Em vesperas de completar um século de vida, reeditamos o
relato/entrevista a SAS a Infanta Dona Maria Adelaide de Bragança feita
em Novembro de 2009 para o Correio Real nº 2.
Não deixa de ser algo irónico que seja numa pequena moradia da “outra
banda”, onde fomos tão magnanimamente recebidos, que encontrámos uma
verdadeira Princesa, tão ou mais encantada que as dos romances e do
cinema cor-de-rosa: referimo-nos a D. Maria Adelaide de Bragança,
Infanta de Portugal, afilhada do rei Dom Manuel II e da rainha Dona
Amélia, que por insólita conjugação de duas paternidades muito tardias e
da sua provecta idade, é hoje a última neta viva do rei D. Miguel, esse
mesmo do tradicionalismo e da guerra civil de 1828-1834.
Filha mais nova do duque de Bragança D. Miguel (II) e de Maria
Theresia, Princesa de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg, D. Maria Adelaide
nasceu em 1912 no exílio, em St. Jean de Luz, tendo crescido em
Seebenstein na Áustria em convívio com as mais influentes famílias
europeias. Uma verdadeira mulher do Mundo, vem-lhe da infância a sua
curiosidade pelas questões políticas e humanitárias: ainda pequena, a
Infanta confidencia-nos que se escondia atrás dum sofá na sala para
ouvir as conversas de seu pai com militares e políticos. Habitando no
olho do furacão que era a Europa Central do início do Século XX, a
pequena D. Adelaide de Bragança acabou vivendo aventuras e desventuras
de pasmar: da I Guerra Mundial, recorda o racionamento e as filas para
aquisição dos alimentos que então rareavam. «A certa altura, ainda eu
era muito pequena, comíamos batatas ao pequeno almoço, que vinham de
comboio e no Inverno congelavam. Uma batata congelada nem um animal
consegue comer: ficávamos sem a refeição.» D. Maria Adelaide ressalva
que não chegou a passar fome, pois por ser muito pequena, sempre
arranjava qualquer coisa quando passava na mercearia ou no talho. «O meu
irmão Duarte (D. Duarte Nuno de Bragança), esse sim: primeiro porque
não “pedia”, segundo porque não queria receber “assim” os alimentos, e
repartia o pouco que tinha, em prejuízo da sua saúde» que se deteriorou,
fazendo perigar os saudosos passeios de bicicleta que a pequena infanta
dava com o irmão sentada no guiador, recorda.
Em busca de subsistência, a família refugiou-se então numa
propriedade dum tio materno na Boémia, que no final da Guerra acabou
“requisitada” pelos comunistas, com os quais se encantou «com as suas
boinas vermelhas e altivos cavalos». Em Viena, a jovem Infanta estudou
Enfermagem e Assistência Social, e habitou uma residência universitária
«uma coisa já natural para uma Senhora na altura».
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Leitura obrigatória |
Cresceu de frente para um Mundo em convulsão e durante a ocupação
nazi, ainda em Viena, onde como enfermeira se juntara à resistência e
acudia os feridos entre bombardeamentos, foi presa e sentenciada à morte
pela Gestapo, vindo a ser libertada por intervenção de Salazar, que
então acumulava a presidência do Conselho de Ministros com os Negócios
Estrangeiros. Nessa ocasião foi-lhe concedido, e a seus irmãos,
passaporte português. Foi entre estas correrias e aflições que conheceu
um estudante de medicina de seu nome Nicolaas van Uden, com quem casou.
“Ele como médico e eu como enfermeira estivemos para ir para África, mas
pressionados pela família acabámos por vir para Portugal”, por
autorização especial de Salazar, por volta de 1949, ainda antes da
revogação da lei do banimento.
Instalada a família numa quinta em Murfacém, perto da Trafaria, a
Senhora D. Maria Adelaide cedo se entregou a uma intensa actividade de
cariz caritativo, tendo dirigido a Fundação D. Nuno Álvares Pereira
situada em Porto Brandão, instituição de apoio a mães pobres em final de
gravidez e crianças abandonadas, dedicando fervorosamente a sua vida
aos mais desfavorecidos.
Longe das fugazes ribaltas e feiras de vaidades, a Senhora D. Maria
Adelaide, hoje prestes a completar noventa e oito anos, além de
constituir um precioso testemunho vivo, directo e indirecto, da História
dos últimos duzentos anos, é um verdadeiro exemplo de profunda nobreza,
aliada a uma invulgar coragem e irreverência.
João Távora com João Mattos e Silva para o Correio Real nº 2
Agradecimentos: Adriano e Nuno van Uden
publicado por João Távora em Real Associação de Lisboa
Boa tarde,
ResponderEliminarUma mulher forte, muito à frente de seu tempo!
Adorei saber da história da familia e da Princesa D. Maria Adelaide.
Att.
Sãozita/São Paulo