Um
dos casos judiciais mais marcantes de 2011 foi a condenação, a uma
multa de seis mil euros, por um tribunal de Paris, do estilista John
Galliano. Este criador de moda da casa Dior, aparentemente ébrio,
declarara o seu monstruoso amor a Hitler, desejando a morte do casal de
judeus que estava a seu lado, num bar da antiga judiaria parisiense.
O primeiro azar de John Galliano foi o vinho. Não fosse o néctar dos
deuses e o sujeito não se teria sentado no banco dos réus. Para maior
infelicidade do etilizado estilista que, à conta disto, poderá ficar
ainda mais anti-semita, a Bíblia atribui a Noé, o mesmo da prodigiosa
arca, a invenção do vinho. Ainda assim, o balancear de Noé pelo convés
seria mesmo coisa da maré, não do vinho … Porém, é verdade que a Sagrada
Escritura conta que Noé se embriagou alguma vez, tendo também ele
protagonizado tristes figuras.
Os antigos diziam: «in vino veritas», ou seja, o vinho predispõe à
verdade. Pois é, mas isso é só quando é bebido com conta, peso e medida.
Quando se está grosso, geralmente é grossa a asneira que sai. Foi o
caso de Galliano que, de facto, não poderia ter sido mais desastrado.
O segundo azar de John Galliano foi Adolf Hitler. Imagine-se que o dito
criador de moda se tinha apresentado no bar envergando uma camisola com a
efígie de Estaline, um boné à Mao, ou até que fazia um brinde à saúde,
por sinal bastante debilitada, do camarada Lenine. É certo e sabido que
ninguém se teria sentido incomodado com tais alusões, muito embora esta
troika tristemente famosa tenha sido, até passando por alto a mórbida e
mesquinha comparação contabilística das respectivas vítimas, tão
prejudicial à humanidade quanto o diabólico líder nazi.
É razoável que se condene, sem hesitações, a tirania nazi, mas não
parece justa a relativa complacência, ou cumplicidade, em relação às
outras ditaduras. É de facto estranho que, na mentalidade dominante,
haja, ao que parece, tiranos bons e tiranos maus: os primeiros podem
desfilar em peças de roupa, ser elogiados e festejados em canções; mas,
dos segundos, nem os nomes malditos podem ser tolerados. A foice e o
martelo são adereços inócuos, mas a cruz suástica é uma provocação
inadmissível. Amar Lenine, Estaline, Mao ou Che Guevara é politicamente
aceitável, mas gostar de Hitler não.
O terceiro azar de John Galliano foi o facto de ter insultado um casal
de judeus. Tivesse tido a sorte de ofender um par saloio cá da terra e,
na pior das hipóteses, levava apenas um sopapo, à antiga portuguesa, e
não se falava mais do caso. Mas tocar num casal judeu, o que é
obviamente inadmissível, em especial quando a raça é o motivo, é muito
mais grave do que incomodar um par de qualquer outra etnia ou religião. É
óptimo que o sofrido povo hebraico goze dessa merecida protecção, mas
seria desejável que, na comunidade internacional, não houvesse
nacionalidades, ou credos, de primeira e de segunda classe.
O quarto azar de John Galliano foi a sua falta de pontaria quanto às
vítimas da sua ofensa verbal. Teve azar, como já se disse, pelo facto de
serem judeus ou, mais concretamente, por serem aqueles judeus. Com
efeito, há judeus que podem ser ofendidos impunemente e, por isso, é
fundamental a pontaria.
Se o estilista tivesse tido a sorte de, por hipótese, injuriar os judeus
Jesus e Maria de Nazaré, o seu gesto não só não seria susceptível de
procedimento criminal, como até seria previsivelmente louvado. Não
faltaria quem defendesse a genialidade criativa do provocador e os
eventuais protestos seriam silenciados, por contrários à laicidade das
instituições e às sacrossantas liberdades artísticas. Cristo e sua Mãe
são, com efeito, os dois únicos judeus que podem ser insultados à
vontade no mundo inteiro e, principalmente, no ocidente.
Quatro azares são demais para um homem só. Não parece fácil que o
etilizado John Galliano se consiga reabilitar depois de tão monumental
sarilho. Para que não seja em vão o azar do infeliz criador de moda,
aprenda-se pois a lição.
Primeiro: não se embebede, se quiser insultar ou, pelo menos, não
insulte, se estiver embriagado, ou ainda, em termos de prevenção
rodoviária: se bebeu, não ofenda! Mas o melhor mesmo é que não insulte
nunca ninguém. Segundo: declare o seu amor eterno a um tirano
politicamente correcto, ou seja, qualquer um que não seja o execrável
Hitler. Terceiro: ofenda um par, de preferência casado em regime de
comunhão de agravos, de qualquer religião ou nacionalidade que não a
judaica. E, quarto: se, apesar de tudo, optar por judeus, não se esqueça
que só há duas pessoas dessa nacionalidade que podem ser impunemente
ultrajadas em público.
E, já agora, tenha também o que faltou ao desgraçado John Galliano: sorte!
P.S. Aviso à navegação: este artigo não é contra Noé, nem as arcas, nem o
vinho, nem as camisolas, nem os estilistas, nem os comunistas, nem os
judeus, nem os saloios, nem a prevenção rodoviária. Também não é a favor
de Galliano, nem de Hitler, nem dos grupos nazis, nem do
anti-semitismo, nem do comunismo, nem do fundamentalismo islâmico ou
outro. Mas é, seguramente, contra a hipocrisia e a favor da verdade na
caridade e da igualdade e liberdade de todos os homens, povos e
religiões.
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Fonte: Voz da Verdade
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