviços de Ocidente para Oriente - o
que significa que no Ocidente vai aumentar o desemprego e no Oriente
vai acentuar-se a procura de mão-de-obra. E, em consequência disso,
no Ocidente baixarão os salários, acabarão muitas regalias sociais, numa
palavra, será posto radicalmente em causa o tipo de vida que se fez nos
últimos 50 anos.
No Oriente, pelo contrário, os salários tenderão
a subir e o nível de vida crescerá. Assim, a crise que hoje se vive no
Ocidente é de natureza diferente das anteriores.
Antes, eram crises de crescimento do
capitalismo dentro da sua área geográfica; agora, a crise tem a ver com a globalização
do capitalismo. Repare-se que grande parte do planeta, que até
pouco vivia fora do sistema capitalista, aderiu à sociedade de
mercado: basta pensar nas adesões quase simultâneas da Rússia e da China
para se ter uma ideia do abrupto alargamento da área do capitalismo
nos últimos anos.
Os grandes grupos multinacionais, que antes
estavam limitados a um determinado espaço territorial, hoje têm o
planeta inteiro para instalar os seus centros de produção - podendo
procurar os salários mais baixos, as melhores ofertas de mão-de-obra,
as menores regalias dos trabalhadores.
O planeta tornou-se um sistema de vasos
comunicantes - onde, para uns viverem melhor, outros vão ter de viver
pior. Para certas regiões subirem o nível de vida, outras vão necessariamente
perder privilégios. Perante isto, perguntará o leitor: o que
poderemos fazer para inverter o estado das coisas?
Basicamente, não há nada a fazer.
Os factores que potenciaram a crise nacional
são irreversíveis - e a globalização não vai andar para trás. Assim, vamos
ter de nos adaptar à nova situação, o que significa de uma maneira simples
trabalhar mais e ganhar menos. Os salários vão baixar (lenta ou abruptamente)
entre 10 e 30%, os horários de trabalho vão aumentar (com a abolição total das
horas extraordinárias), o 13.º e 14.º meses vão ficar em causa, a idade da
reforma também vai ser ampliada (para perto dos 70 anos), o rendimento
mínimo garantido vai regredir drasticamente, o subsídio de desemprego
também vai diminuir, a acumulação de reformas vai ser limitadíssima.
Muitas 'conquistas dos trabalhadores' na
Europa, obtidas no pós-guerra, vão regredir. As leis laborais vão ter de
ser flexibilizadas. O sistema de saúde não vai poder continuar a
gastar o que tem gasto. Preparem-se, porque não vale a pena protestar. O
que não tem remédio, remediado está.
Dizia há dias, com graça, Ernâni Lopes, a
propósito do subsídio de férias: «Se dissessem a um americano: 'Para o mês
que vem não trabalhas e ganhas dois ordenados', ele não acreditava».
Pois há muitos anos é esta a situação:
não trabalhamos nas férias e recebemos o dobro.
Isto, também, vai acabar.
José António
Saraiva
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