Sempre me divertiram essas
republicanas susceptibilidades. Agora, tratou-se do caso do funeral de
Otão de Habsburgo, onde um desconhecido Presidente vienense foi obrigado
a comparecer, devido à presença de numerosos Chefes de Estado
estrangeiros. A República austríaca, já suficientemente mesquinha quanto à sua nula identidade - foi proclamada em 1918, reivindicando a sua pronta adesão à Alemanha e sob o nome de Deutschösterreich
- , não podia ficar de fora. Além da constante e quase obsessiva
perseguição à pessoa do Grande Homem que há dias partiu deste mundo, a
República austríaca vive em boa e regalada forma de parasitismo, às
custas do legado dos Habsburgos. Desde Schönbrunn à Hofburg, do Ring à Ópera, do belíssimo edifício do Reichsrat
aos grandes Museus e da valsa que se tornou no símbolo do país, tudo
gira em torno da lembrança da dinastia daquele Império que foi o
essencial elo do perdido equilíbrio europeu. Os Habsburgos estão
presentes a cada esquina, em cada jardim ou praça. O país não medra sem
eles, estejam ou não estejam sentados no trono. Mais que a presença das
pedras e das telas ou o som das orquestras que transportam os turistas
para um outro tempo cheio de memórias, os Habsburgos significam uma
certa ideia de Europa que a República austríaca jamais conseguirá impor.
Pior ainda, do seu democrático parlamento chegaram ecos de ódio "contra
os estrangeiros" que um dia foram todos denominados de "portugueses",
numa abusiva generalização que nem sequer tem em conta, a fraquíssima
presença dos nossos nacionais naquele pequeno país.
Desde há um século, quem são os
grandes nomes do Estado austríaco? Quem se lembra ou retém como saudosa
evocação, o nome de um Presidente ou de um 1º Ministro? É preciso o
recurso a uma dose cavalar de fosfoglutina para avivar a memória, principalmente quando as referências são tão escassas. Senão, vejamos:
Francisco José foi Kaiser
durante a maior parte do século XIX e marcou indelevelmente o ocaso do
Império, falecendo em 1916. Os seus retratos estão por todo o lado, dos
cafés de Viena, Praga, ou Budapeste, às casas particulares. O velho
Senhor concitou o respeito e saudade por um tempo em que o Império
significava um certo esbater de fronteiras e a possibilidade da vida em
comum.
O segundo austríaco, foi o sucessor Kaiser
Carlos I, soberano efémero mas cujo patriotismo e grande dignidade são
um exemplo. Este descendente de D. Nuno Álvares Pereira, é hoje um Beato
da Igreja e a Áustria disso beneficia, no seguimento daqueles outros
homens que se tornaram em símbolos dos seus países, como São Luís em
França, Santo Estêvão na Hungria, São Venceslau na Boémia. Ainda há
pouco tempo, Otão de Habsburgo dizia que jamais permitiria a trasladação
de Carlos I, pois a Madeira tinha-o acarinhado nas horas trágicas da
pobreza no exílio, protegendo a família e tornando aquele descendente
dos Reis de Portugal, num dos seus. Por vontade da Casa de Áustria,
o Beato Carlos I para sempre repousará na Igreja do Monte e isso
interessa-nos enquanto portugueses. É talvez o elemento mais importante
de proximidade entre o nosso país e a Áustria.
O terceiro austríaco com fama mundial, foi o Chanceler Adolfo Hitler, dispensando qualquer tipo de considerações.
O quarto, já na obscuridade bem
própria dos políticos que não deixam marca notável, foi Kurt Waldheim.
Quem dele ainda se recorda? Com um passado nebuloso e perdido no período
de ocupação da Jugoslávia de 1941-44, Waldheim "reciclou-se" às mãos
chantagistas da ditadura soviética, sendo um precioso peão que
ascenderia a Secretário-Geral da ONU. Foi um dos mais terríveis inimigos
de Portugal e sem honra ou glória, conseguiu alçar-se a Presidente da
Áustria, para grande consternação de um mundo subitamente consciente da
sua controversa personalidade. Já então se conhecia o seu passado
bipolar e muitos aproveitaram o ajuste de contas por actos políticos no
pós-guerra, nomeadamente aqueles praticados durante a sua permanência
nas Nações Unidas.
Otão é o homem
que transversalmente corta o tempo de todos os precedentes, desde a
conhecida foto de criança que abraça as pernas do tio-bisavô, até à saga
dos exílios - que foram muitos - e da generosidade da dádiva de uma
Europa que ele quis diferente e que hoje lamentamos não se ter erguido
por cobiça de muitos, desrespeito dos vorazes burocratas e frustração das bem instaladas nulidades que nos comandam.
São estes, os homens de Estado que o século XX austríaco marcou. Consegue recordar-se de outros?
Como Otão dizia, "as feridas do dinheiro nunca são mortais. As políticas, sim".
Nuno Castelo-Branco
Fonte: Estado Sentido
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