Hoje estamos num mundo onde o
Internacionalismo, a Globalização, as Organizações Internacionais, os
Blocos Regionais e Mundiais de todos os tipos são naturais, não
perfeitos, mas inevitáveis e a trabalhar, e cada vez mais de todas as
dimensões surgiram para ficar, pelo menos assim parece. Mas como se viu,
os povos não querem o acelerar deste processos para além de um certo
nível, e o amor pátrio, mesmo a patrioteirismo e o ultra-nacionalismo,
continuam aí, por vezes mesmo em reação a essas aprofundações
supra-nacionais. Como tal a necessidade de equilíbrio torna-se hoje mais
vital do que nunca, mesmo mais vital do que os aprofundamentos desses
processos globalizadores.
Consideremos dois argumentos:
O nacionalismo, o patriotismo, é
natural. Por aleatório que seja o local de nascimento ou a ascendência
que se tem, é boa parte do que somos, como o pensamos e como a vivemos
define muito sobre nós, mesmo que a recusemos, e como tal, por muito que
sonhemos com cidadanias globais ou continentais, todo o tipo de
identidades mais particulares e localizadas são inevitáveis. Como disse
George Orwell: «Uma pessoa não pode ver o mundo moderno como é a não
ser que uma pessoa reconheça a força avassaladora do patriotismo, a
lealdade nacional. Em certas circunstâncias pode quebrar-se, a certos
níveis de civilização não existe, mas como uma força POSITIVA não há
nada para colocar a seu lado. Cristianismo e Socialismo internacional
são tão fracos como palha em comparação com ele. Hitler e Mussolini
ergueram-se ao poder nos seus próprios países muito largamente porque
eles podiam apanhar este facto e os seus oponentes não podiam.»
Finalmente, o Libertário e
Anarco-capitalista Germano-Americano Hans-Hermann Hoppe, com cujas
visões em geral não concordo, não deixa de levantar alguns argumentos
que me interessam para esta questão no seu livro (cuja teoria geral em
não concordo) Democracia: O Deus Que Falhou: segundo ele, a
monarquia era de certa forma menos provável de desembocar no
ultra-nacionalismo. Argumenta Hoppe, que como a monarquia tendia a casar
entre membros de diversas casas reais, portanto os royals eram mais “mestiços” que as suas próprias populações.
E tem muita razão. Basta pensar que o há muito falecido Manuel II
de Portugal, Deus o guarde, era Bragança-Saxe Coburg Gotha (como é a
casa Britânica, se bem que hoje nomeada para o nome mais nacional
Windsor), o Kaiser e o Czar eram parentes mais ou menos afastados, o Rei
Cristiano IX da Dinamarca era “o sogro da Europa” e Nicolau I de
Montenegro era outro bom competidor ao título, e a Rainha Vitória era
sogra ou mãe de pelo menos boa parte de metade do continente.
E então as coroas criadas na Europa libertada dos Otomanos? O
primeiro Rei da Grécia era Dinamarquês de origem, filho do referido
Cristiano, se bem que amasse a cultura do seu povo e tivesse feito um
grande esforço para aprender a ser fluente no Grego (Dom Fernando II, o
Rei-Artista, de Portugal, foi considerado também para este cargo, na
altura em que já era viúvo de D. Maria II e o seu filho Pedro V se
encarregava do trono).
Quando se tratava de escolher um Rei para Espanha depois da
reimplantação da monarquia após o fim da I República Espanhola? Não foi
eleito nenhum nobre Espanhol, mas Amadeu de Sabóia. Depois acabou por
ser reimplantado um ramo da pré-república Casa de Bourbón, com Afonso
XII. (Mais uma vez, o nosso Rei-Artista foi considerado para o cargo).
Considera Hoppe que o facto de
(para usar um cliché usado até mais por republicanos) os reais serem “os
híbridos mais bem raçados do mundo”, dava uma ligação por essa Europa
que na altura da Belle Époche, excepto a duradora República Francesa e a
tradicionalmente cantonalista republicana Suíça (e a partir de 1910
Portugal) não tinha repúblicas não-cidade-Estado duradoras de maior, que
a Europa maioritariamente de repúblicas democráticas que pouco durou no
interbellum, não podia dar, e mesmo hoje a Europa de repúblicas e
monarquias muito mais equilibradas não pode. Hoppe recorda que a
monarquia de Estado moderno, mesmo em forma absolutista, começou pondo
de lado o feudalismo, o ultra-regionalismo, o governo ultra-polvilhado e
rígido, que tornava o Rei prisioneiro das classes elevadas, e de
poderes e capacidade de intervenção reduzida. Mesmo em Portugal, que não
teve um feudalismo completo, tendo sempre um poder bastante forte e
centralizado, viram-se várias revoltas, em que um aspirante a Rei, ante
as revoltas populares contra a promiscuidade que se levantava entre as
classes elevadas e o soberano, põe-se à frente das hostes dos pequenos,
contra os grandes, para operar a mudança, pondo o governo real a operar o
papel proto-democrático e res publicano que é de natureza desse papel
real. Hoppe teoriza que qualquer evolução e progresso ocorre não por
causa de um modelo, mas apesar dele, sendo que podemos julgar o papel
das instituições num dado momento, mas não assumir, à Fukuyama, que a
história é evolução constante e sempre para melhor e para a frente e que
qualquer mudança que haja sacraliza um modelo como o certo, o fim da
história (no caso, a república democrática de mercado mas estatista e
globalizadora pelo comércio). Temos de ver que as transições à bruta
para repúblicas democráticas “porque tinha-se de seguir o rumo da
história”, levaram a democracias republicanas que criaram o Estado
Keynesiano que falhou nos anos ’70 ante a Crise do Petróleo, do modelo
Estado Friedmaniano-Giddensiano derivado do Keynesianismo na UE (Hoppe
diz que o problema foi criar “democratic socialism”, mas desculpemo-lo
que Hoppe considera democracia “governo pelas massas” e como Libertário
americano que é qualquer intervencionismo incipiente é
automaticamente socialismo, logo socialismo democrático mistura duas das
suas palavras mais odiadas), que criaram o liberalismo estatista
principalmente falhado de Johnson e o derivado Reaganista e
Neo-Conservador dos Liberais de Roosevelt nos EUA, o socialismo
Soviético ultra-internacionalista, o Fascismo em Itália, o
Nacional-Socialismo na Alemanha.
E isto leva-nos de volta ao argumento de Orwell: se pusermos de
lado nacionalismo, patriotismo, tradição, essa grande força será
abandonada para extremistas que a radicalizaram a um extremo de
anti-supra-nacionalismo. De volta a Hoppe, a guerra tida como “jogo de
cavalheiros”, por heranças, posse de terras e dos seus recursos humanos e
de riqueza, como se essa não fosse má o suficiente, o eliminar do
factor monarquia provocou as novas guerras totais, ilimitadas, e
ideológicas, de tudo ou nada: ou te rendes e juntas a nós. A I Guerra
Mundial, o canto do cisne da monarquia Europeia alargada pelo
continente, foi a maior guerra em destruição e baixas até então, por
evolução natural da tecnologia e por ser a primeira
guerra verdadeiramente industrial e a primeira com tais meios entre
potências e não entre colonizadores e colonos. Mas frente à barbárie,
genocídio, fim da separação frente-zonas civis, guerrilhas misturadas
com guerra total, até a última guerra pan-europeia a envolver
principalmente repúblicas empalidece (mesmo contando que as
consequências económicas mataram muita gente).
É verdade que das monarquias de então, só o Reino Unido e depois
das reformas do final do século XIX as monarquias Escandinavas, podiam
ser classificadas de monarquias completamente parlamentares e
constitucional. Mas viu-se o desequilíbrio criado entre nação e mundo,
depois dos militarmente derrotados Romanovs, Hohenzollerns e Habsburgos
serem trocados por uma breve experiência democrática, uma “república sem
republicanos” pseudo-democrata e uma republica que deu rédea solta aos
Social-Cristãos Radicais, Pan-Germanistas e por fim aos Austro-Fascistas
e Nacional-Socialistas, e foi preciso um massacre de outra Guerra
Mundial ainda mais destrutiva para o ultra-nacionalismo recuar décadas,
mas infelizmente com a perda do equilíbrio do regionalismo
supra-nacional com a monarquia.
E vendo o estado a que chegou a nossa União Europeia, e
mesmo o nosso Portugal ante e dentro da mesma Europa, quem não deixará
de lhe dar pelo menos alguma razão?
Vítor André Ferreira Monteiro
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