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Conhecemos nas farsas de Gil Vicente e Molière
aqueles curandeiros, saídos não se sabe donde, que após curto e cómico exame de
pacientes sacam de um elixir maravilhoso prometendo a ilusão de saúde a troco
de pesado tributo por tanta ciência de ninho de cuco. Conhecemos, sim!
Má sorte, pois, a das sociedades doentes que têm de aturar
políticos seleccionados por minorias ocultas, de seguida eleitos por uma
maioria, e que depois de muito prometerem ao público acabam por lhe servir
sempre o mesmo estafado elixir do consenso
"Oh, sim!" diz o nosso curandeiro "Não faltam sintomas de
que o país está em crise. Tanto desaproveitam, tanto desatinam e desconfiam
tanto desinvestem e desempregam, tanto desnatalizam, que por força algum cancro
róe a sociedade!"
Estabelecidos os sintomas, põe-se o nosso
homem à procura do mal. Estará no Governo? Na Cultura? Nos Costumes? Na Igreja?
"É impossível governar porque ainda existem bloqueios de esquerda" — dizem-lhe.
"Pelo contrário" — lança outro —"este horrível eleitorado de classe média está
cada vez mais centro-direita"
Surgem sibilinas opiniões: "A Igreja Católica deve ser
combatida porque, no fundo, forma pessoas que só se consideram responsáveis
perante Deus e os seus sacerdotes, e não perante os representantes da sociedade"
— murmura um agente maçónico. "Não!" — atalha um católico de sacristia — "os
senhores até devem apoiar a Igreja porque ela garante gente dócil e de valores
seguros ".
Passando à área de costumes, o curandeiro
enfrenta o triste flagelo do SIDA e o sinistro despovoamento pelo aborto: "O
problema é que durante anos tolerou-se e estimulou-se a promiscuidade sexual...
e agora estamos sem remédio que nos valha!"
Chegado o
momento de medicar, surge o famigerado consenso.
"Quanto à
governação, pôe-se no topo um homem de esquerda que faça política conservadora e
capciosa; e arranja-se um homem de direita que sirva para fazer passar as
inevitáveis medidas socializantes."
"Quanto à Igreja, não se
lhe toca... por agora. Vamos tentar entretê-la com os valores que nos são
comuns, enquanto se prepara melhor ataque. E no que se refere aos costumes, é
preciso ser muito tolerante, muito flexível. Façam-se sondagens para saber o que
o público deseja e o que receia. Depois basta agir em conformidade com os
resultados."
Sabe o curandeiro que há vários modos de
ministrar o consenso. Em casos excepcionais basta uma declaração de princípios
ou de intenções, uma moção de censura ou de apoio, ou qualquer outro efeito
placebo que dê ao doente a ilusão de saúde. Reina a desorientação quanto
ao futuro de Portugal? (...)
ao futuro de Portugal? (...)
Noutros casos o consenso resulta da vacina. Podem-se aproveitar os anti-corpos do terrorismo. Pode-se promover um tribunal da história para julgar a Colonização, a Inquisição, Salazar ou as Armas Químicas. Ou pode a Comunicação Social contrastar os progressivos horrores deste mundo por onde a gente anda com a inquieta pasmaceira da nossa terra.
O resultado de todo este tratamento e que a sociedade fica de
cama, convalescente à força, doente imaginário ou doente deveras, à espera dos
efeitos do elixir ou de um novo político consensual.
O
problema é que não existem bons políticos consensuais. Mesmo os bons políticos
ficam maus quando o consenso se torna a base da política. Para que serve um
governo maioritário se a sociedade funciona com base na acção de minorias? Para
que serve neutralizar os extre-mismos à custa da capacidade de tomar decisões
radicais? Para quê tantos brilhantes debates teóricos se o resultado prático é
sempre a política de sopa-de-pedra. a política de meias-tintas, a política do
tem-te-não-caias. a política de maria-vai-com-as-outras?
O país não precisa de consenso: precisa de justiça.
O país não precisa de pôr de acordo políticos com princípios
sociais diferentes: precisa de um princípio de justiça que determine claramente
direitos e deveres sociais. O país não precisa de debater se uma classe política
é melhor do que a outra; precisa de estabelecer um paradigma que esteja acima
das fracções.
A política de consenso acaba por dissolver a sociedade num
bando de individualistas que negoceiam entre si com maus resultados. Só uma
política de justiça permite restabelecer o sentido de associação.
A justiça é um remédio amargo mas seguro. Aceitar a justiça
significa recusar a existência de diferenças arbitrárias entre as pessoas e
significa promover à família monogâmica, os mercados competitivos, o estacc de
direito e demais instituições que fazem a força da sociedade. Aceitar um
princípio de justiça é pôr acima dos expedientes políticos uma missão para a
comunidade.
E depois? Depois, é dizer adeus aos
curandeiros.
Mendo Castro Henriques
Revista "Portugueses" nº6/7 1989
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