Timor a quem merece.
No inverno de 1975/76 havia em todo o país um silêncio magoado e estupefacto.
Centenas
de milhar de pessoas vindas das colónias, algumas apenas com a roupa
que traziam vestida, eram despejadas em Portugal por uma ponte aérea.
Ninguém
queria a continuação da guerra colonial, produto da cegueira opressiva
política que dominou 48 anos. Excepção feita a alguns obstinados do
regime, todos entendiam como legitima a independência das colónias.
Mas
ninguém estava preparado para aquela debandada sem honra nem dignidade,
aquela entrega de territórios e povos, sem referendo, aos partidos de
obediência comunista.
Manifestamente,
era uma entrega nada inteligente como o tempo se encarregou de
demonstrar, e era um acto de crueldade como ficou claro aos olhos do
povo português.
Entre
os milhares de desgraçados que aportaram a Lisboa, estavam os
timorenses, esses que o regime actual abandonou depois de ter plantado
no território a árvore de frutos envenenados.
Foram jogados ao Vale do Jamor, instalados à trouxe-mouxe em casas pré-fabricadas com que a Noruega generosamente acudiu.
Fazia frio, chovia muito, o vale era um mar de lama e aquela pobre gente sem agasalhos.
O
Portugal político remeteu-se a um sepulcral silencia em torno desta
situação. Nunca percebi se era medo, se era indiferença. Má consciência
não podia ser porque não a tinham. Só gente sem consciência pode
proceder assim e fazer o que fez.
E eis que o silencia foi quebrado por um grito de alarme soltado pelo Príncipe Dom Duarte Pio de Bragança.
Foram bastantes os que acorreram ao grito e trabalharam para minorar a desolação e miséria dos timorenses.
Lembro-me
de muitos, entre eles os familiares do General Silva Cardoso, da Força
Aérea, que regressou de Angola, onde ocupou o posto de Alto Comissário,
completamente ensopado em amargura e angústia.
Não
me lembro de alguma vez ter encontrado, no Vale do Jamor, os homens e
as mulheres que eram então os donos do regime. Nem um. Nem uma.
O Duque de Bragança não mais parou na sua luta em favor do povo timorense. Ramos Horta era presença certa ao seu lado.
Uma
das mais gratas recordações que guardo foi os timorenses do Vale do
Jamor terem acedido ao meu pedido de cantarem a missa solene de
celebração do aniversário de Tomar, na Igreja de São João Baptista.
Nesse
tempo não se celebrava o dia da cidade porque era herança “fascista”!!!
Nem que o cavaleiro templário Gualdim Pais tivesse andado na escola com
estes democratas de fancaria…
Sem pachorra para aturar coisas estúpidas, celebrei-o eu e muitos portugueses de antes quebrar que torcer.
Presidiu à celebração o Arcebispo Emérito de Luanda, D. Manuel Nunes Gabriel.
O
filho de um régulo desfraldou junto ao altar uma bandeira portuguesa
que a sua tribo tinha escondido durante a ocupação japonesa na Segunda
Guerra Mundial. Foi lindo. E inesquecível.
Soube
agora pela imprensa que a Assembleia Legislativa de Timor decidiu dar a
cidadania timorense ao Senhor Dom Duarte de Bragança. Ninguém a merece
mais nem tanto.
É
uma decisão feliz e honrosa este acto de gratidão de um povo que tem
todos os motivos para ressentimento e afinal nos quer bem.
É um sinal de estarem certos os que, como o Duque de Bragança procederam de acordo com princípios de Pátria.
Fernanda Leitão
(Carta do Canadá)
Fonte: Revista “Magnificat”
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