Nos últimos 500 anos o Ocidente viveu o maior ataque cultural da
história. Seguindo o magno processo contra a cultura cristã, nas suas
três fases, entende-se a situação actual. Primeiro atacou-se a Igreja
em nome de Deus. Depois descartou-se a divindade mantendo a moral
cristã. Hoje desmantela-se a ética.
A primeira fase seguiu dois passos.
Primeiro, com Lutero, Calvino e outros reformadores, agrediu-se a
estrutura eclesial conservando o Cristianismo. A fé em Cristo era
preciosa, apesar dos perversos eclesiásticos. Depois, através de Hume,
Voltaire e outros teístas, o cientifismo deísta rejeitou a doutrina e
ritos, acenando à divindade longínqua e apática d'"O Grande Arquitecto"
e distorcendo a História para apagar o papel da Igreja.
A segunda fase do ataque dirigiu--se
ao transcendente. Recusava-se Deus e a eternidade, pretendendo
conservar as regras cristãs de comportamento social. O primeiro passo,
de Feuerbach, Comte e outros ateus, quis demonstrar filosoficamente a
inexistência formal de Deus na sociedade humanista ideal. O falhanço
dos esforços teóricos levou Thomas Huxley, Bertand Russell e outros
agnósticos ao ateísmo prático simplesmente desinteressado da questão
religiosa.
A fase actual é de ataque frontal à
moral cristã. Primeiro, com Saint-Simon, Marx e outros revolucionários,
visou-se uma moral exclusivamente humana. Mas, como Nietzsche e Sartre
tinham explicado, eliminando a referência metafísica, vivemos "Para lá
do Bem e do Mal".
Para compreender os traços essenciais
da atitude moral dominante é preciso lembrar o elemento novo e original
que o Cristianismo trouxe à civilização há 2000 anos. Aí se situa o
núcleo da luta moral da nossa era. Quando Cristo nasceu, a sociedade
ocidental já possuía uma estrutura ética sofisticada. Homero,
Zoroastro, Sócrates, Zenão, Epicuro e tantos outros tinham estabelecido
um sistema complexo de virtudes, regras e comportamentos. No campo
estrito da ética, a revelação cristã trouxe apenas um contributo: a
misericórdia.
Para Aristóteles e seus
contemporâneos, o perdão era uma injustiça inaceitável. A visão cristã
do mundo tornou-o indispensável: "todos pecaram e estão privados da
glória de Deus. Sem o merecerem, todos são justificados pela Sua graça,
em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus" (Rm 3, 23-24).
Aquilo que a moral de hoje perdeu é a
misericórdia. Em jornais, novelas, televisão e cinema encontramos
valores e atitudes elevados. Mantêm-se virtudes, guardam-se
mandamentos, pululam os exemplos honestos, sensatos, equilibrados.
Tolera-se tudo. Só se despreza a caridade cristã.
Existem duas formas de destruir a
misericórdia: eliminando o pecado e eliminando o perdão. Estas são
precisamente as duas atitudes mais comuns nos dias que correm. Numa
enorme quantidade de situações não se vê nada de mal. Naquelas em que
se vê, não há desculpa possível. As acções do próximo ou são
indiferentes ou intoleráveis. O que nunca são é censuradas e perdoadas.
O que nunca se faz é combinar o repúdio do pecado com a compaixão pelo
pecador.
O resultado está à vista. A moral
oficial, em filmes, romances, séries e telejornais, é uma amálgama de
regras, princípios e procedimentos, sem fundamento, coerência ou
justificação. Do libertarismo mais acéfalo salta-se ao moralismo
totalitário sem lógica ou razão. Aborto e adultério tornavam-se de
crimes em direitos, enquanto tabaco e touradas passaram de hábitos a
infâmias. Os enredos da moda exaltam os valores pagãos, mágicos,
bárbaros, orientais, ocultistas, libertinos, vampiros. Todos, menos
cristãos.
Após 500 anos de ataques à Igreja,
este é o estado do Ocidente. Qual a situação da fé, com cinco séculos
de agressões? Está igual a si mesma. A moral cristã perdura, 100 anos
depois de Nietzsche. A fé em Cristo mantém-se, 250 anos depois de Hume.
A Igreja Católica permanece, cinco séculos após Lutero. O último meio
milénio não foi mais duro para os discípulos de Cristo que os
anteriores. Desde o Calvário, a Igreja é atacada. Ressuscitando ao
terceiro dia.
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