A soberania do povo não é ilimitada. Ela está
delimitada pela justiça e pelos direitos dos indivíduos. A vontade de um
povo não pode fazer com que aquilo que é justo vire injusto e
vice-versa. Em segundo lugar, pode-se afirmar que a demonstração clara
de certos princípios constitui a sua melhor garantia de aceitação
universal.
Ora, se reconhecermos que a soberania tem limites, ninguém, em sã
consciência, ousará reivindicar o poder ilimitado, nem tão pouco
condiciona-lo aos interesses de um determinado grupo ou elite.
Para Benjamin Constant “ a soberania não pode ficar nas mãos dos que
exercem o poder, pois a tendência de todo governo constituído é a sua
auto-preservação. A soberania, portanto, deve ser limitada desde fora do
poder pela própria sociedade”. Mas também afirma que “numa sociedade
fundada na soberania do povo, é evidente que nenhum indivíduo, classe
nenhuma, tem o direito a submeter o resto à sua vontade particular; mas é
falso que a sociedade, no seu conjunto, possua sobre os membros uma
soberania sem limites”, da mesma forma que “Um poder republicano que se
renova periodicamente, não é um ser aparte, não impressiona em nada a
imaginação, não tem direito à indulgência para os seus erros, já que
buscou o posto que ocupa e não tem nada mais precioso que defender do
que a sua autoridade, comprometida quando é atacado o seu ministério,
integrado por homens como ele e dos que sempre é solidário”.
Numa altura em que Portugal se encontra inserido
numa comunidade europeia, o conceito de soberania, revela-se agora de
importância crucial. Daí, a necessidade de um poder “neutro”, que desde
sempre foi característica da monarquia constitucional.
Para o mesmo pensador: “A monarquia constitucional oferece-nos esse
poder neutro, tão necessário para o exercício normal da liberdade. O
Rei, num país livre, é um ser aparte, superior à diversidade de
opiniões, sem outro interesse que a manutenção da ordem e da liberdade,
sem poder jamais cair na condição comum, inacessível, portanto, a todas
as paixões que tal condição faz nascer e a todas as que a perspectiva de
a ela voltar alimenta no coração dos agentes que estão investidos de
uma potestade passageira. Essa augusta prerrogativa da realeza deve
infundir, no espírito do monarca, uma calma e, na sua alma, um
sentimento de tranquilidade, que não podem ser património de nenhum
indivíduo situado numa posição inferior. O monarca flutua, por assim
dizer, por cima das agitações humanas e constitui um grande acerto da
organização política ter criado, no seio mesmo dos dissentimentos sem os
quais nenhuma liberdade é possível, uma esfera inviolável de segurança,
de majestade, de imparcialidade, que permite a eclosão desses
dissentimentos sem nenhum perigo, desde que não excedam certos limites, e
que, quando aquela se anuncia, ponha-lhe término por meios legais,
constitucionais e não arbitrários. Todo esse imenso benefício perde-se
se o poder do monarca for rebaixado ao nível do poder executivo, ou se
for elevado este ao nível do monarca”.
Assim, ao contrário de certas correntes de pensamento monárquicas da
nossa “praça”, a instituição régia, na prática da monarquia
constitucional, posto que os seus poderes são delimitados, dá-lhe, no
entanto, um perfil de salvaguarda da estabilidade política, tirando do
soberano a pecha de ser um poder arbitrário, revestindo-o, em
compensação, de uma auréola moral que se sobrepõe à luta rasteira pelo
poder.
É verdade que hoje não existem cruzados, mas há inconformados.
Hoje, há gente disposta a lutar pela monarquia constitucional, independentemente dos feudos; que não presta vassalagem a ninguém, nem tão pouco personifica a sua causa, porque essa causa é ancestral, é a origem do mundo, a essência da identidade dum povo. Essa causa é Monarquia!
Abel Ferreira
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