Neste tempo de “austera, apagada e vil tristeza” que Portugal vive,
por culpa de governantes sem visão, sem objectivos que não sejam os
imediatos que podem gerar votos, lugares e prebendas - numa clara
adulteração da democracia -, sem valores e sem rasgo, é impossível não
voltar a falar da Europa como comunidade política e económica em que o
País se integrou em 1986, desfeito o império ultramarino de tal forma,
por culpa da imprevidência e obstinação de uns e da cegueira ideológica
de outros, que reduziu mercados e espaço económico, e como âncora de
salvação para a incipiente organização democrática que ainda se sentia
ameaçada tanto por saudosistas da II República como por aventureirismos
dos defensores dos “amanhãs que cantam”.
Apesar da adesão quase geral dos portugueses à entrada para a
Comunidade Económica Europeia, que foi sendo apresentada como o novo
desígnio nacional, como meio de em pouco tempo se atingir um patamar de
desenvolvimento que a República do Estado Novo não fora capaz de
propiciar, como forma de sairmos do ambiente asfixiante do
“orgulhosamente sós” e dos milhões que foram entrando nos cofres do
Estado depauperado por doze anos de destruição da economia pelos
comunistas e da gestão socialista, a Europa como construção
supranacional, foi sempre uma questão que a maioria da população nunca
considerou como digna do seu interesse imediato. Ficou nas mãos dos
políticos que foram sendo eleitos para os directórios partidários e para
os governos, numa lógica de exaltação clubística, a orientação para os
sucessivos passos que a CEE conheceu até se tornar na União Europeia,
regida por tratados que a maioria desconhece - mesmo de muitos peões, e
até torres, dos partidos que os apoiaram e aprovaram. Esses passos
levaram a organização europeia a um alargamento rápido demais e pouco
pensado, que gerou complexidade na gestão de interesses e naturais
expectativas, à criação da moeda única, a um federalismo incipiente e
travestido para não assustar nacionalismos indesejados, no pressuposto
de uma solidariedade interna que tenderia à aproximação dos países mais
atrasados e à estabilização geral em elevados níveis de bem-estar. Em
todo este processo, um pouco por todos os países europeus e em
particular em Portugal, os povos não foram chamados a pronunciar-se
sobre as sucessivas perdas de soberania e muito menos lhes foi explicado
cabalmente o verdadeiro significado dos passos dados em seu nome.
Depois
sobreveio a crise nascida nos EUA que contaminou a Europa, a que se
foram somando as crises internas de países que, novos-ricos mercê dos
fundos europeus, acreditaram que já tinham atingido o patamar de
desenvolvimento dos que eram remediados mas presumiam de ricos e, fiados
na sua solidariedade inesgotável, resolveram viver nessa nova condição.
Os
nacionalismos encapotados dos mais ricos, a impaciência para com a
presunção dos novos-ricos que se endividaram até à mendicidade, levou a
que em vez de se recuar num projecto que, por irrealista, estava
condenado ao fracasso, se queiram dar novos passos no sentido do
federalismo, mas tendo como motor e futuros beneficiários, em termos de
poder efectivo, os estados que os impuseram. A estratégia de Bismark e
os sonhos de Hitler que se entrelaçam com o de Napoleão, numa versão
moderna e dual de domínio da Europa.
Portugal, desperto apenas
quando o apertar do cinto estiver a atingir o último furo, começa agora a
perceber, embora lentamente, ao que esta cegueira política seguidista
em relação aos partidos federalistas conduziu. Mas também em relação aos
que, e foram todos os dos arco governativo, trocaram a soberania por um
prato de lentilhas, acreditando que bastava comê-las, sem tratar de
semeá-las e colhê-las, para que este de novo se enchesse.
Na
crise que a Europa comunitária atravessa, a sua implosão seria muito
pior do que a sua manutenção, mas é urgente que seja alterada a sua
concepção federalista para uma Europa das nacionalidades. Como escreveu
Guilherme de Oliveira Martins recentemente,” Falar da Europa das
nacionalidades é, pois, compreender a História, lançando as bases de uma
realidade política e institucional capaz de definir os interesses e
valores comuns e de defendê-los, preservando as diferenças e fazendo
delas um factor de encontro, de paz e de preservação do património
cultural comum. A herança e a memória devem assim encontrar-se. A Europa
precisa, no fundo, de entender o que a une e a divide, para que possa
tornar-se uma União activa de Estados e Povos livres e soberanos”.
É
esta concepção da Europa que pode ajudar Portugal na sua caminhada para
o desenvolvimento económico, social e cultural, preservando a sua
soberania e contribuindo com a sua identidade, forjada em quase nove
séculos, para o todo comum.
João Mattos e Silva in Diário Digital (19-Dez-2011)
(Ex-presidente da Causa Real e actual Presidente da Real Associação de Lisboa)
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