Portugal tem um Rei
A 19 de Janeiro é proclamada a Monarquia no Porto e em todo o
Norte do País. É declarado o estado de sítio em todo o continente e
Lisboa é sitiada por forças monárquicas. No entanto a Proclamação é
efémera (a 24 de Janeiro a revolta é subjugada no Sul), embora o Norte
tenha resistido até 13 de Fevereiro, tendo mesmo sido criada uma Junta
Governativa do Reino chefiada por Paiva Couceiro. A 13 de Fevereiro,
após combates em todo o litoral centro, a guerra civil termina com a
entrada dos republicanos no Porto.O episódio acabaria por ser
reestruturante para o País: D. Manuel II , fiel à Carta Constitucional
que jurara,referiu-se a ele como um acto efectuado a sua revelia e
dificilmente aprovaria qualquer Restauração que não fosse pacificamente
aceite pelo povo; os monárquicos mais pragmáticos acabariam por procurar
a solução dentro da forma republicana, que acabou por se configurar na
II República ; outros mais radicais afastaram-se de D. Manuel II ,
aproximando-se da linha legitimista permanecendo eternamente opostos à
Republica e tudo o que esta representava e a maioria passou a encarar o
Portugal dos Reis e Rainhas como um ente falecido do qual nutriam
saudades imensas e o País como um problema sem solução .
Passados 94 anos a História prova ser um dado útil para analisar o
presente e antever o futuro.O espírito liberal e burguês da revolução de
5 de Outubro não resultou assim como a solução autoritária que
pretendia congelar o País e os seus costumes em 1926.O Portugal
do séc. XXI continua paralisado entre uma República absoluta ineficiente
,refém de interesses privados e a memória de um País que já só existe
nos livros de História: Portugal é um País demasiado antigo e complexo
para se deixar governar por uma Republica e demasiado antigo para
insistir em erros antigos na procura de soluções novas.
-.-
94 anos sobre a Monarquia do Norte
A Monarquia, ao contrário do que possivelmente muitos julgam saber,
não acabou em 5 de Outubro de 1910 com a conquista do Estado pelo
Partido Republicano dominado pela nascente burguesia política de Lisboa .
Em 1919, a 19 de Janeiro, um domingo, pela uma da tarde, voltou a haver
Monarquia em Portugal. Não em todo o País, mas no Porto e, a partir
daí, por quase todo o Norte do País. A restauração, também tentada em
Lisboa, a 24 de Janeiro, falhou no Sul. A Monarquia de 1919 ficou assim a
ser a ‘Monarquia do Norte’, existindo acima de Aveiro e Viseu, uma
espécie de ressurreição nacional que ainda hoje carece de um estudo
sério.
Em 1910, muita gente dispusera-se a aceitar a República, na
suposição de que seria um regime liberal e pluralista, uma recuperação
do espírito progressista de 1850. Mas a República, entre 1910 e 1917,
não foi isso. Consistiu antes no domínio do Estado por um
partido, o PRP de Afonso Costa, com uma orientação liberal disfarçada
de esquerda revolucionária.
(19 de Janeiro de 2013)
Não, a Monarquia não acabou a 5 de Outubro de 1910.
Não se pode dizer que o rei tenha voltado, mas os que o queriam de
volta reinaram entre 19 de Janeiro e 13 de Fevereiro de 1919 – no Norte.
Fotografia do documento da proclamação da Monarquia do Norte,
redigido por Paiva Couceiro, de 19 de Janeiro de 1919. Com nota
manuscrita no documento: “Foi este exemplar da Proclamação que, por
ordem de Paiva Couceiro lá ás tropas da guarnição do Porto por ocasião
da formatura do Monte Pedral, em que foi restaurada a monarchia. Saturio
Paes”. No verso: “ABC. 355″
(Documentos Carvalhão Duarte)
Em Lisboa e no Sul, a revolta liderada por Paiva Couceiro não vingou. Passam
agora noventa e quatro anos sobre o episódio da Monarquia do Norte, que
primou pelo caricato – tal como os republicanos, os monárquicos não se
entendiam entre si e a restauração acabou por se fazer sem apoio do Rei
exilado, D. Manuel II. Mesmo doente, com gripe, o capitão
Sarmento Pimentel acabou por restaurar a República com o apoio do
Presidente da República que era monárquico.Um País resumia-se a
um retalho de boas intenções que somadas apenas configuraram um tapete
vermelho para as quatro décadas de autoritarismo de Estado que se
seguiram.
Na Europa, a I Guerra Mundial acabara havia dois meses e começava a
conferência de paz de Versalhes. A situação do País era tremenda.
Faltavam abastecimentos, o Estado estava arruinado, corriam muitos
boatos, e a epidemia de gripe matava milhares de pessoas.
No Porto estabeleceu-se uma Junta Governativa do Reino de Portugal, presidida pelo célebre capitão Henrique da Paiva Couceiro.
Por quase todo o Minho e Trás-os-Montes voltou a haver bandeiras
azuis-e-brancas. A Junta do Porto restaurou a antiga moeda (o real,
através de carimbo nas notas de escudo em circulação), e a Guarda
Nacional Republicana foi baptizada Guarda Real. Mas o rei não
regressou a Portugal e o fracasso da restauração em Lisboa desanimou
muita gente. Tudo acabou a 13 de Fevereiro, precisamente onde começara:
no Porto, com um contra-golpe militar.
Depois do fracasso de dois regimes. A Monarquia de 1919 resultou do fracasso dos dois regimes políticos que a antecederam:
-o do Partido Republicano Português (PRP) de Afonso Costa, até 1917,
-e o de Sidónio Pais, entre 1917 e 1918.
-e o de Sidónio Pais, entre 1917 e 1918.
Em 1910, muita gente dispusera-se a aceitar a República, na
suposição de que seria um regime liberal e pluralista. Mas a República,
entre 1910 e 1917, não foi isso. Consistiu antes no domínio do Estado por um partido decidido
a usufruir do poder em exclusivo, o PRP perseguiu e oprimiu todos os
que se lhe opunham, desde os católicos aos sindicatos anarquistas,
passando pelos republicanos mais liberais ou conservadores. Os jornais
da oposição eram regularmente assaltados e destruídos e houve sempre
milhares de presos políticos e exilados.
Em Dezembro de 1917, o major Sidónio Pais dirigiu um golpe militar
que derrubou o governo do PRP. Quis manter a República, mas aberta a
todos os que tinham sido excluídos e reprimidos pelo PRP: republicanos
conservadores, monárquicos, católicos. Mas só Sidónio, com o seu
carisma, dava uma aparência de solidez à ‘República nova’. Quando foi
assassinado, a 14 de Dezembro de 1918, tudo se desfez. Os vários grupos
políticos dispuseram-se a recorrer à força para predominar. A 10
de Janeiro, o PRP e outros republicanos tentaram um golpe armado em
Lisboa e em Santarém. A 19, foi a vez dos militares monárquicos do
Porto. O governo sidonista tentou jogar uns contra os outros: a 10,
pediu ajuda aos monárquicos contra o PRP; a 19, ao PRP contra os
monárquicos.
Uma causa dividida e hesitante.
O caos político no mês de Janeiro de 1919 atingiu níveis fantásticos.
A divisão política em Portugal não passava simplesmente por uma
oposição entre republicanos e monárquicos. Cada um desses campos estava
dividido entre si por divergências e ressentimentos por vezes mais
profundos do que aqueles que os separavam do campo contrário.
À chamada Causa Monárquica, por exemplo, não correspondia
nesta época uma organização partidária com um comando único, nem sequer
uma convergência em termos de estratégia e ideologia.
Paiva Couceiro, que chefiou o golpe no Porto em 1919, era pela
restauração da Monarquia através de um golpe militar. Mas o rei D.
Manuel e o seu lugar-tenente em Portugal, Aires de Ornelas, preferiam
colaborar com uma República conservadora, uma espécie de ‘República
governada por monárquicos’, como tinha sido o regime de Sidónio, donde
no futuro resultasse a restauração de um modo consensual. Mas os
monárquicos também não concordavam acerca da Monarquia a restaurar: a
Monarquia constitucional de 1910, ou uma ‘Monarquia nova’, de acordo com
o programa autocrático do chamado Integralismo Lusitano?
O que aconteceu em Janeiro de 1919 percebe-se melhor tendo
presente esta fragmentação. Para Paiva Couceiro, ’se não for agora, não é
nunca’. Vestiu um velho uniforme de gala e apareceu a cavalo
no Porto. Em Lisboa, Aires de Ornelas, fleumático onde o outro era
impetuoso, ainda esperou um compromisso com os republicanos. Por isso
concentrou as forças militares sob o seu comando – cerca de 900 soldados
e uns 300 civis armados – em Monsanto, numa atitude defensiva. Quando
lhe falavam de Couceiro, respondia: ‘Nós não podemos ter nada de comum
com essa gente.’
Em Lisboa, a movimentação militar monárquica acabou a 24 de Janeiro, depois de dois dias de combates. Tal
como D. Manuel temia, a perspectiva da restauração monárquica serviu
para o PRP, em nome da unidade dos republicanos para a defesa da
República, voltar ao governo, que logo monopolizou. No Norte,
que era cultural e politicamente muito diferente do Sul, o ambiente era
mais favorável à Monarquia. Muitos padres e fiéis, revoltados pelas
perseguições do PRP à igreja, apostaram na restauração. Houve quem, ao
princípio, tivesse previsto uma guerra civil de quatro anos. Mas
Couceiro tinha pouca tropa e dificuldades logísticas. O governo de
Lisboa dominava o mar, impedindo abastecimentos. A Junta do Porto não
conseguiu que a Espanha a reconhecesse e, muito menos, ajudasse. A
derrota em Lisboa, a 24, teve um efeito desmoralizador, tal como alguns
combates mal sucedidos.
Os restauradores também foram confrontados com uma certa
naturalização das instituições e símbolos republicanos. Um episódio,
contado pelo escritor Campos Lima no seu ‘Reino da Traulitânia’, é
significativo. Alguém se lembrou de estender a bandeira vermelha e verde
da República na entrada do edifício central dos correios do Porto, para
ser pisada pelos utentes ao entrar. Tiveram de desistir, quando
constataram que o público evitava entrar nos correios. Afinal, aquela
era a bandeira que Portugal tivera durante a guerra.
A 13 de Fevereiro, a Monarquia acabou como começara: por um golpe
militar no Porto. O seu chefe foi o capitão João Sarmento Pimentel.
Apesar de doente com gripe, aproveitou a saída de Couceiro e da maioria
das tropas para restaurar a República à frente da Guarda Real, que
voltou a ser a Guarda Republicana. A 19 de Fevereiro, os últimos
combatentes da Monarquia deixaram Trás-os-Montes em direcção à Galiza.
No total, os confrontos militares entre Janeiro e Fevereiro terão
provocado uns 150 mortos.
Uma alternativa dentro da república. Os republicanos vencedores
tentaram arranjar uma má fama à ‘Monarquia do Norte’, explorando as
violências que alguns militantes monárquicos exerceram sobre presos
republicanos no Éden Teatro. Daí o nome que lhe deram de ‘reino da
Traulitânia’. Nada, de resto, se comparou às brutalidades das massas do
PRP em Lisboa. Um caso particularmente repugnante foi o linchamento do
monárquico Jorge Camacho, a 7 de Fevereiro, no Terreiro do Paço, quando
chegava à capital sob prisão.
Mas foram sobretudo os próprios monárquicos quem se
encarregaram de deprimir a aventura do Porto. D. Manuel referiu-se
depois à iniciativa de Couceiro como um ‘crime’, cometido contra as suas
instruções.
Uma parte dos monárquicos, como os do chamado Integralismo Lusitano,acabaram
por romper com o rei, ligando-se à linha miguelista. Deixou de se
perceber o que poderia ser a Monarquia, se fosse restaurada. Em 1924, o
escritor Armando Boaventura publicou um livro humorístico com o título
de ‘Sem Rei nem Roque’, em que imaginava o que seria a restauração da
‘monarchia com ch’: haveria um ‘concurso’ para escolher um rei, com pelo
menos 2000 candidatos. Os políticos católicos inspirados pela
hierarquia da Igreja começaram a afastar-se da Causa Monárquica.
O grande resultado de 1919 foi a prova de que a Monarquia não
conseguia ser alternativa. O que não quer dizer que não fosse necessária
uma alternativa. Porque a República que veio em 1919, não trazendo os
mesmos chefes (Afonso Costa não regressou do exílio), fez regressar o
pior da anterior experiência de domínio do PRP. Mas a
alternativa iria ser encontrada dentro da forma republicana de regime,
segundo o modelo sidonista. Seria o Estado Novo, que deixou de fora os
principais combatentes de 1919, de um lado e do outro. Em 1939, vinte
anos depois, Paiva Couceiro, o restaurador da Monarquia, e Sarmento
Pimentel, o restaurador da República, estavam ambos exilados por
Salazar.
HENRIQUE PAIVA COUCEIRO
O capitão Paiva Couceiro foi o presidente da Junta que restaurou a
Monarquia no Porto a 19 de Janeiro de 1919. Alto, magro, louro,
arrebatado, era uma figura quixotesca. Alguns chamavam-lhe o ‘novo Nuno
Álvares Pereira’. Nascido em 1861, tinha sido um herói das guerras de
ocupação de Moçambique no fim do século XIX e governador geral de Angola
entre 1907 e 1909. Muito crítico dos governos da Monarquia, foi no
entanto o único a combater os republicanos em Lisboa, durante a
revolução dos dias 4-5 de Outubro de 1910. A República quis comprá-lo.
Ele recusou e partiu para o exílio. A partir da Galiza, chefiou duas
incursões armadas, em 1911 e 1912, para tentar uma restauração da
Monarquia. Couceiro nunca se deu bem com nenhum partido ou regime
político. O rei D. Manuel achava-o demasiado desalinhado e
irresponsável. Combatente contra a República de 1910-1926, veio também a
ser inimigo do Estado Novo de 1933, desse regime em que ‘vela a polícia
e o lápis da censura’, como disse em 1937 numa carta a Salazar, que por
isso o mandou prender e deportar para Espanha. Tinha então 76 anos.
Morreu em 1944.
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