A
primeira república, nos 16 anos da sua vigência, debateu-se com um
problema comum a todos os movimentos revolucionários. Por mais paradoxal
que possa parecer, o cimento que une as várias facções dentro de um
grupo é, quase sempre, o regime que combatem. Foi assim no 5 de Outubro,
mas também no 28 de Maio ou no 25 de Abril. E é normal que assim seja.
Só se pode construir algo de novo quando se derruba o poder que está
instituído, pelo que é compreensível que a convergência se faça nesse
plano, esquecendo as divergências quanto ao projecto político que se
pretende implantar. O movimento republicano em Portugal não foi
diferente. A Ideia de República começa a surgir em Portugal com a
Revolução de 1820, levando à Constituição de 1822, que
retirava praticamente o poder ao Rei. Durou pouco tempo esta
constituição, sendo mais tarde substituída pela Carta Constitucional,
outorgada por D. Pedro IV, que era muito mais moderada e atribuía muito
mais poder ao Rei. No entanto o gérmen da revolução republicana ficou
enraizado, principalmente nas hostes dos vintistas, responsáveis pela
Revolução de Setembro, que mais tarde engrossariam as fileiras do
partido de esquerda do rotativismo monárquico: o Partido Progressista.
Contudo,
nem o Partido Progressistas, nem o Regenerador (moderado) conseguiram
cativar todos aqueles que não se reviam no sistema político nascido da
Revolução Liberal e assim começou a nascer a ideia de República. Não foi
um processo rápido, muito por culpa da política de fomento de Fontes
Pereira de Melo, que transformou completamente a face do país. No
entanto, depois de Fontes, não surgiu nenhum Estadista à sua altura, e o
regime cristalizou num parlamentarismo bacoco, que não ia muito além da
luta de poder, sem um único projecto político no horizonte. O Conde de
Abranhos, personagem de Eça de Queiroz, é uma caricatura sublime da
figura-tipo dos políticos da segunda metade do século XIX. Nem as
campanhas dos africanistas nos sertões africanos, que empolgaram
verdadeiramente os portugueses, conseguiram obnubilar a ausência de
ideias. Foi neste marasmo que os republicanos conseguiram encontrar
terreno fértil para crescer. A sua implementação foi significativa
sobretudo nos bairros operários, com destaque para Alcântara, primeiro
baluarte industrial de Lisboa, e junto de uma burguesia citadina,
constituída por funcionário públicos, professores, advogados,
jornalistas e intelectuais (ou aspirantes ao estatuto).
Este
movimento não teve a força que se podia supor. Socorro-me novamente de
Eça, que pôs, na sua obra póstuma, “A Capital”, a sua personagem
principal, Artur Corvelo, numa reunião de Republicanos, para percebermos
a insipiência do movimento na década de 70 do século XIX. Contudo,
existiram dois momentes marcantes, que alterarm completamente a face do
republicanismo em Portugal num par de anos. O primeiro foi o IV
centenário da morte de Camões, cujas celebrações foram completamente
dominadas pelos republicanos (o regime não caiu no mesmo erro, dois anos
depois, no centenário da morte de Sebastião José Carvalho e Mello) e o
segundo foi o ultimato britânico, após a ocupação do território
reivindicado pela Velha Albion, para aquele megalómano projecto de ligar
o Cabo ao Cairo por caminho-de-ferro.
Logo
em 1891, reinava D. Carlos há pouco mais de 1 ano, rebenta a revolução
do 31 de Janeiro no Porto, que não conseguiu derrubar o multisecular
regime monárquico em Portugal. Mas os republicanos fortaleceram-se e daí
até ao regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, numa intensa campanha de
terror, devidamente coadjuvada pela actividade parlamentar do sempre
exaltado Afonso Costa, foi apenas uma questão de tempo.
Morto
o Rei e o Príncipe, estava aberto o caminho para os republicanos
conseguirem nas armas aquilo que nunca lograram nas urnas. Em 1910,
Portugal era uma democracia, com as imperfeições e virtudes das demais
congéneres europeias. Havia caciquismo como no Reino Unido ou em
Espanha, o colégio eleitoral era restrito (no tempo da Iª República foi
ainda mais) mas existia liberdade total, inclusivamente na imprensa, num
formato que hoje seria completamente inaceitável, pela facilidade com
que se caluniavam os políticos e a Família Real sem qualquer espécie de
fundamento ou prova. A base de apoio dos republicanos estava sobretudo
na pequena burguesia urbana, muito concentrada em Lisboa, ao ponto de
terem conseguido ganhar as eleições na Câmara de Lisboa em 1908 (por
esse motivo a instauração da República foi proclamada na varanda do Paço
do Município). Existiram também dissidências e traições no seio dos
partidos do rotativismo, nomeadamente no partido mais à esquerda, o
Progressista, sendo o caso mais conhecido o de José Maria Alpoim, que
fundou a Dissidência Progressista, e cujo envolvimento no regicídio
ainda não foi completamente esclarecido.
Instaurado
o novo regime, o antigo Partido Republicano dissolveu-se em 3 partidos:
O Democrático, Evolucionista e Unionista. Não tinham uma grande
clivagem ideológica. A maior diferença era ao nível do perfil de
liderança. Entre os Democráticos pontificava o radicalismo de Afonso
Costa. Este político tinha, enquanto ministro da Justiça do Iº Governo
provisório, cometido diversas atrocidades, movendo uma perseguição feroz
à Igreja. Teve sempre uma milícia (a Formiga Branca), pronta a combater
nas ruas por aquilo que não conseguia alcançar pela via política, e
cuja maior façanha foi o derrube de um governo, de Nunes da Costa, por
parte de dois rufias: o Chico Fadista e o Ai Oh Linda!
Contra
este radicalismo ergueu-se o Partido de António José de Almeida, o
Evolucionista. Liderado por uma pessoa cordata, séria, arreigada a
valores morais inabaláveis, tentou situar-se mais ao centro no espectro
político, para procurar consensos no meio daquela constante agitação
política, social, económica e militar. Debalde.
Surgiu
ainda um terceiro partido, mas que nunca teve a relevância dos
anteriores: o Evolucionista. Liderado por Brito Camacho, era um partido
mais conservador, mas também por esse facto apresentava um programa
político mais pragmático, mais orientado para o progresso e menos para o
debate ideológico.
O
resultado de tudo isto não foi brilhante. A República prometeu um país
diferentes, a andar para a frente, que significasse uma ruptura com o
passado monárquico, mas chegámos a 1926 muito pior do que em 1910,
perdendo quase 2 décadas em atentados, no derrube de governos, enquanto o
povo morria à fome enquanto via os sonhos esfumarem-se. A culpa não foi
dos políticos republicanos, até porque a maioria eram pessoas íntegras
(não incluo Afonso Costa neste rol). O problema foi terem prometido o
que nunca conseguiram cumprir, devido a um postulado básico que não
souberam interpretar: pensar que todos os males estavam associados ao
regime monárquico, o que estava longe de ser verdade. O regime
parlamentar manteve-se com a República, mas as lutas de poder eram muito
mais violentas, porque o sentimento de impunidade era total, e os
políticos digladiavam-se pela procura de um espaço vital, que lhes
conferisse protagonismo no novo regime. É sempre assim, senão vejamos
que os actuais quatro grandes partidos portugueses também definiram o
seu peso eleitoral entre 1974 e 1976. Em 1910, pensava-se que apenas
bastava expulsar o Rei para ter um país melhor. Erro crasso. Não são os
reis que fazem um povo. É precisamente o contrário.
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