Insistentemente
interroga-se de vários lados, até de onde menos seria de prever, sobre o
programa político, económico e social da Monarquia. Pede-se a modos que
a redacção de um estatuto constitucional a adoptar numa futura
Restauração.
Isto revela um grande equívoco que é necessário desfazer.
O que caracteriza a forma política monárquica é confiar a chefia do Estado a uma Dinastia, na pessoa de um Rei.
A essência da Monarquia é a Realeza. É esta a sua base imutável, o seu princípio indiscutível.
Os
sistemas, em seus vários aspectos, têm sido e são mutáveis e variados
com os tempos. Vão evolucionando, vão-se adaptando às exigências de cada
época. Nem poderia ser de outra maneira.
O
sistema é, portanto, discutível, o que equivale a dizer que não há um
sistema único e pré-determinado. Compete à Nação, em qualquer altura,
escolhê-lo e conservá-lo ou modificá-lo, conforme as circunstâncias e o
interesse comum o ditarem.
O Rei ouve a Nação e, como seu mais fiel intérprete e primeiro servidor, guarda e defende a legitimidade constitucional.
É
esta uma das liberdades que a Monarquia como regime nos assegura. Só os
ditadores ou os déspotas impõem um sistema segundo a sua vontade.
O
Poder Real, porque é independente e superior às discussões dos
sistemas, porque é estável e contínuo, permite como nenhum outro as
maiores liberdades, as mais arrojadas experiências administrativas,
sociais e económicas, sem prejuízo da ordem e da autoridade.
Exposta
nestes termos a verdade da doutrina monárquica, compreende-se que o Rei
seria a última pessoa a pronunciar-se por um determinado sistema
concreto e que, nem os responsáveis pela causa monárquica, nem ninguém,
podem sobrepor-se ao que é um direito inalienável da Nação.
Cada
um de nós, como cidadão português, pode, e deve, naturalmente, formular
as suas opiniões e pugnar por elas; o que não é lícito é identificar a
Realeza com o sistema da sua preferência. O Rei é de todos, repete-se.
Numa
restauração do Poder Real, só um caminho haveria a seguir: convocar
Cortes Gerais, amplamente e autenticamente representativas, e adoptar-se
a Constituição que nesta fosse escolhida.
Não
temos, portanto, que antecipadamente falar de um sistema político,
económico e social como programa de uma futura Monarquia e ainda menos
como condição do Rei. Temos, sim, de reclamar o Poder Real como a mais
segura fiança de um regime nacional.
Mário Saraiva, Razões Reais, Lisboa, Universitária Editora (3ª ed. revista e aumentada), 2002, p. 87.
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