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OS HIPÓCRITAS QUE VÃO À MISSA
A propósito do
despropósito dos católicos não praticantes
Foi há já algum tempo que uma
pessoa, algo impertinente, disparou contra mim, à queima-roupa, a razão da sua
não prática religiosa:
- Eu não vou à Missa porque está cheia de
hipócritas!
Apesar de não ser um argumento propriamente original – na
realidade, nem sequer é um argumento – o tópico deu-me que pensar, sobretudo
porque é esgrimido, com frequência, pelos fervorosos «católicos não praticantes»
que, como é sabido, abundam. São, em geral, fiéis descomprometidos, ou seja,
pessoas baptizadas que dispensam a prática religiosa colectiva, com a desculpa
de que nem todos os praticantes são cristãos exemplares.
Alguns praticantes
são, no sumário entendimento dos que o não são, pessoas duplas, porque aparentam
uma fé que, na realidade, não vivem, enquanto outros há, como os ditos não
praticantes, que mesmo não cumprindo esses preceitos cultuais, são mais
coerentes com a doutrina cristã. A objecção faz algum sentido, na medida em que
a vida cristã não se reduz, com efeito, a uns quantos exercícios piedosos.
Mas o cristianismo é doutrina e vida: é fé em acção, esperança viva e
caridade operativa. Portanto, a prática comunitária é essencial à vida cristã e
a praxe litúrgica, embora não seja suficiente, é-lhe necessária. Assim sendo,
mesmo que os praticantes não vivam cabalmente todas as virtudes cristãs, pelo
menos não descuram a comunhão eclesial, nem a prática sacramental e a vida de
oração. Deste modo, cumprem uma das mais importantes exigências do seu
compromisso baptismal, ao contrário dos não praticantes, não obstante a sua
auto-proclamada superioridade moral.
Os fiéis que não frequentam a igreja, à
conta dos fariseus que por lá há, deveriam também abster-se de frequentar
qualquer local público, porque provavelmente está mais pejado de hipócritas do
que o espaço eclesial. Estes novos puritanos deveriam também abster-se de ir aos
hospitais que, por regra, estão cheios de doentes, e às escolas, onde pululam os
ignorantes. É de supor que o único local digno da sua excelsa presença seja tão
só o Céu, onde não consta qualquer duplicidade, pecado, fraqueza, doença,
ignorância ou erro. Mas também não, ao que parece, nenhum católico não
praticante…
Segundo a antropologia cristã, todos os homens, sem excepção, são
bons, mas nem todos praticam essa bondade. Um mentiroso não é uma pessoa que não
acredita na verdade, mas que não é sincero, ou seja, não pratica a veracidade.
Os ladrões são, em princípio, defensores da propriedade privada, mas não a
respeitam em relação aos bens alheios. Um corrupto não o é porque descrê da
honestidade, mas porque a não pratica. Aliás, as prisões estão repletas de boa
gente, cidadãos que crêem nos mais altos e nobres valores éticos, mas que os não
praticam.
Mas, não são farisaicos os cristãos que são assíduos nas rezas e
nas celebrações litúrgicas, mas depois não dão, na sua vida pessoal, familiar e
social, um bom testemunho da sua fé? Talvez. Só Deus sabe! Mas, mesmo que o
sejam, convenhamos que são uns óptimos hipócritas. Os hipócritas são bons quando
sabem que o são e procuram emendar-se, e são maus quando pensam que o não são,
justificam-se a si próprios, julgam e condenam os outros. Os crentes que
participam assiduamente na eucaristia dominical, sempre que o fazem recebem
inúmeras graças e reconhecem, publicamente, a sua condição de pecadores, de que
se penitenciam, com propósito de emenda. Mesmo que não logrem de imediato a
total conversão, esse seu bom desejo e a participação sincera na celebração
eucarística é já um grande passo no caminho da perfeição.
Foi por isso que,
com alguma ironia e um sorriso de verdadeira amizade, não pude deixar de
responder àquele simpático «católico não praticante»:
- Não se preocupe por a
Missa estar cheia de hipócritas: há sempre lugar para mais um!
P. Gonçalo
Portocarrero de Almada
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