Não
há dúvidas que construir uma família na época em que vivemos não é
fácil, estamos a viver momentos históricos de grandes mudanças, onde o
casal e a família também se têm ressentido. Também não há dúvidas da
crescente fragilidade do sistema-casal e familiar dos nossos dias, que
parecem estar em profunda crise, enquanto instituição, disto é prova o
crescimento vertiginoso do número de rompimentos de casais nas suas mais
diversas formas, o que nos leva a ter um sinal de alarme, até mesmo
para os casais mais experientes e unidos, pois assistimos a separações
precoces de relacionamento em fase de “teste”, ou mesmo depois de um
brevíssimo período de convivência, rompimentos de casal depois da
chegada do primeiro filho, separações dolorosas após 20 ou 30 anos de
vida em comum e, ainda mais inacreditável, em idade avançada.
Por
um lado, a sociedade ocidental de hoje tem como meta a liberdade
individual a ser alcançada a qualquer custo, esquecendo-se um pouco de
libertar o homem do “mito” ou mesmo do “complexo de liberdade”, este sim
o limite, ou seja, o grande obstáculo do homem ser livre, comprometido e
responsável. Por outro lado, o próprio desenvolvimento do casal parece
ameaçado em seu interior por fortes rupturas, cada parceiro inicia uma
vida a dois, consciente de que neste período da história desapareceram
as certezas e previsões plausíveis sobre como manter viva a ligação do
casal ao longo do tempo.
Neste
contexto, surgem novas formas de família, sendo o tipo de família mais
crescente da actualidade – as famílias reconstruídas -, onde os irmãos
passam a ser adquiridos e onde os fenómenos de recomposição familiar
passam de um primeiro núcleo mais restrito para configurações mais
ampliadas com a presença de crianças e adolescentes nascidos e crescidos
em casas diferentes.
Todas
estas realidades levam os novos casais a romper com os velhos
estereótipos sociais de visões mais idealizadas e tradicionais, o que
vai contribuir para aumentar a confusão entre o casal e não favorecer os
novos processos de vida familiar.
Em
tudo isto podemos observar a crise do casal que na sequência lógica
será também a crise da família, esquecendo-nos em certa medida de toda a
positividade e até potencialidade que estas novas formas, de se
organizar a família têm. Chegando mesmo a esquecermo-nos do “laço
hipócrita” de muitas das famílias ditas tradicionais que a qualquer
custo, tentam manter um casamento, mesmo quando há falta de
autenticidade e respeito recíproco, vivendo, mesmo, anos a fio divórcios
invisíveis, convencidos, por tanta ingenuidade ou até ignorância que
mantendo-se assim, serão um exemplo para os filhos.
Também
será bom ter-se consciência que longe estamos do modelo ultrapassado em
que o marido munido de um cansaço físico e psicológico por ser o único
provedor da família se “desalinhava” no sofá num sono profundo, deixando
todo o encargo da organização, manutenção e educação para a esposa,
situação aceite, porque o estabelecimento de regras, metafóricas de
então, cingiam-se unicamente à atribuição de funções, regras e direitos
em função do género. Também será bom lembrar que longe estamos do
conceito ou “mito” de intimidade fusional, “a minha cara metade”,
procurando-se, hoje, descobrir como fazer para encontrar “duas unidades”
capazes de dialogar de modo harmónico e duradouro.
Antes
mesmo de terminar, gostava ainda, de referir as dificuldades de muitos
casais em afastar-se da necessidade tantas vezes negada ou mascarada de
dependência das próprias famílias de origem, onde o Édipo mal resolvido
os faz voltar constantemente a essa dependência, sendo isso mesmo, a
causa de graves sofrimentos conjugais. Por outro lado, em nada nos faz
mal, reflectirmos, um pouco, sobre a raiva e a dor dos filhos que se
sentem como que “bagagem” de uma casa para outra, sem conhecerem ou
partilhar o itinerário e o ponto de chegada. Situação comum nos nossos
dias e tornada “invisível” em muitas famílias que por resistência e/ou
conflito não satisfazem as necessidades destas crianças magoadas e
esquecidas.
Termino
com a ideia de ter dito tão pouco daquilo que gostava de partilhar
convosco, mas prometo voltar, quiçá, com reflexões sobre o terreno
fértil às crises de casal e às novas formas de nos podermos adaptar ao
ciclo vital do casamento e da família, de forma, a conseguirmos pensar
em conjunto alguma felicidade através do funcionamento saudável de viver
um “casamento”.
Sílvia Oliveira
Deputada Municipal do PPM
Jornal "Diário do Minho" de 18 de Abril, pág. 16
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